A questão que tento desenvolver abaixo, advém de uma outra problematização colocada pelo colega Cláudio, que é Cuidador Social na rede de Assistência Social do Município de Cruz Alta e que está fazendo formação em Serviço Social, cujo empenho e comprometimento pessoal, teórico e social, reafirmo, muito prezo.
Questão proposta: VIGILÂNCIA SOCIAL - Qual a importância desta para o CRAS, ou como você entende a não utilização desta ferramenta de conhecimento e consequente antecipação das demandas nesta instituição. Isto considerando o pouco tempo da política e do CRAS neste município.
A vigilância social é um instrumento/ uma ferramenta absolutamente importante para o trabalho na rede de atenção e proteção básica em assistência social, pois exige e garante aos trabalhadores da área, o conhecimento profundo da realidade, focado a partir de uma visada teórica que lhes permita ver o mundo com olhos de poesia e de humanidade, operando um trabalho de consistência técnica e de efetivo desenvolvimento social.
O CRAS, ao propor, construir e desenvolver o seu trabalho com a comunidade deve fazê-lo promovendo o reconhecimento do retrato da mesma, assim como, o protagonismo dos sujeitos que a constituem. Vale lembrar, que conhecer a realidade não se trata de olhar no distante fundo do horizonte as nuances que perfazem as suas condições e o seu retrato, mas sim, saber das consistências e das inconsistências/ das continuidades e descontinuidades da história da região em que se trabalha; da plantação dos bairros que fez brotar casas feitas de paredes de existências mais ou menos organizadas; do barrento traçado de suas ruas nuas ou calçadas pelas pedras puras e misturadas com o negrume do pixe; das gentes que fazem a própria história e a história do mundo, através do atravessamento de existências, de restos de existências, de valores os mais diversos e, principalmente, do ideário do sistema capitalísitco (devastador, desigual, explorador, insustentável, que limpa o centro e reforça as margens com seus restos de gentes, de lixos, de vômitos daquilo com que se empanturrou).
Conhecer o traço com que as gentes são feitas, permite-nos construir e operar ações de prevenção, de promoção da autonomia e de atuação protagonista, mas antes devemos desconstruir o assistencialismo e o clientelismo político que habita as cabeças de nós todos/ das gentes com as quais trabalhamos, das gentes que fazem a gestão das políticas públicas e das gentes que operam as políticas públicas.
Como se faz isso tudo? Simplesmente fazendo! Nem as práticas já consolidadas da saúde e da educação nos mostram como fazer, ao contrário, mostram como não fazer. É um saber que se faz fazendo, como todos os outros que não são alumiados apenas pelas teorias que outras gentes tecem com os fios das práticas juntados com os fios dos ideais!
Nos CRAS se está aprendendo a fazer, através da atuação pontual cotidiana que nos mostrou a necessidade de levantarmos objetivamente todas as informações com relação às quais devemos trabalhar na comunidade e, a partir desse levantamento, tecer a cartografia feita a muitas mãos, que nos dará a pintura do retrato do território com que se trabalha, o que embasará, então, a construção –sempre com a participação efetiva da comunidade- do Plano de Trabalho do CRAS. Esse Plano deverá fazer ponto de nó na Rede com as demais políticas públicas, tirando-nos da condição de apagadores cotidianos de incêndios, para fazer-nos, junto com toda a sua gente, pensadores da vida e dos movimentos da comunidade, acompanhando e entendendo suas singularidades e suas necessidades, para construirmos coletivamente os caminhos que lhes convém e de que necessitam.
A Vigilância Social demanda uma nova pedagogia social para os trabalhadores das políticas públicas e para as gentes com que trabalham. Começamos o rabisco de nossas histórias apenas com fragmentos de subjetividades e aos poucos vamos tecendo teias e construindo redes, pois chegamos com o ideário da prevenção e logo vamos vendo que há muito pouco a prevenir num recanto em que a poesia raramente faz morada/ numa comunidade que não é depurada dos problemas sociais/ num mundo em que as gentes muitas vezes não sabem acoierar as letras e as idéias... em que sofrem com a falta de trabalho e renda – e raramente entendem que podem gerá-los... em que há falta de comida, enquanto o Brasil é um de seus maiores produtores... em que há precariedade de casa, de roupa, de dignidade, de condições básicas não para o consumo, mas para ter pernas fortes para existenciar a vida! Encontramos, então, muitas gentes depauperadas, mas uma comunidade que já tem um modo de vida e é a partir disso que o sistema de vigilância social, conhecendo o retrato da comunidade, poderá identificar, trabalhar e racionalizar a atenção às suas necessidades, construindo concomitantemente, as teias da prevenção.
Para plantar o sonho de que um outro mundo seja possível, antes devemos saber que outro mundo é esse que queremos nos por a rabiscar... enquanto vamos firmando seu traço, aos poucos outros vão se achegando para também fazer a sua pintura!
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