domingo, 23 de maio de 2010

Dos despropósitos da democracia representativa

Não quero tecer aqui, considerações sobre as implicações teóricas da democracia representativa e sim sobre os arremedos de representatividade que se dão nos espaços da participação popular e do controle social.
Estivemos, nos dias 20, 21 e 22 de Maio de 2010, em número de seis Delegados, participando da III Conferência Estadual de Saúde Mental – Intersetorial (em outro escrito falarei mais especificamente da Conferência). Esses Delegados foram escolhidos a partir da realização da Conferência Municipal em 14.04.2010, sendo um gestor, um trabalhador, um prestador de serviços, um parceiro intersetorial e um usuário (deu cinco? Ah, mas somando bem, dá seis!), para representarem o Município de Cruz Alta nas discussões e na eleição de propostas que serão levadas à Conferência Nacional, assim como, dos Delegados que representarão o RS na etapa Nacional.
Desde que a comunidade brasileira passou a consolidar alguns avanços no que se refere à participação popular na discussão e decisão dos rumos das políticas públicas e da atuação do Estado, temos visto um misto de participação e de representatividade, e que o que mais berra no meio desse mato é o fato de que muitos cidadãos que assumem a condição de representação dos interesses do coletivo esquecem que nesse momento superam a condição de pessoalidade e devem se assentar nas bases da coletividade. Muitos são eleitos para a representatividade sem nem sequer saberem que devem encarnar a coletividade. Outros pensam que são eleitos para defenderem as próprias idéias e interesses. Outros aproveitam dessa eleição para o exercício do nada e do mais absoluto descomprometimento com as coisas da coletividade, demonstrando um profundo desrespeito com a coisa pública e com a vida das gentes (eu tenho a mais absoluta intolerância com os que fazem parte dessa estirpe!).
Digo isso, porque vimos nessa Conferência - e também noutros espaços de participação do controle social -, pessoas que já saíram de suas cidades pensando sobre como fariam para voltar o quanto antes possível, ou sobre os pratos que iriam comer, ou para passear aqui e ali, ou para ficar conversando sem parar ou andando à toa, sem demonstrar qualquer apego para com a motivação objetiva que nos levava para a Conferência... quem não tem o propósito de representar a coletividade ou de participar da discussão daquilo que está em pauta, deveria ter a decência de não aceitar o encargo, declarando-se incompetente ou desinteressado pela situação – mesmo em se tratando de pessoas formalmente responsáveis pela condução da operacionalização das políticas públicas em discussão em tais eventos!
É claro que é uma situação desgastante, pois todos viajam distâncias longas para chegar ao local, assim como deixam o cômodo da vida caseira e passam por uma jornada extenuante, mas quando assumem a condição para a qual foram eleitos, aceitam a incumbência, já sabendo, de antemão, que terão que passar por tudo isso!
Não podemos esquecer, jamais, que as construções teóricas, ideológicas, políticas e práticas em que se ancoram as políticas sociais e as lutas da coletividade, provem exatamente da participação das gentes nos enfrentamentos biopolíticos ao ideário que exclui a maioria e contempla a minoria... e isso só se faz com muita discussão, com muita força, com muita clareza sobre a dimensão de resistência que devemos imprimir em nossas idéias e em nossas ações!
Talvez a situação fosse diferente se a comunidade já estivesse numa outra dimensão de efetivo controle social e de protagonismo, sabendo quem são os agentes públicos que participam de atividades de formação ou de representação do controle social, cobrando-lhes um retorno teórico e prático daquilo que vivenciaram e discutiram nos eventos, visto que além de sermos eleitos a uma representação, a efetivamos utilizando recursos públicos.
Para mim, particularmente, a participação na já referida Conferência trouxe contribuições absolutamente importantes e que, tenho certeza, podem repercutir de forma intensa no trabalho que desenvolvo enquanto ente público. Destaco que já tive atuação em várias políticas públicas e no ano de 2009 retornei ao campo da saúde pública que é o que mais me mobiliza, teórica e profissionalmente, sendo que desde o meu retorno tive a oportunidade de participar de somente um espaço de formação ou discussão – que foi a Conferência Municipal de Saúde Mental-, no mais, o meu embasamento para pensar e atuar na política de saúde mental pública advém somente de minha rotina pesquisadora.
Esses momentos de discussão com atores de outros espaços e de outras comunidades são muito ricos, pois nos trazem outras possibilidades de reflexão, assim como, o contato com formulações teóricas e com práticas que ainda nos são de pouco conhecimento ou mesmo desconhecidas.
Para os usuários, os prestadores de serviços e os parceiros intersetorias também são momentos de muita riqueza, visto oportunizarem a discussão e o contato com questões que raramente lhes chegariam de outras formas ao conhecimento.
Tive contato com discussões no campo da saúde mental pública que dificilmente me chegariam ao conhecimento, visto que são outros atores que participam de eventos dessa natureza, os quais não são provocados à prática da socialização daquilo que discutem e acompanham, ou seja, há agentes públicos que atuam de forma pessoalizada, sem o engate com a condição que representam e o fazem, muitas vezes, sem o entendimento de que sejam multiplicadores e não personalistas.
Lamento que, por questões alheias à minha vontade, não pude participar até o final da Conferência, portanto, não tenho como trazer para a comunidade tudo o que foi levado à Conferência Nacional, assim como, por interferência de fatores externos fui (junto com outros Delegados) absolutamente atropelada em minha participação, tendo que sair de lá no decurso dos trabalhos!
Para concluir, trago palavras de Hakim Bey: “Quando os teóricos discursam sobre o desaparecimento do social, eles se referem, em parte, à impossibilidade da ‘Revolução Social’, e em parte à impossibilidade do ‘Estado’ – o abismo do poder, o fim do discurso do poder. Neste caso, a questão anarquista deveria ser: Por que se importar em enfrentar um ‘poder’ que perdeu todo o sentido e se tornou pura Simulação? Tais confrontos resultarão apenas em terríveis e perigosos espasmos de violência por parte dos cretinos cheios de merda na cabeça que herdaram as chaves de todos os arsenais e prisões. (Talvez isso seja uma grotesca interpretação americana de uma sublime e sutil teoria franco-germânica. Se for, tudo bem: quem foi que disse que a compreensão era necessária para se usar uma idéia?)// A partir da minha interpretação, o desaparecimento parece ser uma opção radical bastante lógica para o nosso tempo, de forma alguma um desastre ou uma declaração de morte do projeto radical. Ao contrário da interpretação niilista e mórbida da teoria, a minha pretende miná-la em busca de estratégias úteis para a contínua ‘revolução de todo dia’: a luta que não pode cessar mesmo com o fracasso final da revolução política ou social, porque nada, exceto o fim do mundo, pode trazer um fim para a vida cotidiana, ou para nossas aspirações pelas coisas boas, pelo Maravilhoso. E, como disse Nietzsche, se o mundo pudesse chegar a um fim, logicamente já o teria feito, e se não o fez é porque não pode. E assim como disse um dos sufis, não importa quantas taças de vinho proibido nós bebamos, carregaremos essa sede violenta até a eternidade”. Isto posto, digo que quer me chamem de polêmica, de intiquenta, de compliquenta, ou de qualquer outra bobagem, não recuarei em meus propósitos e em meus ideais políticos, sociais e humanos! Ainda creo, acima de tudo, na democracia participativa!

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