Por José Geraldo Couto, editor do Blog do Zé Geraldo [1]
Bruna Surfistinha é um sucesso estrondoso: em dez dias de exibição, ultrapassou a marca de um milhão de espectadores.
Não é difícil explicar o “fenômeno”, pois de fenômeno ele não tem nada. O filme de Marcus Baldini simplesmente realiza com eficiência a junção de vários filões de sucesso garantido.
O mais evidente deles é o dos filmes sobre celebridades de nosso tempo: Cazuza, Meu nome não é Johnny, Dois filhos de Francisco, Jean Charles etc. (Chico Xavier poderia entrar também, mas corre em outra raia; por outro lado, poderíamos acrescentar sucessos estrangeiros como A rede social e A rainha) Todos eles “baseados em fatos reais”, com aqueles inevitáveis letreiros finais informando o destino dos personagens.
Mas há também a intersecção com uma tradição muito antiga, a das obras sobre prostituição, e outra muito atual, a do mundo de relações mediadas pela internet.
Prostituição sem glamour
A prostituição na era da internet: eis uma frase publicitária possível para Bruna Surfistinha. Se há um mérito no filme, é o de desglamourizar a profissão mais antiga do mundo, mostrando-a como um frio comércio igual a qualquer outro. O bordel em que Raquel/Bruna se emprega é uma firma meio precária, mas regida por metas e padrões de eficiência capitalista. A cafetina (Drica Moraes) é uma pragmática executiva. Estamos longe da putaria lírica dos “castelos” dos romances de Jorge Amado.
De certo modo, a narrativa reitera o esquema de tantas ficções sobre moças que “caíram na vida” por circunstâncias familiares, mas o esquema aqui sofre um ligeiro deslocamento. Primeiro, porque a protagonista não é pobre, e sim de classe média. Segundo, porque não é particularmente oprimida em casa, nem sofreu propriamente um abuso, um estupro ou coisa do tipo.
Ideologia do sucesso
Há em Raquel/Bruna uma insatisfação difusa, apenas catalisada pelo episódio do colega que coloca suas imagens íntimas na internet. O que ela quer, ao sair de casa para a vida, é “não depender de ninguém”. É, em outras palavras, “vencer na vida”. A ideologia do sucesso é a moral amoral dessa “história de uma vencedora”.
É nisso que reside, a meu ver, o que o filme tem de mais conservador e conformista. Toda a trajetória de Bruna se justifica pelo desejo de independência profissional e financeira. Depois de ganhar o seu dinheiro e servir ao mercado, seja como fornecedora de serviço especializado ou como consumidora (de roupas, de jóias, de cocaína), ela pode deixar a prostituição e se tornar dona-de-casa. Trocar o vício pela virtude.
Se, entre todos os gêneros que se entrecruzam em Bruna Surfistinha, fosse necessário definir um, eu diria que é um filme de auto-ajuda, com uma vaga mensagem de “acredite nos seus sonhos” ou “faça as coisas ao seu modo” e “você vencerá”. Se precisar abrir as pernas para isso, tudo bem. Se puder publicar um best seller, melhor. O importante é que depois, com o dinheiro ganho não importa como, você se “legalize” e se integre à sociedade “bem”, com marido, filhos, carro na garagem, flores na janela e cartão de crédito no bolso.
Ah, faltou dizer que Deborah Seco é ótima em todos os sentidos, que “se entregou ao papel com garra” e todos esses clichês que dizemos quando não queremos falar sobre o que interessa.
[1] Título original do texto: Bruna auto-ajuda ponto com
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