Estupefata, deparo-me com a seguinte postagem no sítio da Prefeitura Municipal de Cruz Alta:
"Administração Municipal repudia declarações da Defensoria Pública do Estado - Com relação ao Concurso Mais Bela Negra e Negro do Estado, a Administração Municipal vem declarar que repudia veementemente toda e qualquer manifestação de preconceito e discriminação, considerando as declarações da Defensoria Pública do Estado do RS como inapropriadas e totalmente desprovidas de fundamentos. É inaceitável que um Órgão de tamanha relevância e prestígio, merecedor de todo o respeito, faça tal acusação publicamente, sem permitir defesa, condenando via imprensa, em total desprestígio ao princípio da ampla defesa e ao Município. De salientar que houve um pedido firmado por Helenice Mello requerendo a contratação de um microônibus para viagem ao referido concurso, na cidade de Santa Cruz do Sul, o que foi indeferido na Secretaria Municipal de origem, exclusivamente por razões orçamentárias. Neste mesmo requerimento a signatária reconhece que recebia apoio do Município ao evento desde 1994. Portanto, o auxílio prestado por mais de 15 anos não tornou as administrações menos racistas, mas o não atendimento do requerido neste ano transformou a todos em 'manifestantes de ordem discriminatória à cultura negra'" (ver, postagem integral, em: http://www.cruzalta.rs.gov.br/portal1/municipio/noticia.asp?iIdMun=100143114&iIdNoticia=185014).
Afora as determinações legais que declaram o inapropriado da solicitação dirigida ao Município, quero trazer algumas outras questões para este furdunço:
- Há uma certa cultura assistencialista que ainda perdura em muitas cabeças e que tenta resgatar essas práticas em que o administrador público usava do dinheiro público para patrocinar atividades culturais que tanto podem, como não podem fazer parte do cenário cultural oficial da comunidade, dependendo do que é construído como vida cultural na mesma;
- A cultura popular não passa, necessariamente, pelos cofres públicos, pois depende basicamente do que é produzido enquanto cultura ou lazer na comunidade;
- A cultura de consumo passa, sim, por todos os cofres possíveis, principalmente pelos cofres da dignidade humana e o Município poderia, sim, estar sendo acusado de discriminação e racismo, se estivesse fomentando esses tipos de eventos: Mais Bela Negra e Negro, Mais Belo Gay, Mais Bela Comunitária, Demais Mais Belos, assim como, Rainhas e Princesas;
- Em que esses eventos contribuem para sobrepujar o preconceito e a discriminação? Porque somente os mais belos tem vez? A quem interessa cultuar os mais belos? A quem interessa a libidinização e exposição de crianças e adolescentes que participam de muitos desses eventos?
- O ideário do consumo, do capitalismo, do desrespeito à diversidade, do preconceito, da discriminção, da competição, da distinção hierárquica e massacrante entre os MAIS e os MENOS, tudo isso, é o contrário da cultura popular produtora de vitalidade, de protagonismo, de participação e de respeito;
- Para ilustrar essas reflexões, trago três situações emblemáticas, vindas do agir cotidiano em nossa comunidade: 1. Muitas escolas ainda preservam essa prática arraigada de realização de eventos para escolha dos MAIS alguma coisa, para o que, geralmente fazem com que os alunos vendam rifas para que os candidatos (as) mais "vendidos" sejam alçados aos postos de MAIS alguma coisa. Recentemente, numa escola pública, durante a organização do dito evento, uma mãe deu um lance de 100,00 (cem reais) para bancar o primeiro lugar para sua filha, repetindo uma prática comum nessas situações. Disso, restam muitas questões, dentre elas: que educação quer, uma escola que perpetua esse tipo de evento? O que essa mãe busca garantir para sua filha, comprando seu passaporte para o almejado primeiro lugar?; 2. Há uns três anos, numa roda de conversa sobre a questão da violência, do abuso e da exploração sexual contra crianças e adolescentes, que reunia vários representantes de instituições e entidades da comunidade, discutíamos sobre a realização de eventos em que se colocava crianças e adolescentes a disputar e competir para ser o MAIS. Crianças e adolescentes em poses e trajes sensuais, para a festa e o imaginário dos adultos, muito diferente do que seria uma festa de e para crianças. E nesse embate, um representante de entidades comunitárias manifestou-se dizendo: "mas se não tivermos esse tipo de evento, quando e onde essas meninas pobres terão lugar para disputar? Nas festas da sociedade é que não vai ser!". Disse isso com a naturalidade de quem pensa que devemos perpetuar essa cultura da disputa, da competição, do consumo, da discriminação e do MAIS, e, além disso, reconhecendo o lugar dominante das elites como "sociedade", estando os demais, fora.; 3. No trabalho numa dada instituição que atende também crianças e adolescentes, uma senhora que lá trabalhava e que tem participação ativa numa escola de samba (uma escola de samba que promove o carnaval como festa popular, mas que fomenta muito mais a idéia de competição exacerbada), observando as meninas nas atividades de recreação, comentou sobre a beleza física de uma das pré-adolescentes e disse que, sendo olheira da escola de samba, tinha visualizado nela, uma participante potencial para a escola de samba!
- Enfim, sabemos que as jibóias engolem os seres vivos inteiros, mas nunca nos falam sobre o que sai em suas fezes, aliás, nem sabemos se jibóias defecam! Eu, pelo menos, nunca ouvi falar sobre isso!
- Para findar, busco uns ditos e uns escritos de Saramago: "Se a humanidade é algo que tem que começar com a razão, com o sentimento, com relações humanas mais estreitas e limpas, com maior conhecimento do outro, eu diria que estamos cada vez mais longe disso. Se não mudarmos o caminho, o homem do futuro poderá estar caminhando em direção a algo que poderíamos chamar de desastre"./ "Quem sabe, todos somos os outros"./ "O que eu quero saber, no fundo, é o que é isso de ser-se um ser humano"./ "O que realmente nos separa dos animais é nossa capacidade de esperança"./ "Creio na vontade humana, sim, mas não esqueço de lhe exigir que sirva e defenda a vida, em vez de ofendê-la e humilhá-la".
Maria Luza, sexta-feira senti muita falta da tua presença em um encontro de Conselheiros Tutelares realizado na Casa de Cultura, aqui em Cruz Alta, pois sei que com certeza vc colocaria para o palestrante Marcos Azeredo o que é o processo histórico da politica de direitos sociais. Tivemos que ouvir os piores absurdos sobre o trabalho dele enquanto conselheiro tutelar, um sujeito de fala preconceituosa e vulgar, falando com desprezo sobre a lei de acolhimento institucional disse ele, em uma das aberrações que foram muitas, que a lei tinha sido feita por sapatão e sapatonas do governo federal, também disse que promotor deve gritar com as nega dele e com a mulher dele, e o mais absurdo em nenhum momento falou em acolhimento de criança e adolescentes. O Sr. Marcos berrou a todo o momento ser aluno de Doutorado e por isso pregava verdades, o mais triste é que em varios momentos foi aplaudido.
ResponderExcluirFiquei muito triste pois me lembrei de 2006 quando saíamos semear o trabalho de prevenção do sentinela, momentos com a comunidade em que acolhiamos e eramos acolhidos, em momentos de extrema sensibilização que semeavamos um serviço de proteção a criança e adolescentes e vivíamos com a comunidade um momento ímpar. Fiquei pensando sobre o que está acontecendo com o nosso município que busca alguém de fora e paga para ouvir um sujeito tão sem noção do processo histórico da luta para implementação das politicas públicas, pagamos com dinheiro público um sujeito que diz que na época da ditadura é que era bom e que Paulo Freire é ultrapassado. Quem é esse cara para dizer tantas asneiras e ser aplaudido? O que teremos que fazer para recuperar o estrago que esse palestrante fez, dizendo essas babaquices e fazendo disso verdades.
Nós que trabalhamos com o acolhimento de crianças, adolescentes e famílias, sabemos o quanto é importante a atuação dos conselheiros tutelares para promover uma cultura de proteção social, nós sabemos quantas situações foram superadas e quantas crianças tiveram suas histórias recuperadas, é sobre a etivação do trabalho em rede que temos o dever de discutir. O dever e a obrigação de discutir.
Eu lamento muito vc não estar lá pois talves com a tua presença eu teria força de fala. Saí do evento arrazada, me sentido covarde por não ter repudiado a fala do palestrante Marcos, pois não é com vulgaridade e preconceito que promovemos o acolhimento de crianças e adolescentes, não é dizendo-se doutor ou tomando água de côco que a fala melhora, e nem trazendo um doutor em Direito, chamado Mateus, que entra calado e sai mudo, que se vai promover o debate. Eu realmente lamento que nós da SMDS tenhamos feito parte desse processo. Saudades de Maria Luiza Diello que ia à comunidade falar de prevenção fazendo poesia, que falava de flores e esperança, promovendo a sensibilização e a cultura da paz, como eu aprendi com vc e como queria trabalhar na assistência social com vc na implantação do SUAS, trabalho esse que vc começou lá em 1998 quando tive o privilégio de acompanhar esse trabalho. Saudades daqueles debates e do respeito às pessoas e principalmente a preocupação com a infância e juventude. Mas também sei que guerreiro não desiste e tenho certeza que dias melhores virão.
olá, carine!
ResponderExcluirquando vc me falou, rapidamente, na sexta-feira, sobre esse senhor que se manifestou de forma tão precária, reacionária, preconceituosa, miserável, limitada e ainda sendo pago com dinheiro público, pensei que vc estava indignada e exagerando, mas depois deste relato (que esperei ansiosamente) e do relato de várias outras pessoas que estiveram no evento, recosto-me na existência e tento revisar algumas coisas que, às vezes, deixamos passar, mas que não temos mais o direito de fazer isso!
quem escolhe um ser tão precário para ocupar um espaço de formação e discussão tão importante quanto esse? lembro que também erramos em algumas escolhas de nomes e pessoas para conduzir formações, mas nunca erramos tão feio assim!
enfim, há coisas que nunca podemos perder de vista e, se não estamos em luta incansável num lugar, com certeza estaremos noutro! Mas, com certeza, a coisa mais desgastante que há, é ter que lutar com a falta de noção sobre o trabalho público e com pessoas despreparadas para tal... principalmente com mentes guiadas pelo elitismo e pelo hierarquismo, que se fazem pautar por delírios de poder e nunca por um mínimo de gentidade!
abração, com carinho imenso pela sempre parceria!
veja postagem em que falo um pouco mais dessas coisas!
em tempo: que bom que já descobriu quem pegou indevidamente seu celular na sexta... pena que não há como dizer pra pessoa devolver!