Maria Cândida levou o filho José Francisco para uma consulta médica. A mãe havia dito ao menino que o levaria para consultar um médico que examinaria o seu problema e que, fazendo uma cirurgia para retirada daquele pedacinho de carne que o incomodava, lhe ajudaria a respirar e a viver melhor.
O menino de cinco anos, assustado com uma carne anômala que lhe brotara e crescia em determinada parte de seu corpo, atrapalhando sua vida, olhava para aquele homem estranho como se ele fosse mesmo um homem estranho.
O homem estranho, que por sua vez era o médico, olhava para o menino como se ele fosse um estranho menino.
O menino, filho de um pai e de uma mãe que sabem que as políticas públicas são feitas com o dinheiro público e, portanto, para atender às necessidades públicas, não conseguia entender porque a mãe mentira sobre como seria e o que faria o “doutor”.
O “doutor” mal examinou o menino e já se pos a requisitar exames e a falar cada vez mais alto, incomodado não se sabe com o que. O menino, cada vez mais assustado, estacou e entrou em pânico. O “doutor” que não é dado a lidar com gentes e muito menos com meninos assustados jogou as requisições de exame nas mãos da mãe e agarrou violentamente o menino pelos braços, esbravejando que só voltasse depois de ter feito os exames e de ter ensinado ao seu filho, o que seja um “doutor”. A mãe, tão assustada quanto o menino, simulou um agradecimento e prometeu cumprir o ordenado. Saiu de fininho e se desculpou com o filho, pois lhe disseram que aquele homem estranho seria um “doutor”, mas que estavam todos enganados.
Andaram um longo tempo em silêncio. A mãe pensava sobre como faria se aquele homem estranho era o único na cidade que teria formação pra cuidar da carne anômala que crescia em seu filho e lhe atrapalhava a vida, mas o miserável só lidava bem com carnes anômalas, mas não com as gentes que a portavam. Matutava nisso, quando o filho perguntou: mãe, o que é mesmo um “doutor”?
A mãe falou as coisas para si própria, sabendo que o menino talvez demorasse pra entender o que dizia. Respirou fundo e começou dizendo que “doutor” é alguém bem diferente daquele homem estranho que eles consultaram. Que médico não é a mesma coisa que doutor, mas que pode ser um e outro. Que doutor é alguém que estuda muito, mas muito mesmo, e que faz um curso de doutorado, mas que mesmo assim, não é superior a nenhuma gente, pois as gentes são todas iguais. E que, além disso tudo, doutor talvez também seja gente, portanto, aquele homem estranho poderia ter os seus próprios problemas que o faziam se sentir superior às pessoas que ele atende; que o impediam de ser gente de verdade; que dificultavam a sua vida e as relações com as pessoas, sendo-lhe muito custoso sentar, olhar nos olhos, escutar, avaliar a situação, conversar, tentar entender o que se passa e poder oferecer alguma possibilidade de resolução ao problema que se apresenta.
Ela pensou, ainda, que certamente é muito difícil para o doutor-homem-estranho, dar atenção para um ser humano que necessita de seus cuidados, visto que ele tem muito pouco pra dar. Deve ser muito irritante e incômodo alguém lhe demandar qualquer coisa, enquanto ele está vazio de si e de vida, e não tem nada pra oferecer... enquanto ouvimos os ecos de sua desumanização, não temos como saber se ele um dia se fez gente!
Já perto de casa, o menino suspira e avisa a mãe que seus braços estão doendo, onde o homem o apertou. Ela o abraça e promete que logo o levará num médico-doutor de verdade, que seja gente e que trabalhe com gentes... e que a dor vai passar... que um dia toda a dor passa, só não passa a dor de quem não é gente, como a dor do doutor-homem-estranho!
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