terça-feira, 6 de julho de 2010

CÃO SEM DONO

Não sei de onde é que vem essa história de que cão deve ter dono. Mas muitas pessoas entendem que deva ter.
Sou mais afeita aos bichos da liberdade... aos pássaros... aos precisos e imperceptíveis gatos (mas eu cá e eles lá)... aos cães de rua... e por aí vai! E não me venham com o discurso sanitarista de que os cães de rua propaguem sujeira e doenças... nunca vi um cão de rua desembrulhando qualquer coisa para comer e depois jogar o papel ou o plástico ao léu; ou largando lixos pela janela do carro (até porque eles não dirigem por não usarem carros e, assim, não poluírem o ambiente); ou outros quetais que são tão bem praticados pelas gentes que se acham tão longe da existência nas ruas.
Confesso que não tenho propriamente afeição por cães. Acho de uma estultice sem tamanho, pessoas que gastam com bobageiras para cães, o que daria para alimentar ou beneficiar muitas gentes. Talvez o que me causa incômodo, é o teatro de sujeição que os humanos (muitas vezes desumanizados) encenam com os cães, como se houvesse um modo de subjetivação canino que fosse feito para “assujeitá-los” aos bondosos “donos”... e quando os miseráveis não se “assujeitam”, ninguém consegue entender o que o tornou “tão agressivo com o próprio dono”.
Bueno, estava eu habituada a tecer meu teatro com os pássaros... os danadinhos preferem quirera de arroz à quirera de milho... mas tem uma espécie que vem aqui em casa só para comer as folhas do mamoeiro... outra que vem catar as minhocas da terra fértil da horta... a corruíra vem comer os bichinhos e as teias de aranha das paredes... e o joão-de-barro vem catar a terra fértil para construir sua morada (fico toda-toda, pensando que a terra fértil que alimento com restos orgânicos seja apropriada à construção da morada do joão-de-barro). Fiquei toda-toda quando mudei de casa, deslocando-me 40 metros e os pássaros acompanharam a mudança. Tive espamos enfurecidos com o gato-preto que transita no pátio, quando comeu os filhotes da corruíra. Vivo em contenda com as lesmas. Troco a água-doce dos beija-flores. Coisas assim-assim.
Até que minha vida teve um rodopio incontrolável no dia de hoje. Cheguei do trabalho ao meio-dia e eis que alguém se desvencilhara de uma cadelinha, deixando-a na calçada de casa. Mas quando cheguei, ela já não estava com cara e nem com jeito de que fora rejeitada (nem sei se teve essa cara)... já era uma linda e formosa dama, dona da situação. Recebeu-me com cara de quem sabe quem está chegando em casa. Abanou o rabinho. Sentou nas patinhas traseiras. Andou ao meu lado e depois retornou ao lugar que escolheu para seu território, no alto da escada de entrada da casa. Veio adornada, com um colarzinho e um pingente. Cheguei a pensar que tivesse se desgarrado de seus “donos” e que logo voltaria ao seu “lar”. Passei o intervalo do meio-dia absolutamente conflituada... dou ou não dou água e comida... chamo ou não chamo socorro dos amigos cachorreiros... acolho ou não acolho.
Ao sair, no início da tarde, já estava em duvida se queria ou não queria que ela tomasse seu rumo... ao fechar o portão (pelo qual ela pode transitar livremente entre as grades, mas não o faz) olhei em seus olhos e pensei: tomara que seus “donos” a encontrem e ela ficou me olhando com cara de quem diz “vai tranqüila que eu ficarei aqui, comportada!”, estatelou a barriga no chão e largou a fuça sobre as patinhas dianteiras. Pensei: que fazer com tamanha simpatia?
À tarde, estava em atendimento clínico e quando deu um intervalo, a primeira coisa que me saltou à lembrança, foi a cadelinha! Liguei para o Canil Municipal e a moça que atendeu informou que não podem levar filhotes ao Canil, em função das zoonoses lá infiltradas e que eu deveria cuidar do bichinho até a realização da feira para doação. Achei muito engraçado, porque não consegui dizer a ela que não teria como cuidar, pois além de não contar com espaço físico para tal, não há lugar para um cachorro em minha vida!
O mais engraçado é que me bateu um desespero como se eu não tivesse saída para a situação... como se não fosse encontrar ninguém que a quisesse ou alguma alternativa que não seja adotá-la!
Quando retornei no final da tarde, a danadinha estava mais territorializada ainda e seu cocô e xixi formavam a demarcação do mapa, inclusive sobre os capachos! Não consegui ficar incomodada com isso e, num repente, flagrei-me pensando num nome bonito pra ela.
Ainda atendi meus pacientes no consultório e depois tive que arrumar água, comida e cama pra donzela que já havia feito mais cocô e xixi, tendo diarréia depois de comer.
Agora estou aqui, nesse clima de encantamento com essa bruxinha linda e simpática... mas estou assim-assim, ainda sem lugar para um cão em minha vida e ela ali, demarcando território físico e também em meu imaginário... sem contar que quando ouvi seu latido de cachorro-bebê, tive uma alegria tão boba que quase me convenci a arredar alguma coisa em minha vida, para dar espaço pra ela... talvez a beleza não vá pra feira de doações... talvez!

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