domingo, 17 de julho de 2011
o que quer pra vida, joão?
o quartinho fedorento nos fundos da casa denunciava seu lugar. as rotas que percorria todos os dias com sua bengala fiel, apontavam os rumos de sua existência. nômade de si, alienado da vida-alinhada que os outros prezam, ancorava seus dias em seus roteiros. sabia os nomes dos lugares e das pessoas com quem cruzava todos os dias. bebia, simplesmente. bebia cachaça, porque traz melhor alento. bebia e transitava. sem orgulhos, sem vaidades, sem projetos para a vida moldada pelos que são afeitos aos moldes. para contentar um corvo que não tinha nada a ver com ele, mas pousou em seu ombro, repetia: "mas agora vou parar... eu quero parar", tentando enganar a ave que mirava seus restos carnais. o corvo voejava e voltava, com seu hálito forte, vindo das carniças recém comidas. perguntei ao joão: "o que quer pra vida?"... joão, sem titubear, tascou: "a morte me espera". antes de sair de fininho, indo para outro lado, retruquei pra ele: "estou indo noutra direção, joão, quer ir comigo?"... joão olhou pro corvo, olho pra mim e respondeu: "vou, não, senhora... já tenho meu cantinho e gosto dele!
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