sexta-feira, 18 de junho de 2010

O escrevinhador morreu!

Coube a uma pessoa a quem, em cujo momento de absoluta dor existencial, mostrei O Conto da Ilha Desconhecida, de Saramago, noticiar-me sua expiração. Os escrevinhadores que me ensinaram a arredondar palavras e soltá-las quadradas, parecem-me, em minhas vãs fantasias, imortais. Calou-se o corpo, mas as letras de Saramago prosseguem fazendo pontos-de-nó-em-rede, nos pensamentos daqueles que o leem!
Escolhi, para este momento, dois recortes de seus escritos:
Um descanso no caminho - O viajante está feliz. Nunca na vida teve tão pouca pressa. Senta-se na beira de um destes túmulos, afaga com as pontas dos dedos a superfície da água, tão fria e tão viva, e, por um momento, acredita que vai decifrar todos os segredos do mundo. É uma ilusão que o assalta de longe em longe, não lho levem a mal. In Viagem a Portugal, Ed. Caminho, 21.ª ed., p. 137 (Selecção de Diego Mesa) - http://caderno.josesaramago.org/2010/06/07/um-descanso-no-caminho/

Que fazer? Da Literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo. (José Saramago, de algum escrito relacionado ao FSM)
A morte, habitualmente, não me arrebata, mas essa, arrebatou!

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