terça-feira, 26 de abril de 2011

divulgação: Entrevista Noam Chomsky

“O Ocidente fará de tudo para impedir o surgimento de democracias no mundo árabe”
Por Tatiana Merlino
O ataque das potências ocidentais à Líbia de Muammar Kadafi está sendo justificado como uma intervenção humanitária. Afinal, os civis estavam em perigo. Porém, o real motivo da intervenção militar da coalizão formada por Estados Unidos, França, Canadá, Itália e Reino Unido não tem nada de boas intenções, acredita o estadunidense Noam Chomsky, um dos mais importantes intelectuais da atualidade. “Não é uma intervenção humanitária. Tudo naquela região tem a ver com petróleo”, afirma, em entrevista exclusiva a Caros Amigos, concedida por telefone.
Chomsky lembra que até poucos dias atrás o ditador era apoiado pelos Estados Unidos e Inglaterra. Kadafi “não é progressista, é um assassino. Mas não é esse o motivo pelo qual se opõem a ele. Há assassinos por toda parte e eles não têm problema com isso, contanto que sigam ordens. Como ele não é confiável, ficariam felizes em se livrar dele.”, analisa.
A postura do ocidente, porém, não é novidade, explica o professor de Linguística do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). “Caso após caso, se há um ditador em apuros, o plano é apoiá-lo até o fim, até que fique impossível sustentá-lo e, em seguida, mudar o discurso e passar a dizer ‘sim, somos contra as ditaduras, adoramos a democracia, sempre lutamos pela liberdade’”. Segundo ele, é o que acontece também no Egito e na Tunísia.
O intelectual afirma que o levante no mundo árabe é o mais significativo de que se lembra, embora acredite que “por enquanto, não deveríamos chamá-lo de revolução”. Na opinião de Chomsky, um dos aspectos mais interessantes das revoltas é sua ligação com as recentes manifestações ocorridas nos Estados Unidos, no estado de Wisconsin, onde milhares de funcionários públicos saíram às ruas para protestar contra projeto de lei que, segundo eles, retira direitos trabalhistas. “Um dos acontecimentos mais impressionantes das últimas semanas foi quando, no final de fevereiro, Kamal Abbas, um dos principais líderes trabalhistas do Egito, mandou uma mensagem de apoio aos trabalhadores do estado de Wisconsin”.
Confira a entrevista a seguir.
Caros Amigos - Qual a sua opinião sobre a intervenção militar na Líbia? Por que os Estados Unidos a atacaram? O que está por trás disso?
Noam Chomsky - Bom, o que está por trás disso é sem dúvida simples. Se você analisar a reação ocidental, incluindo a reação dos Estados Unidos, as várias manifestações, irá perceber que seguem um padrão bastante previsível: se o país possui grandes reservas de petróleo e o ditador é leal ao Ocidente, então pode agir mais livremente. Assim, na Arábia Saudita e no Kuwait houve uma grande demonstração da força militar, tão intensa, que as manifestações mal puderam começar – não que realmente devessem ter começado. Não há problemas quanto a isso, pois os ditadores possuem a maior parte do petróleo e são leais, então essa reação é previsível. Em relação ao Bahrein, o que preocupa, principalmente, é a Arábia Saudita. Teme-se um levante xiita – que são maioria da população – que se estenda ao leste da Arábia Saudita e ao Bahrein, que também tem maioria xiita e possui a maior parte do petróleo. Portanto, nada pode acontecer lá. Quando houve uma tentativa de protesto na Arábia Saudita, a manifestação foi combatida vigorosamente e, os Estados Unidos disseram “tudo bem, sem problemas”.
Em se tratando da Líbia é um pouco diferente. Há abundância de petróleo e o Ocidente apoiou fortemente o ditador. Apoiou há até poucos dias, na verdade. Porém, como não é confiável, ficariam felizes em se livrar dele. Na verdade, o Ocidente tem apoiado abertamente os rebeldes. A intervenção, por exemplo, não é para deter o conflito, é para dar apoio aos rebeldes. E eles são bastante diretos em relação a isso. Para exemplificar, o Ocidente ordenou um cessar-fogo às forças do governo, porém não às forças rebeldes. Se as forças do governo violarem essa resolução, a notícia chegará às primeiras páginas dos jornais. No entanto, as forças rebeldes podem fazê-lo – e farão – e não haverá problema, pois essa intervenção está do lado dos rebeldes. Pode-se argumentar que isso é uma coisa boa ou ruim, mas devemos ver isso com clareza. É, também, digno de nota, o pouco apoio regional que a Líbia teve.
Em relação à implantação da zona de exclusão aérea, o Egito poderia ter feito, a Turquia poderia ter feito. Eles possuem forças militares de grande poder, porém não farão nenhum esforço. O Egito diz “não é da nossa conta” e a Turquia já deixou claro que não quer se envolver e nem mesmo quer que a Otan se envolva [No entanto, um dia depois da realização desta entrevista a Turquia aceitou comandar as operações da Otan na Líbia]. O Ocidente fez um apelo pela autorização da Liga Árabe, mas foi pouco eficiente. O secretáriogeral da Liga Árabe, Amr Moussa, já se afastou, portanto, basicamente, não há nenhum apoio regional. Claro que o sul da África e a União Africana estão presentes... Na verdade é muito difícil conseguir informações, pois ninguém relata o que acontece no terceiro mundo, porém parece que a União Africana tem intenções de organizar um acordo diplomático. Não sei se eles terão sucesso, mas independente do resultado, o Ocidente não quer prestar atenção nisso.
Fica em aberto a questão se deveriam ou não ter feito isso, contudo devemos analisar com os olhos bem abertos. Não é uma intervenção humanitária. Tudo naquela região tem a ver com petróleo. No caso do Egito, que não possui muito petróleo, mas é o país mais importante da região, os Estados Unidos seguiram o plano usual. Caso após caso, como Somoza, Duvalier, Suharto [ex-ditadores da Nicarágua, Haiti e Indonésia, respectivamente] e muitos outros. Se há um ditador em apuros, o plano é apoiá-lo até o fim, até que fique impossível sustentá-lo e, em seguida, mudar o discurso e passar a dizer “sim, somos contra as ditaduras, adoramos a democracia, sempre lutamos pela liberdade”. No final das contas, o ditador é enviado para longe e tenta- se restabelecer a situação original. Isso já aconteceu muitas e muitas vezes e é exatamente o mesmo caso no Egito.
É difícil prever como as coisas irão se desenrolar no Egito, depende da energia e dedicação dos manifestantes. Com os militares ainda no poder, há nomes diferentes, mas o regime é o mesmo. Houve, porém, uma melhora significante: agora a imprensa é livre, o que representa uma grande mudança. Na verdade, grande parte desses protestos foram protestos trabalhistas, o que vêm de anos. O movimento que organizou o protesto na Praça Tahir é formado por jovens experientes. Eles se autodenominam Movimento 6 de Abril, nome que remete ao dia 6 de abril de 2008, quando grandes ações trabalhistas – e de solidariedade – ocorreram no maior complexo industrial do Egito e foram reprimidas pela ditadura. Bom, não prestamos atenção a esse fato no ocidente, mas eles prestaram atenção lá. Como resultado do Movimento 6 de Abril, é provável que o movimento operário ganhe alguns direitos.
Até há relatos de trabalhadores assumindo o controle de fábricas, mas não posso comprovar isso. Algumas mudanças serão feitas no sistema político, mas até onde chegarão, depende da força da oposição. Os militares não desistirão do poder facilmente. O Ocidente não pode permitir a democracia na região por razões bastante simples que não são relatadas. Tudo que você precisa fazer é dar uma olhada nos estudos sobre a opinião pública árabe. Há estudos muito bons de renomados órgãos de pesquisa ocidentais, divulgados por instituições respeitadas, que não são relatados. No entanto, podemos ter certeza que os planejadores sabem dessas pesquisas. O que elas mostram é que se a opinião pública fosse influente na política, o Ocidente estaria totalmente fora de lá. No Egito, por exemplo, 90% das pessoas acreditam que a maior ameaça são os Estados Unidos. 10% acreditam ser o Irã e 80% acreditam que a região estaria melhor se o Irã tivesse armas nucleares. Por toda a região, a imagem é mais ou menos semelhante. Só isso já basta para entendermos que o Ocidente fará de tudo para impedir o surgimento de uma democracia.
* Com tradução de Mariana Abbate
Para ler a entrevista completa e outras matérias confira edição de abril da revista Caros Amigos, já nas bancas.

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