quarta-feira, 6 de abril de 2011

divulgação: flecheira libertária.198

o tribunal democrático
A ditadura militar segue presente no cotidiano social, político e subjetivo do Brasil. Ora um deputado faz declarações racistas, homofóbicas e defende abertamente a tortura; ora o governo, na figura do executivo, ostra “jogo de cintura” em relação aos acordos internacionais sobre direitos humanos e abertura dos arquivos. A resposta dessa democracia parece ser sempre o tribunal: processar o deputado; apelar para as comissões e tribunais internacionais, como se o processo legal estivesse desprovido de seletividade. Enquanto o legado político, social e subjetivo da ditadura segue tratado como matéria de Direito, a discussão seguirá entre “ditabranda” e “regime militar”. Prisões, torturas e execuções praticadas diariamente nos cantões, favelas e prisões do país seguirão ocorrendo, reguladas juridicamente por comissões de moderados projetados em escala planetária.
um canalha
Um deputado do Rio de Janeiro disparou uma série de declarações abomináveis em um programa de televisão. No entanto, os meios de comunicação que relataram o fato se restringiram aos comentários racistas e homofóbicos e se esqueceram da exaltação do deputado aos militares que governaram o país na ditadura. O representante do povo disse sentir saudades desse período, no qual prevalecia o respeito e os valores “de família” e as “autoridades eram autoridades de fato”. Disse também, que se pegasse seu filho fumando maconha bateria nele e que, se torturar é usar de violência, não teria problemas em torturar seu filho. O racismo e a homofobia são inaceitáveis, contudo, não se pode ignorar e deixar passar desapercebido o canalha amante do cano da espingarda.
arquivos vivos
No Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, há uma exposição de documentos do período ditatorial brasileiro (1964-1985). Anuncia-se também um portal hospedado no site do Ministério da Justiça que disponibiliza documentação sobre o tema: http://www.memoriasreveladas.gov.br/ . Episódios de torturas, mortes suspeitas, sumiços continuam noticiados por todo Brasil, envolvendo polícia e pés-de-chinelo. Dissociados de um confronto político definido entre um regime e seus opositores, tais fatos são explicados como ocasionais más condutas de funcionários da segurança, a serem equacionadas com punição exemplar e treinamento preventivo. No entanto, não se deve esquecer que no Brasil, desde o século XIX, para manter a ordem e a paz social, a polícia preconizava como uma de suas principais técnicas contra ameaças: “nada poderá conter, senão o saudável terror.”
marcas
Arma é feita para matar. Cassetete é feito para bater. A polícia foi feita para garantir que a população obedeça aos governantes. Se hoje o papel da polícia foi ampliado com a 'polícia comunitária', não se deve esquecer que ela está ali sempre a favor dos obedientes e cumpridores da ordem. Durante as ditaduras no Brasil, milhares de homens e mulheres foram torturados e mortos por lutarem por maior liberdade e pela democracia. Hoje, com a conquista dos direitos democráticos, proclama-se que práticas policiais de tortura e extermínio são exceção. A polícia permanece cumprindo o seu papel, utilizando os meios necessários para cumprir a ordem, qualquer que seja ela. Enquanto houver polícia — fardada ou não — as marcas de tortura e violência permanecerão vivas.
jovens...
As denúncias de tortura praticadas em jovens internados no país não findam. Diante delas abrem-se e fecham-se processos de averiguações. Busca-se a verdade sobre os fatos para punir os culpados, aperfeiçoar unidades de internação, agilizar procedimentos, reformar e inovar sistemas de medidas sócio educativas e de proteção. Mais simples seria encarar o óbvio. Internar um jovem, sob qual pretexto for, já é a tortura.
... e tortura
Não seria preciso esperar pelo traumatismo craniano, pela perfuração do fígado e do pulmão, pelo cheiro de carne queimada, pelos destroços de meninos e meninas que despertam a indignação enternecida de democratas e empolgam os canalhas autoritários em sua sanha por mais. Ela já estava lá. Ela está aqui. Na polícia truculenta ou irmanada à comunidade, nos programas e políticas de proteção integral, nas delações cidadãs, na diversificação das penas em meio aberto, nas internações provisórias. Ela está aqui. No desejo do castigo exalado pelos poros de homens e mulheres de bem. Ela está aqui, também, naqueles que se vangloriam por ter “sangue no olho”. Ela está aqui. Naqueles que se fazem gratos por alguém tê-los castigado um dia, para que hoje se descubram “nos trilhos” e se ajustem à obediência cultivada por muito medo e com muito amor.
matéria vida
As resistências indígenas contra a colonização, os levantes de escravos, as revoltas populares, as greves anarquistas, as lutas contra o Estado Novo, o golpe militar e suas atualizações no presente, enfim, tudo está reduzido a matéria escolar embolorada nos livros didáticos e em pesquisa acadêmica recheada de reformas quantificadas. O regime democrático tem a força de reduzir tudo a lembranças, arquivos e passado para  regular o presente em função de seu aperfeiçoamento próprio, contínuo e determinista. A prática democrática, ao contrário, problematiza a memória, retira o bolor dos arquivos e dispõe o presente como espaço para novas formas de liberdade que ultrapassem a centralidade de poder.

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