O mal-estar gerado pela crise econômica internacional e pela precariedade do estado de bem-estar social “se converteu em uma ação coletiva” chamada de 15M (sobre isso, veja mais aqui). Com a palavra de ordem “Basta!”, europeus de todas as idades e classes sociais manifestam sua indignação com o atual modelo democrático e reivindicam uma democracia que dê conta das necessidades básicas das pessoas e do ecossistema.
Em entrevista à IHU On-Line via Skype, a autora do livro Resistências Globais. De Seatle à crise de Wall Street explica que o movimento é plural e conta com a adesão de jovens com qualificação educacional, mas sem emprego e trabalhadores em situação precária, que estão “sofrendo graves cortes de seus benefícios”.
Para Esther, redes sociais como Twitter e Facebook desempenham um papel crucial na ampliação do movimento, pois através desses instrumentos as pessoas aderem ao processo de “redemocratização social”. “Muitas mais pessoas apoiam agora o movimento e sua base social é mais diversa porque muito outros se identificaram com as reivindicações feitas pelo 15M nesse contexto de crise econômica e social profunda”, conclui.
Esther Vivas é membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais – CEMS da Universidade Pompeu Fabra – UPF, em Barcelona, Espanha. Ela participa da redação da revista Viento Sur e colabora habitualmente em vários meios de comunicação alternativos e convencionais.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Podemos dizer que o 15M manifesta a falência da política representativa?
Esther Vivas – Sim. Essa é uma das maiores críticas que o movimento 15M tem feito, principalmente à classe política atual e à subordinação da classe política aos interesses empresariais e privados. Essa é também uma crítica contundente ao modelo de democracia atual, que só pede a opinião dos cidadãos a cada quatro anos.
IHU On-Line – Quem são os jovens que participam do 15M?
Esther Vivas – Fazem parte do movimento 15M muitos jovens que vivem sua primeira experiência ativista. O 15M é um movimento que, primeiramente, teve alta participação de jovens. Porém, não podemos considerá-lo um movimento juvenil porque há muitas outras pessoas, de outras gerações, que têm participado ativamente. Há pessoas que vêm de movimentos de antiglobalização, por exemplo, e que não são necessariamente jovens.
IHU On-Line – Qual é a principal utopia do 15M?
Esther Vivas – A principal utopia é em relação à mudança do sistema que dê conta das necessidades das pessoas e do ecossistema. As políticas atuais respondem mais a uma minoria econômica empresarial em vez de responder às necessidades do povo espanhol. Frente à última crise econômica mundial que atingiu também nosso país, o governo diz que há apenas uma política possível, que visa o corte com gastos sociais e trabalhistas. No entanto, isso acontece quando se poderiam elaborar outras políticas para sair da crise. Políticas essas que passam por uma reforma fiscal progressiva, políticas que impliquem na perseguição da fraude fiscal, políticas que implicam em deixar de investir numa política armamentista. Outras políticas de saída da crise são possíveis, porém falta vontade política para que isso aconteça.
IHU On-Line – O sujeito social do 15M é identificado como “multidão”, conceito de Antonio Negri? A “multidão” tomou o lugar da classe operária?
Esther Vivas – Talvez. O 15M tem se definido como um movimento de indignados e indignadas. Desse ponto de vista se identifica, creio eu, com o livro Indignados. Este livro marcou, de certa forma, o antes e o depois do conjunto de inflexões que explicam a situação atual da Espanha, onde há um profundo mal-estar frente às políticas criadas para sair da crise econômica. Dois anos e meio depois da crise, as pessoas disseram: “Basta!” Assim, saíram para as ruas e este mal-estar se converteu numa ação coletiva. E o que estamos vendo nesses dias é um mal-estar e indignação que não existe apenas na Espanha, mas por toda a Europa.
O movimento 15M é muito diverso, plural, amplo e esta é uma de suas grandes virtudes. A maioria dos participantes é formada por jovens com estudos, mas sem trabalho. Também temos visto nos acampamentos trabalhadores de empresas que também vivem uma situação precária, como do setor de telefonia. Nas praças ainda vemos um número importante de trabalhadores do setor sanitário e de educação, que estão sofrendo graves cortes de seus benefícios. Com isso, o movimento é uma união de pessoas de movimentos como Trabalhadores en Lucha e jovens em situação precária e indignados. A virtude do 15M está em unir essas pessoas numa mesma luta.
IHU On-Line – O que difere a luta de hoje da luta do último quarto do século XX?
Esther Vivas – Creio que o mais importante desse movimento dos indignados é precisamente o papel das redes sociais na internet, como Facebook, Twitter e outros instrumentos. Estes têm sido muito importantes para ampliar a mobilização e para que muitas pessoas se agregassem individualmente nesse processo de redemocratização social. Além disso, as redes têm permitido a comunicação direta dos atores sociais implicados nesse processo. Elas aprofundaram a ação política coletiva que fazemos hoje.
Temos que ter em mente que essas redes sociais são instrumentos a serviço dos atores que saem às ruas. A forma como usamos as redes implica em repensar as mobilizações sociais atuais a partir do papel que a rede tem na força política que ganhamos no mundo.
IHU On-Line – O movimento 15M mostrou a sua força com o 19J. Para onde vai agora o movimento?
Esther Vivas – Do 15M ao 19J encerra-se uma primeira etapa do movimento e começa uma nova etapa. No curso deste um mês de mobilização, o 15M ampliou seus apoios em nível qualitativo e quantitativo. Muito mais pessoas apoiam agora o movimento e sua base social é mais diversa, uma vez que tantos outros se identificaram com as reivindicações feitas pelo 15M nesse contexto de crise econômica e social profunda. O 19J mostrou os amplos apoios que o movimento agregou, apesar de que o sistema tem tentado minimizar e criminalizar o movimento. Nessa primeira etapa do movimento, a Junta Eleitoral Central – JEC quis proibir os acampamentos durante as eleições autônomas municipais que ocorreram. Porém, apesar dessa decisão, ela foi incapaz de esvaziar as praças. Depois, tentaram também despejar os acampados, mas essa tentativa implicou no aumento dos apoios ao 15M.
IHU On-Line – O que há de semelhante e diferente entre a Spanish revolution e o maio de 1968?
Esther Vivas – O elemento comum, por um lado, seria o papel central que a juventude tem tido. Os jovens têm um papel-chave no motor desses processos, ainda que o 15M não possa ser chamado de um movimento juvenil. Por outro lado, a cena política e social tem também sido um elemento comum, ainda que agora o contexto seja muito distinto, como o papel das redes sociais.
IHU On-Line – Na mesma perspectiva de paralelos, quais são as diferenças e aproximações entre Tahrir e Puerta del Sol?
Esther Vivas – Um dos elementos em comum entre as revoltas árabes e os movimentos sociais da Espanha é a revolta dos cidadãos que ocuparam as praças e os espaços públicos. Também há reivindicação de mudança no modelo de democracia, ainda que nos países árabes tenha se exigido uma democracia formal e com participação cidadã.
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