O artigo é do economista italiano Giorgio Ruffolo, ex-ministro do Meio Ambiente da Itália, publicado no jornal La Repubblica, 06-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há cerca de três quartos do século XX, os governos dos países anglo-saxões, Inglaterra e Estados Unidos, tomaram a histórica decisão de liberalizar os movimentos internacionais dos capitais. Tornou-se possível transferir capitais de um ponto ao outro do mundo em busca do máximo lucro. Até então, no regime instaurado em Bretton Woods, essa possibilidade havia sido sujeitada a severas limitações.
Essas limitações haviam tornado possível um pacto fundamental entre capital e trabalho, coração do compromisso entre capitalismo e democracia, que marcou aquela que foi chamada por um grande historiador desses tempos de idade de ouro. Os capitalistas renunciavam à busca do máximo lucro, e os sindicatos, à plena utilização do seu poder contratual.
Ambos subordinavam suas pretensões ao vínculo do aumento da produtividade. Chamava-se de política dos rendimentos e assegurou algumas décadas de crescimento sustentado, acompanhado por uma alta taxa de emprego e por uma equilibrada distribuição da renda.
A liberação dos movimentos de capital fez explodir esse tácito pacto com consequências econômicas e sociais contraditórias.
Massas de capitais afluíram nos países pobres, suscitando neles imponentes processos de desenvolvimento, sujeitos a defluxos repentinos e devastadores. Nos países ricos, essa decisão provocou, ao contrário, uma verdadeira mutação do capitalismo.
A busca do máximo lucro no tempo mínimo desenvolveu os atividades financeiras e especulativas com relação à produção real. O resultado disso foi uma desaceleração do crescimento e um deslocamento da renda do setor real para o setor financeiro, acompanhado por um aumento vertiginoso das desigualdades.
Em nível mundial, verificou-se um outro processo perturbador. A poupança dos países pobres atingidos pelo desenvolvimento foi atraída pelos mercados financeiros dos países ricos, que lhes garantiam segurança e rendimentos elevados. Em vez de alimentar os baixos consumos dos primeiros, financiou os consumos excessivos dos segundos, instaurando uma condição de desequilíbrio permanente da balança dos pagamentos.
Mas os desequilíbrios não se produziram apenas no espaço: investiram também sobre o tempo. A acumulação financeira foi financiada cada vez mais pela renda futura, sob a forma de endividamento: ou seja, vivendo à custa da posteridade. Esse fenômeno assumiu características sistemáticas, a tal ponto que um economista definiu o novo capitalismo como o regime econômico em que as dívidas jamais são pagas, mas são sistematicamente renovadas.
Alguns de vocês me perguntarão: era sustentável essa condição das coisas? A resposta é: não. De fato, perto do início do século XXI, uma crise violenta provocada pelo colapso das dívidas do setor imobiliário dos Estados Unidos varreu os mercados mundiais. A grande crise que havia sido antecipada, nos anos 30 daquele século, havia sido superada graças (por assim dizer) à Segunda Guerra Mundial; mas também, imediatamente antes e imediatamente depois dela, a um deslocamento decisivo da liderança privada para a liderança política da economia.
Em vez disso, essa nova crise e igualmente devastadora foi superada brilhantemente refinanciando os sujeitos que a haviam promovido: bancos e intermediários financeiros. O custo foi pago pelos trabalhadores, que ficaram sem emprego, e pelos contribuintes. Isso deu origem a fortes déficits públicos, que foram vivamente contestados pelos "mercados" que os haviam suscitado, e que foram reprimidos com severas medidas de corte dos gastos sociais.
Depois de algumas pausas para a reflexão, o mecanismo da acumulação financeira foi retomado, embora com algum atraso deplorado, exatamente nas mesmas formas e modalidades. Vocês me perguntarão..."
* * *
Nesse ponto, a gravação, infelizmente, se interrompe. Nós é que devemos imaginar a pergunta. E, sobretudo, a resposta.
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