BAREMBLITT, Gregorio. Compêndio de análise institucional e outras correntes; teoria e prática. 5.ed. Belo Horizonte, MG: Instituto Félix Guattari, 2002 (Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2)
[p.66 a 69]
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“Denomina-se equipamentos a uma série de organizações, estabelecimentos, aparatos, maquinarias e tecnologias muito diversificados e inclusivos, de grande, médio ou pequeno porte, cuja finalidade fundamental (mas não única) está a serviço da repressão, do registro ou do controle social. Uma das maneiras possíveis de classifica-los é referindo-se ao tipo e grau de violência que empregam para cumprir sua função, enfatizando, além do mais que sua condição é mais propriamente determinada por essa função do que por sua materialidade, estrutura, forma, etc. Alguns exemplos conspícuos de equipamentos sãos os que certa tradição marxista chamava de ‘aparatos’. Estes cumprem funções eliminatórias, segregacionistas ou punitivas (como por exemplo, as Forças Armadas, a polícia, a censura cultural ou a Psiquiatria supressiva). Outros apontam para a doutrinação ou a informação tendenciosa (certa orientação da Religião, da Educação, da Comunicação de massas ou a Família).
Mas um equipamento pode ser também uma determinada organização beneficente, ou certa modalidade de uso de um meio de transporte ou de um eletrodoméstico, assim também como técnicas de cuidado e gerenciamento da personalidade por parte das forças repressivas. O certo é que os equipamentos são predominantemente funcionais ao poder (seja do estado ou das entidades civis e privadas hegemônicas) e a reprodução da ordem constituída entendida como a soma do instituído-organizado.
De um dispositivo pode, de alguma maneira, dizer-se que é o contrário de um equipamento. Trata-se de uma montagem de elementos extraordinariamente heterogêneos que podem incluir ‘pedaços sociais’, naturais, tecnológicos e até subjetivos. Um dispositivo caracteriza-se pelo seu funcionamento, sempre simultâneo a sua formação e sempre a serviço da produção, do desejo, da vida, do novo. Um dispositivo forma-se da mesma maneira e ao mesmo tempo em que funciona, gerando acontecimentos revolucionários, transformadores. Embora seu tamanho e duração sejam tão variáveis quanto as materialidades que o compõem, têm a peculiaridade de nascer, operar e extinguir-se enquanto seu objetivo de metamorfose e subversão histórica se realizam. Um dispositivo em geral não respeita, para sua montagem e funcionamento, os territórios estabelecidos e os meios consagrados; pelo contrário, os faz explodirem e os atravessa, conectando singularidades cuja relação era insuspeitável e imprevisível. Gera, assim, o que se denomina linhas de fuga do desejo, da produção e da liberdade, acontecimentos inéditos e invenções nunca antes conhecidas. Nesse sentido, é óbvio que os dispositivos, também chamados agenciamentos, têm a ver com a transversalidade e, num sentido restrito, com o instituinte-organizante.
Um grupo político sujeito (quer dizer, que se dá seus próprios meios e leis inseparáveis de seus fins e que não pretende persistir mais além de seu objetivo revolucionário), um descobrimento científico, um pensador original e libertário, um inovador dos costumes sexuais ou das convicções éticas podem constituir-se num dispositivo, assim como podem sê-lo certa arrumação de máquinas técnicas (como as rádios livres) ou a defesa da natureza (como os movimentos ecológicos). Por último, digamos que um dispositivo não é uma obra de indivíduos ou sujeitos, ele os inclui, os constitui e os ‘maquina’ para concretizar suas realizações.
Em diferentes momentos da constituição de um campo de análise e/ou intervenção, os institucionalistas efetuam vários tipos de diagnósticos – sempre provisórios – da estrutura, dinâmica, processos, contradições principais e secundárias, opositivas e antagônicas, conflitos, defesas, mecanismos, magnitudes de produção, reprodução e antiprodução, analisadores, potências, poderes, territórios, linhas de fuga, equipamentos, dispositivos da área ou organização intervinda. O diagnóstico é importante para justamente instituir, organizar, planejar, antecipar, decidir os passos, que comentaremos em seguida, tais como: contrato, estratégia, logística, táticas, técnicas. Isso sem esquecer que boa parte do percurso é imprevisível.
Os institucionalistas, para efetuar análises – seguidas ou não de intervenções – precisam fazer acordos, pactos, convênios (ou como se queira chamá-los) com as organizações, estabelecimentos ou, simplesmente, com os coletivos de usuários ‘clientes’. A estes acordos costuma-se denominar contrato. Eles versam sobre os compromissos mútuos em que se explicitam os respectivos deveres e direitos das partes interessadas. Em muitos aspectos, o contrato institucionalista é semelhante a qualquer outro de prestação de serviços. Trata principalmente de tempo (duração total, freqüência dos trabalhos), honorários ou outro tipo de retribuição, delimitação de objetivos e autorização de acesso aos materiais investigados, promessas de sigilo quanto à informação obtida durante a investigação etc. Como veremos, é importante estar atento ao fato de que nem sempre o contrato representa um acordo com a totalidade do coletivo intervindo, mas com certos segmentos do mesmo. Por outro lado, tem especial significação qual é a relação jurídica (emprego, serviço profissional independente, solidariedade militante etc.) que fundamenta o contrato. Mas o essencial a recordar é que o contrato no Institucionalismo não é uma operação comercial externa ao processo que a intervenção, como serviço, deflagra. Os diversos aspectos do contrato – tempo, dinheiro, contratantes, objetivos, expectativas – são analisadores emergentes da problemática a ser pesquisada. Seu tratamento já é parte ativa da análise e da intervenção.
Designa-se por logística o balanço que os institucionalistas fazem de todas as forças, habilidades, elementos, recursos, etc. de que se dispõe ao começar uma intervenção; quer dizer, com que se pode contar, a favor e contra, para poder levar o trabalho adiante com um mínimo de possibilidade de realização.
A estratégia sistematiza os grandes objetivos a serem conseguidos (cuja máxima expressão é a auto-análise e autogestão do coletivo intervindo), assim como a progressão das manobras, dos espaços e territórios que se colocarão, a previsão de vicissitudes, opções, alternativas, avanços, retrocessos etc.
As técnicas são pequenos segmentos nos quais se decompõem a estratégia. Para dar um exemplo bélico, totalmente metafórico: a estratégia decide se será uma guerra de ocupação, de fronteiras, punitiva ou de extermínio parcial; se essa guerra se dará por terra, mar ou ar, quais serão os aliados, simpatizantes, neutros e inimigos etc. As táticas referem-se a batalhas circunscritas, à área onde se desenvolvem, a participação da infantaria, cavalaria, o horário, os movimentos de tropas etc. As técnicas, prosseguindo com a metáfora, aludem aos armamentos propriamente ditos: fuzis, morteiros, granadas etc.
No Institucionalismo é fácil fazer a transposição do que seja a logística, a estratégia e as técnicas do campo bélico ao campo da intervenção, sem tomá-las ao pé da letra. É interessante enfatizar drasticamente que, no Institucionalismo, uma vez que se adquira uma base de entendimento do panorama de uma organização e se concretizem os primeiros dispositivos para um contrato e diagnóstico provisórios, enquanto já se têm, baseados nisso, esboços de uma logística, estratégia geral e primeiras táticas, a eleição de técnicas é consideravelmente livre. Quer dizer: será ditada pela inspiração e treinamento, assim como pelas predisposições pessoais da equipe operadora, objetivo geral e objetivo imediato perseguido e peculiaridades do coletivo em pauta.
Procedimentos interpretativos, informativos, esclarecedores, de sensibilização, de expressão, de discussão, agenciamentos artísticos, desportivos, convivenciais, lúdicos, praticados em grupos e em assembléias podem ser adotados segundo as circunstâncias.
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