terça-feira, 13 de abril de 2010

Poetagens Alheias: "CANTAR DE MARRAKECH"

Das gavetas em que guardo as teias tecidas nos umbrais da existência, resgato essas Poetagens Alheias, que nem lembro em que virtual caminho, recortei: “CANTAR DE MARRAKECH”, de Juan Carlos Bautista - (Dois primeiros fragmentos do livro-poema) - Tradução de Alfredo Fressia
I
Atrás de cortinas de nervos e tonturas,
catedral afundada no sonho
entre onírias espreitando,
estava o Marrakech.
Os caça-níqueis punham seus corvos para voar
e as loucas,
de risos lantejoulas,
encharcavam de olhares o ar.
As bagunceiras, as meigas,
as mornas, as azedas:
nascidas do seu amor medroso
e do cheiro triste da sodomia.
Com seus gestos como punhos
e as mãos cheias de fervor, ladravam:
virgens urrantes
de tardes em declive e noites sem trégua,
estendidas sob o sol baixeiro dos abajures.
No Marrakech eram soberanas,
cruzavam as pernas como senhoritas
e riam como putas.
Obscuras e alegres como algo que vai morrer.
Elas,
as sem vértice,
com o vinagre sempre na língua
e a sede
e a quentura dessa sede.
Iam ao Marrakech exalando cheiro de portos
e cidades de noite.
Rainhas amarelas,
roxas
carregadas na cor.
Rainhas de melancólico fumar
que fitavam descaradas o peixe dos homens,
atrás de cílios egípcios e letargias abissínias.
Cheias de pressentimentos,
fiéis ao embuste,
leves e estridentes como plumas,
passeavam o ódio, a ternura,
a bunda esplêndida,
ao acaso das mesas,
girando com o hábito furioso do inseto.
Iam ao Marrakech e o chamavam alegremente:
O Garra.
O Garrakech ou o Marranech.
Enfeitiçadas ante esse nome crispado e seu conjuro.
—Vamos ao Garra, querida.
Há uma louca que dá voltas.
Há uma bicicleta que anda sozinha.
Há um homem que se ajoelha frente a uma pica
como frente a uma cruz.
Há esfíncteres que são grandes oradores.
Há um pulha lambendo a própria empáfia.
Há um marmanjo com a garganta à meia fúria.
Há um menino com os olhos fechados.
Há paredes para lá de verdes.
Há uma louca que anda sozinha,
como uma bicicleta sozinha,
tão só que dá medo.
—Vamos ao Marrakech, queriiida.
E as nádegas se enchiam.
E os cus abriam-se como boquinhas.
II
Com a fuça inclinada sobre o peito,
a careta de fumaça
e a cerveja a um lado,
os michês,
com a braguilha inchada pelo medo,
vendiam seu lado salobro.
Anjos suntuosos,
anjos pérfidos e doloridos,
gabriéis capitães de lábios arrebentados,
úmidos como tubérculos
que nascem gritando da terra
sua morena brutalidade.
Rebentos do Senhor e da Satanasa,
com sua branca flor crescida no ventre
e o coração açulado pela culpa,
olhavam de soslaio,
ungidos de mágoa,
e sua ereção era uma crueldade refinada.
Obeliscos que se alçavam contra a ruína da noite,
corpos duros e ternos,
com sua luz insidiosa e hábil para o despojamento.
Anjos contra o instinto
que cuspiam os escarros na testa do doente
e no peito de quem guardava,
ruborizado como uma menina,
o coração quente e triste.
Na penumbra do Marrakech
alçavam os sovacos cheios de resplendor
e levantavam vôo até alturas de vertigem
—seu limpo gesto gregoriano.
—E as loucas começavam a
rezar.

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