Saia na porta de casa, com os pensamentos escorrendo entre uma idéia e outra, quando apontou no portão um saco de plástico, daqueles em que é embalado o adubo químico. Logo atrás veio um nômade que de tempo em tempo habita as ruas do bairro em que moro. Sua figura é de uma intensidade que me atinge. Nórdico, com imensos olhos azuis, está sempre sorrindo.
Parado no portão, perguntei-lhe, sorrindo, o que estaria carregando nos sacos e ele lascou: “para um sorriso que sempre me sorri, trago aqui, sacos cheios de alegria”, de volta, tive que sacar de um verso e perguntei-lhe: em sacos que carregam tanta alegria, acaso teria também poesia?, e ele, mandou de volta: “se tem alegria, só pode ser porque tem poesia!”... e dedilhou em seu violão imaginário, uma música que disse não lembrar a letra, mas que era de pura poesia.
Esse é um homem que chamo de nômade acertático, em contraposição aos que insistem que seja errático. Vive na rua por sua própria escolha, pois se despediu da noção de casa privada. Sua casa é o mundo. No rigor do inverno de 2009, perguntei-lhe se não queria passar as noites no albergue e ele retrucou que lá tem normas que não são as dele... uma das normas é que tem que se banhar pra poder ficar e, também, ir dormir nos horários determinados. Ele não quer isso. Quer o mundo.
Com a volta do nômade acertático, lembrei da história que um amigo me contou há mais ou menos duas semanas. Esteve em Brasília e uma amiga apresentou-lhe um amigo que fora Engenheiro Civil e que decidiu trocar sua profissão e sua vida privada, pela vida na rua, pela vida pública (que não é a mesma vida dos ditos “homens públicos”)... que eu, particularmente, entendo como a vida no mundo, porque a rua é o espaço de transitar... e talvez seja, mesmo, “morar na rua”, tomando-se a noção de rua como a possibilidade de transitar no mundo.
Mas, enfim, esse Engenheiro, entendendo que ninguém confiaria uma obra a um morador de rua, desvencilhou-se das alegorias que sua formação lhe garantia no mundo capitalístico e passou a ser Engenheiro de formas alternativas de habitação, projetando e construindo habitações de papel e de outros materiais reaproveitáveis... talvez, ele não tenha se desapegado absolutamente do espaço privado, mas reinventado a sua possibilidade de vida, trocando formas predatórias, por formas sustentáveis de fazer o morar e de fazer o existir.
O nômade acertático que me encanta em versos, nem de casas quer saber... não necessita disso... carrega a alegria em sacos e distribui a poesia em versos... sem ter um lugar exato pra onde ir, vai sempre para os exatos lugares em que encontra, no traçado de seus caminhos, a poesia que habita seus sacos!
ah que inveja deste que carrega um saco de poesias; de sua desenvoltura a caminhar pelo mundo e, abordado por tão formosa dama, ainda improvisar, no imaginário das notas musicais, melodias para ouvidos surdos, mas atentos, assim como seus olhos, à beleza que habita o lado de fora de seu portão... desejo por dias me deliciar com que esta comporta me imprime no paladar da existência!
ResponderExcluirÓh, Intempestivo Pampeano, a poesia que habita os sacos do formoso catador, habita também o mundo e as gentes dos mundo! Dentro e fora do portão que estabelece uma divisória imaginária do meu mundo com o meu do mundo, há poesia em cada grão de poeira que assenta o chão de minha existência... aqui a poesia me mora, me se assenta, me frequenta, me en-canta em seus cantos... só quem sabe ler isso, me visita! Seja bem vindo, com ou sem dígito!
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