quarta-feira, 13 de abril de 2011

poetagens alheis - latas

LATAS – de manoel de barros
Estas latas têm que perder, por primeiro, todos os ranços (e artifícios) da indústria que as produziu. Segundamente, elas têm que adoecer na terra. Adoecer de ferrugem e casca. Finalmente, só depois de trinta e quatro anos elas merecerão de ser chão. Esse desmanche em natureza é doloroso e necessário se elas quiserem fazer parte da sociedade dos vermes. Depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas. Isso é muito comum. Diferentes de nós as latas com o tempo rejuvenescem, se jogadas na terra. Chegam quase até de serem pousadas de caracóis. Elas sabem, as latas, que precisam chegar ao estágio de uma parede suja. Só assim serão procuradas pelos caracóis. Sabem muito bem, estas latas, que precisam da intimidade com o lado obsceno das moscas. Ainda elas precisam pensar em ter raízes. Para que possam obter estames e pistilos. A fim de que um dia elas possam se oferecer às abelhas. Elas precisam de ser um ensaio de árvore a fim de comungar a natureza. O destino das latas pode também ser pedra. Elas hão de ser cobertas de limo e musgo. As latas precisam ganhar o prêmio de dar flores. Elas têm de participar dos passarinhos. Eu sempre desejei que as minhas latas tivessem aptidão para passarinhos. Como os rios têm, como as árvores têm. Elas ficam muito orgulhosas quando passam do estágio de chutadas nas ruas para o estágio de poesia. Acho esse orgulho das latas muito justificável e até louvável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário