Nessas de pensar o antibullying, veio-me numa das tascadas que levei, um entendimento de que quando falo em (des)educação, refiro-me à “falta de educação dos alunos” ou “que a escola estaria deseducando”!
Bueno! Dia desses uma colega dizia que às vezes é melhor usar metáforas, pois as mesmas dizem muito mais do que as palavras explícitas, visto provocarem no imaginário do leitor a cruza da dança das cadeiras que vem de fora, com as cadeiras que o habitam.
Quero lembrar, ainda, a fala de uma gestora de Escola Pública que, questionando a abordagem teórica por mim utilizada em SUA escola, tentava argumentar que podemos mostrar, sim, uma perspectiva libertária e de contraponto ao ensinamento tradicional, elitista, excludente e conservador, mas que não deveríamos deixar de lado essa mesma ensinansa!
Levei pancada de boleadeira com isso (é uma das piores pancadas que se pode levar, pois ela não cessa seu ritornelo), pois se estamos há muito tempo questionando a escola que EDUCA para a sujeição ao sistema dominante (Paulo Freire é quem melhor ilustra isso!), temos o dever de romper exatamente com isso e consolidar uma perspectiva libertária de educação. E é neste sentido que falo de (des)educação... (des)educar é isso: é desassujeitar as gentes/ é pensar caminhos para esse desassujeitamento/ é provocar na buchada de todos os ventres, o desejo de ser livre e de poder dizer e fazer o que pensa! É desentranhar das palavras o sentido da vida! É buscar no raio de sol, no canto dos pássaros na alvorada, no som oco da concha do mar, na alegria que faz pulsar as existências, nas outras possibilidades de vida, uma outra existência que não seja essa que o sistema dominante plantou em nossas cabeças como sendo a única!
Para dar uma volta nessa questão, finalizo com o pensamento de Michel Foucault:
“- Depois do Michel Foucault crítico, será que se vamos ver o Michel Foucault reformista? Era uma censura frequentemente dirigida: a crítica levada a efeito pelos intelectuais não dá em nada?
Responderei, primeiramente, sobre o ponto do "não deu em nada". Há centenas e milhares de pessoas que trabalharam na emergência de um certo número de problemas que, hoje, estão efetivamente colocados. Dizer que isso não deu em nada é inteiramente falso. Será que você pensa que há vinte anos colocávamos os problemas da relação entre doença mental e a normalidade psicológica, o problema da prisão, o problema do poder médico, o problema da relação entre os sexos etc., como colocamos hoje?
Por outro lado, não há reformas em si. As reformas não se produzem no ar, independentemente daqueles que as fazem. Não podemos deixar de ter em conta aqueles que vão gerir essa transformação.
E depois, sobretudo, não creio que possamos opor crítica e transformação, a crítica ‘ideal’ e a transformação ‘real’.
Uma crítica não consiste em dizer que as coisas não são bem como são. Ela consiste em ver em que tipos de evidências, de familiaridades, de modos de pensamento adquiridos e não refletidos repousam as práticas que aceitamos.
É preciso se liberar da sacralização do social como única instância do real e parar de considerar como vã essa coisa essencial na vida humana e nos relacionamentos humanos, quero dizer, o pensamento. O pensamento, isso existe além e aquém dos sistemas e dos edifícios do discurso. É alguma coisa que às vezes se esconde, mas sempre anima os comportamentos cotidianos. Há sempre um pouco de pensamento, mesmo nas instituições mais bobas, há sempre pensamento, mesmo nos hábitos mudos.
A crítica consiste em expulsar esse pensamento e tentar mudá-lo: mostrar que as coisas não são tão evidentes como cremos, fazer de sorte que aceitamos como indo de nós não tenha mais de nós. Fazer a crítica é tornar difícil os gestos mais simples.
Nessas condições, a crítica (e a crítica radical) é absolutamente indispensável para toda transformação, pois uma transformação que ficasse no mesmo modo de pensamento, uma transformação que só fosse uma certa maneira de melhor ajustar o mesmo pensamento à realidade das coisas não passaria de uma transformação superficial.
Em compensação, a partir do momento em que começamos a não mais poder pensar nas coisas nelas pensamos, a transformação torna-se, muito urgente, muito difícil e absolutamente possível.
Então, não há um tempo para a crítica e um tempo para a transformação, não há aqueles que têm que fazer crítica e aqueles que têm de transformar, aqueles que estão fechados em uma radicalidade inacessível e aqueles que são obrigados a fazer as concessões necessárias ao real. De fato, creio que o trabalho de transformação profunda só pode ser feito no espaço aberto e sempre agitado por uma crítica permanente.
- Mas você pensa que o intelectual deve ter um papel programador nessa transformação?
- Uma crítica é sempre o resultado de um processo no qual há conflito, afrontamento, luta, resistência...
Dizer-se de pronto: qual é a reforma que vou poder fazer? Isso não é para o intelectual, creio, um objetivo a perseguir. Seu papel, visto que, precisamente, trabalha na ordem do pensamento é o de ver até onde a liberação do pensamento pode chegar a tornar essas transformações bastante urgentes, de modo que se tenha vontade de fazê-las, e bastante difíceis de fazer, a fim de que se inscrevam profundamente no real.
Trata-se de tornar os conflitos mais visíveis, de torná-los mais essenciais do que os simples confrontos de interesses ou os simples bloqueios institucionais. Desses conflitos, desses afrontamentos deve sair uma nova relação de forças cujo perfil provisório será uma reforma.
Se não houve, na base, o trabalho do pensamento sobre si mesmo e se efetivamente os modos de pensamento, quer dizer, os modos de ação, não foram modificados, qualquer que seja o projeto de reforma, sabemos que vai ser fagocitado, digerido pelos modos de comportamentos e de instituições que serão sempre os mesmos.
- Depois de ter participado de numerosos movimentos, você se retirou um pouco. Será que vai participar de novo de tais movimentos?
- Cada vez que tentei fazer um trabalho teórico foi a partir de elementos de minha própria experiência: sempre em relação com processos que via desenrolarem-se à volta de mim. É bem porque pensava em reconhecer nas coisas que via, nas instituições nas quais tinha interesse, nos meus relacionamentos com os outros, ranhuras, abalos surdos, disfuncionamentos com que empreendia um trabalho, alguns fragmentos de autobiografia.
Não sou um ativista recolhido e que, hoje, gostaria de retomar o serviço. Meu modo de trabalho não mudou muito; mas o que dele espero é que continue a mudar-me ainda.
- Dizem que é você bastante pessimista. Escutando-o, acredito que é, antes, otimista?
- Há um otimismo que consiste em dizer: de toda maneira, isso não pode ser melhor. Meu otimismo consistiria, antes, em dizer: tantas coisas podem ser mudadas, frágeis como são, ligadas mais a contingências do que a necessidades, mais ao arbitrário do que à evidência, mais a contingências históricas complexas, mas passageiras, do que a constantes antropológicas inevitáveis... Você sabe, dizer: somos muito mais novos do que acreditamos não é uma maneira de diminuir o peso de nossa história sobre nossos ombros. É, antes, colocar à disposição do trabalho que podemos fazer sobre nós mesmos a parte maior possível do que nos é apresentado como inacessível” (FOUCAULT, M. É importante pensar?. Em Ditos e Escritos VI. Forense Universitária, 2010).
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