domingo, 7 de novembro de 2010

DIVULGAÇÃO: Vem aí uma era conservadora?

6/11/2010 - Vem aí uma era conservadora?
"Este será o grande desafio da era pós-Lula: combinar políticas de transferência de renda com ganhos efetivos oferecidos à classe média", afirma André Marenco, cientista político da UFRGS, em artigo publicado no jornal Zero Hora, 06-11-2010.
Segundo ele, "do contrário, o ressentimento daqueles que não querem ver o “seu” imposto convertido em benefícios sociais poderá representar a usina para um conservadorismo revigorado".
Eis o artigo.
O economista americano Albert Hirschmann observou que períodos de grande mobilidade social costumam ser seguidos por ondas conservadoras, marcadas por uma retórica de intolerância em relação à mudança e a concessão de benefícios aos pobres.
O principal legado da era Lula foi, sem dúvida, políticas de transferência de renda que reduziram a pobreza absoluta de 28% para 15% da população e permitiram a ascensão social de 30 milhões de brasileiros para a classe C.
O senso comum repete o mantra que todos os governos possuem políticas assistencialistas, mas ignora a escala e magnitude que políticas redistributivas adquiriram nos oito anos da presidência Lula, correspondendo ao triplo dos recursos orçamentários em percentual do Produto Interno Bruto, destinados no governo Fernando Henrique Cardoso. Programas sociais, novos empregos, aumentos reais no salário mínimo e acesso ao crédito foram responsáveis por produzir taxas chinesas de 10% ao ano no crescimento da renda dos mais pobres durante esse período, contra apenas 3% de incremento nos ganhos dos indivíduos mais ricos. Impostos que geram receita pública, traduzida em prioridade conferida a investimentos sociais, que aumentam a renda dos mais pobres, que consomem mais, aquecem a economia, aumentando a receita pública. Esta é a equação virtuosa que a social-democracia europeia descobriu e que Lula adaptou a nossa economia.
O problema é que rancores e ressentimentos contra a transferência de renda embutida não tardam em se manifestar. No espaço entre os 83% de aprovação ao presidente e os 56% de votos conquistados por sua sucessora, podemos encontrar médicos, advogados e outros membros da classe média tradicional dizendo “já basta de financiar os pobres”, enquanto suas paredes ostentam diplomas das melhores universidades – públicas, é claro.
O aborto não foi o issue fundamental da disputa eleitoral nem terá um lugar importante no debate político dos próximos anos. Apenas uma pequena minoria de fundamentalistas religiosos perde o sono com essa questão. “Conflitos distributivos”, esse sim é o nome do jogo que separou o voto dos eleitores das regiões mais pobres em relação às mais ricas, e, nestas, dos moradores de zonas nobres em relação àqueles das periferias urbanas, e que recrudescerá nos próximos anos.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu percebeu que a convivência de rígidas hierarquias sociais com a ideologia igualitária do mundo moderno foi possível graças aos diplomas universitários: filhos de famílias abastadas frequentam as melhores escolas e com isso têm mais probabilidade de acesso a títulos universitários de maior prestígio e, por consequência, postos profissionais de status e renda mais elevados. Tudo sob a roupagem do mérito individual. Mas se os pobres começam também a ingressar nas universidades – públicas, ora vejam –, como vamos assegurar para nossos filhos o lugar que a eles cabe por ireito adquirido?
É preciso recolocar os pobres no seu lugar: essa deverá ser a consigna da era pós-Lula, que ouviremos evidentemente com outras palavras, como disciplina fiscal, livre iniciativa, mercado. A experiência mais profunda e longeva de redistribuição de renda –os welfare states europeus – só foi possível por amparar-se em alianças sociais entre sindicatos de trabalhadores, classes médias e, em alguns casos, como na Escandinávia, proprietários rurais, e esgotou-se quando essa aliança se partiu. Este será o grande desafio da era pós-Lula: combinar políticas de transferência de renda com ganhos efetivos oferecidos à classe média. Do contrário, o ressentimento daqueles que não querem ver o “seu” imposto convertido em benefícios sociais poderá representar a usina para um conservadorismo revigorado.

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