Era o dia 25 de março de 1911: um incêndio se difundiu na camisaria Triangle Shirtwaist, em Nova York. Dos 146 mortos, 129 eram moças: sicilianas, russas, ucranianas. As chamas se tornaram símbolo da exploração feminina e mudaram a consciência norte-americana. Mas apenas os últimos corpos das costureiras foram identificadas: três eram italianas. Um historiador, Michael Hirsch, reconstruiu as identidades que faltavam, seguindo a sua obsessão, a "vítima número 85", Maria Giuseppina Lauletti, de 20 anos.
A reportagem é de Vittorio Zucconi, publicada no jornal La Repubblica, 06-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Foi o assustador crisol da imigração, a fundição humana na qual se fundiram para sempre os corpos, as identidades e as nacionalidades das quais nasceria a Nova York que conhecemos. Eram principalmente mulheres, italianas e ucranianas, russas e palestinas, romenas e irlandesas as costureiras que foram consumadas juntas há exatamente um século na fogueira da camisaria Triangle Shirtwaist, do Village, nos apenas 18 minutos transcorridos entre o primeiro grito de "Fogo! Fogo!" e o apagamento. No fim, foram 146 mortos, todos enter 16 e 23 anos, pequenas escravas acorrentadas às máquinas de costuras e às mesas de corte de tecido, as quais foram encontradas fundidas. Nova York teria que esperar 90 anos até o dia 11 de setembro de 2001 para sofrer uma carnificina mais horrível.
Foi a fogueira que mudou e selou o destino de uma grande cidade e de quem viveu e trabalhou dentro, segundo um projeto terrível e repetido tantas vezes na história norte-americana, periodicamente iluminada por imensos incêndios, na Chicago dos abatedouros industriais, na San Francisco dos aventureiros, na Atlanta derrotada na Guerra Civil, na Nova York selvagem do início do século XX, como se o parto doloroso dessa grande nação precisasse de uma fogueira de sinalização para começar novamente.
Mas as 129 costureiras e os seus 117 colegas masculinos do East Village pouco se importavam com história, com destinos à la Roma de Nero, de crisóis que sacudissem também as autoridades judiciárias e políticas da sua comodidade e do seu frequentemente corrupto "laissez faire".
Bessie, a russa, Peppina e Concetta, italianas, Fannie, a ucraniana – vítimas identificadas com muito trabalho e algumas apenas agora sepultadas com um nome no imenso cemitério dos "Sempre Verdes" entre o Brooklyn e o Queens por um pesquisador obcecado por esse incêndio – se importavam apenas com ganhar aquilo que o chefe da repartição decidia pagar-lhes no final de cada dia. Um dólar, dois por dia, mas nunca mais do que isso, para ficar dentro dos custos previstos pelos dois proprietários da empresa: 18 dólares a cada 12 camisas, um dólar e meio por camisa.
Poucas delas, naquele palácio de 10 andares a poucos passos da Washington Square, no coração do Village, chamado Asch Building, falavam inglês e entenderam o que significava o grito que ressoou às 16h45 de uma tarde de primavera de 1911, o dia 25 de março: "Fire! Fire!". Não que a compreensão imediata do alarme poderia fazer muita diferença para as mulheres e os homens que cortavam, costuravam, lavavam, passavam e estendiam as camisas. O sweathshop, a fábrica do suor, ocupava três andares, entre o oitavo e o décimo, e o oitavo estava bloqueado. Todas as portas estavam fechadas pelo lado de fora, e as trabalhadoras eram controladas uma a uma no final do turno, para que não roubassem utensílios, tesouras, agulhas, fios ou pedaços do precioso algodão.
O balde d'água que um empregado da contabilidade, William Bernstein, tentou derramar sobre o fogo aceso, alcançando a única torneira que funcionava no grande salão, não poderia fazer nada contra um incêndio que encontrou, talvez devido a uma bituca acesa, nos amontoados de retalhos jogados no chão, nas camisas estendidas nos arames e já secas, na madeira do piso e das mesas, o combustível ideal. Os relatos dos poucos sobreviventes, como Bernstein, que testemunhou no processo contra os dois sócios propritários da Camisaria Triângulo, condenados pro homicídio, são páginas retiradas do imaginário infernal do catecismo.
São cenas de mulheres já em chamas que corriam procurando fugir do fogo que estava queimando as saias e os cabelos, mergulhos silenciosos e sem gritos de outras que se jogavam das janelas, preferindo o suicídio, fotografias de moças "simplesmente petrificadas", disse Bernstein, incapaz de se mexer e de reagir. Imóvel na espera certa e resignada de se tornar tochas vivas ou de cair asfixiados pela fumaça. Os bombeiros, que, incrivelmente, conseguiram apagar um incêndio no oitavo andar em apenas 18 minutos, encontraram costureiras fundidas com a máquina de costura, com a qual morreram abraçadas, como se não quisessem se separar daquele utensílio que lhes havia dado um meio de vida na cidade onde haviam aportado.
Muitas delas não seriam identificadas por décadas, as últimas por um século, como Elizabeth Adler, romena de 24 anos, como Maximilian Florin, russo de 23 anos, como a "morta número 85", uma desconhecida sepultada por 99 anos com essa lápide. E seria com ela que iniciaria, quase por acaso, o caminho de um historiador apaixonado por genealogia, Michael Hirsch, obcecado pelo incêndio que mudou Nova York. A "vítima número 85" acabaria sendo a irmã de uma jovem de 17 anos, sepultada em um outro cemitério, sob uma lápide que lembra misteriosamente "a irmã morta", sem outras indicações. Desse túmulo, Hirsch chegaria a uma bisneta octogenária, aposentada no Arizona. Dela, das suas confusas lembranças pessoais de tios-bisavôs perdidos no início do século XX, ele subiria a árvore da sua história e encontraria um nome, no elenco das empregadas da Camisaria Triângulo, que faleceu depois do dia 25 de março de 1911. E dali chegaria ao túmulo do cemitério do Brooklyn, finalmente dando um nome àqueles restos mortais: Maria Giuseppina Lauletti, siciliana de 20 anos.
Com ela, a lista dos mortos foi completada. Sob o monumento que lembra aquele dia, foram escritos os nomes dos últimos seis desconhecidos: Max Florin, Concetta Prestifilippo, Josephine Cammarata, Dora Evans e Fannie Rosen, de um ato de piedade foi escrito. Mas o verdadeiro memorial à fogueira das costureiras não está nesse cemitério. Está na carne viva da cidade, que o massacre mudou para sempre e que até o mais "casual" dos turistas pode ver, sem nem sabê-lo. O processo contra os dois sócios proprietários, que as autoridades da cidade perseguiram com toda a fúria e a severidade, reescreveu e impôs a normativa anti-incêndio na cidade que cresceu sem regras. Construiu e tornou obrigatórias aquelas escadas que hoje podem ser vistas pender dos edifícios mais baixos e que todo filme policial ou de terror usa para os pesadelos dos espectadores. Começou a limpeza dos tenement, aqueles prédios coletivos de aluguel, onde as ondas humanas dos novos imigrantes se empilhavam uma sobre a outra, fazendo de Nova York, no início do século passado, a cidade mais densamente povoada do mundo. As regras para a limpeza dos tenements já existiam há 10 anos, mas nem a prefeitura, nem a polícia, nem a magistratura haviam feito com que fossem respeitadas, em nome do crescimento impetuoso e da generosidade ilícita dos senhores dos cortiços. E aquelas 85 horas de trabalho por semana que as moças do oitavo andar tinham que sofrer pareceram, finalmente, intoleráveis.
As greves dos outros escravos das máquinas de costura na Philadelphia, em Baltimore, no Village e no Garment District de Manhattan, que ainda existe, mas definha na concorrência impossível dos novos escravos que cortam camisas e vestidos no Extremo Oriente, encontraram o apoio de um público que, até aquele incêndio, preferiam se inclinar por aqueles que lhes ofereciam, a qualquer preço, um trabalho.
Durante anos, e em vão, outros operários e operárias da indústria têxtil haviam organizado greves. E, em uma outra fábrica do suor de Nova York, poucos anos antes, se veria o espetáculo inaudito e aterrorizante da primeira greve convocada e organizada inteiramente por mulheres. Os ajustes salariais e as melhorias haviam recém encostado nas moças da Camisaria Triângulo, recrutadas entre as mais jovens, as mais tímidas, as mais dóceis imigrantes da Sicília, dos guetos da Ucrânia e da Rússia.
O Asch Building ainda está ali onde estava na tarde do dia 25 de março de 1911, rebatizado como Brown Building e hoje como parte da New York University, à qual foi doado. É um edifício pouco interessante, na banalidade do estilo neorrenascentista que disseminou as cidades norte-americanas com palácios semelhantes, e, nas janelas do oitavo andar, hoje sede de respeitáveis estudantes e professores de ciências, há alguns condicionadores de ar. É um lugar um pouco frio, pouco movimentado, estranhamente silencioso apesar da proximidade com a Washington Square, o coração do Village. Não entra em nenhuma foto ou videoclipe de lembrança da viagem a Nova York. Cruzam-se jovens, estudantes, principalmente moças, bonitas, sérias, sorridentes, decididas, ocupadas em viver aquele sonho que outras jovens costuraram também para elas, com a própria vida.
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