sábado, 17 de julho de 2010

A cabeça sem corpo

Noutro dia, com mais tempo, talvez aprofunde esta abordagem que hoje deixo rasa... então poderei falar mais do “corpo sem órgãos”, formulação de Artaud, que Deleuze e Guattari tornaram noção-conceito.
Trata-se, aqui, de um esclarecimento que eu há muito buscava sobre as práticas periciais no INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social... nunca consegui entender de que seguridade social cuidava esse Instituto, se muitos de seus peritos declaram aptos ao trabalho, pessoas que até contam com relativa funcionalidade do corpo, mas não da cabeça, ou, também, ao contrário, contam com relativa funcionalidade da cabeça, mas não do corpo... ficava a me perguntar que seguridade é essa que olha o sujeito como se fosse um amontoado de órgãos independentes e autônomos que vivem anulados ou alienados à tudo o que os compõem... mas, enfim, por meio de um colega de profissão, veio-me essa resposta!
O referido colega foi acometido por uma hepatite que o transformou num trapo humano (não sei dizer qual seja o tipo de sua hepatite, mas sei que no dia em que o encontrei recém saído da perícia, seu estado deixou-me assustada, pois parecia um cadáver ambulante). Esse colega sempre foi muito ativo e dinâmico, e, num repente, virou um farrapo que mal conseguia se arrastar... esteve por algum tempo recebendo auxílio-doença e, estando ainda absolutamente fragilizado, foi considerado pelo sábio perito, apto ao trabalho... este deferiu-lhe condições ao trabalho, visto que psicólogo não necessita do corpo para operacionalizar as suas atividades profissionais!
Talvez o perito também não necessite do corpo para desenvolver suas atividades profissionais, visto que seu olhar seja cego, seus ouvidos sejam moucos, seu cérebro seja desconectado da coluna vertebral e sua visada de mundo seja fruto de sua mirada em terceira dimensão... assim como ele, apesar disso, consiga ser perito, acredita que um segurado que esteja em tamanhas e precárias condições, também consiga dar conta de suas atividades profissionais!
Talvez isso também explique o fato de que alguns profissionais da saúde consigam atuar de forma concomitante em vários espaços de trabalho (SUS, Plantões, Consultório Particular, Outro Emprego, Entre Outros... e ainda exercer alguma representação política ou de categoria profissional)... só uma-cabeça-sem-corpo ou, talvez, um-corpo-sem-cabeça seja capaz de tal façanha... os comuns mortais não têm essa capacidade.
O interessante desse entendimento do perito é que, se o estado de adoecimento de nosso corpo não afeta nossa capacidade mental e intelectual, então também podemos passar a noite sem dormir e no outro dia mandar ver! Ou, exagerar na feijoada ou em qualquer outra coisa, e a cabeça se vira solita, sem o corpo que baqueia.
Afora tudo isso, é assustador o (des)entendimento que o dito perito apresenta sobre as coisas mais básicas da vida das gentes... se fosse gente e pensasse, talvez ele entendesse a comunicação que possa existir entre uma cabeça e um corpo... talvez ele não saiba porque nunca tenha passado por essas coisas!

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