em: Flecheira Libertária, n. 187, 14 de dezembro de 2010. Ano IV
http://www.nu-sol.org/flecheira/pdf/flecheira187.pdf
"a palavra é a sombra da ação" (plutarco).
sinais das cinzas
Troca de presidente e ministérios para 1 de janeiro; Tropa de elite 2 é o filme brasileiro mais visto; a favela se acomoda com UPP, UPP social e PAC; as decisões sobre o clima da Terra vivem em regime de prorrogações; as artes contemporâneas e o ativismo, segundo especialistas, estão fracos; as bancas de revistas vendem auto-ajuda e conhecimento de bolso; o Haiti ainda é ali e aqui; as pessoas correm para as compras de natal; o terrorismo está administrado; segredos secundários circulam pela wikileaks; as crianças continuam sendo surradas, medicadas e escolarizadas, ora amordaçadas, ora tagarelas; a universidade foi devidamente democratizada: ficou para as particulares governar as classes C e D; a fumaça encobre as florestas... E assim roda mais um ano sob a cultura da paz em busca de sinais de melhorias. Os supermercados continuam jogando comida fora; os bancos se socorrem no Estado; o tráfico fica reduzido ao sobe e desce do morro; os mendigos jazem pelas ruas; o planeta ficou urbano... e é proibido fumar.
capturas e capturados 1
Pesquisa divulgada no Brasil, nessa semana, anuncia que a população carcerária masculina está maior, continua negra e jovem e é formada, quase na sua metade, por condenados por crimes relacionados a drogas ilícitas. Em outras palavras, 50% dos presos são jovens traficantes pobres, pretos ou quase pretos. Traficantes miúdos e favelados. Qual a novidade?
capturas e capturados 2
A “novidade”, para tais pesquisadores, seria a nova solução proposta. A partir da afirmação de que a prisão não recupera e que, por isso, seria necessário evitar que os “peixes miúdos” fossem encarcerados, o trabalho recomenda penas alternativas para que possam efetivamente ser ressocializados. Coincide com a divulgação da pesquisa a aprovação pelo Senado brasileiro de nova reforma no Código de Processo Penal, que abre espaço, dentre outras coisas, para o monitoramento eletrônico de condenados; medida tida como uma “alternativa à prisão”. Eis um exemplo de como práticas problematizadoras do direito penal e da prisão são capturadas por um discurso penalizador travestido de progressista que canalhamente esconde o óbvio: pulseira eletrônica ou cela fétida são modulações punitivas que convivem e dilatam os modos de monitorar e punir na emergência da sociedade de controle.
capturas e capturados 3
Depois da ocupação midiática do Complexo do Alemão, o governador do Rio de Janeiro afirmou que as “drogas leves” — leia-se maconha — deveriam ser legalizadas. Sua voz é mais uma no atual coro do senso comum esclarecido: o consumo de drogas não vai acabar apenas com a repressão; por isso, seria preciso tratar os usuários de “drogas pesadas” — leia-se “todas as proibidas que não a maconha” — como doentes, os de maconha como normais, e os traficantes como os bandidos de sempre. Os moderninhos evocam, então, o exemplo da descriminalização portuguesa, que levou usuários para a clínica e traficantes para penas ainda maiores. É preciso dizer algo francamente: basta que haja uma droga qualquer ilícita para que surjam negociantes clandestinos dispostos a vendê-las. Legalizar ou descriminalizar a maconha faria a alegria de consumidores de classe média, de empresas que venderiam baseados legais e do Estado que arranjaria nova fonte de tributação. Para o tráfico de drogas, que é transterritorial, seria menos que cócegas; e para o proibicionismo, seria nada. Sua lógica e sua moral seguiriam intactas e, com elas, infindáveis violências sem fronteiras.
diante das capturas, soltar-se!
O Canadá é um dos maiores produtores de maconha do mundo. Lá, as plantações são high tech e a erva é alterada para ter maior potência. Lá, há muitos consumidores e poucos traficantes. Como? É que no Canadá se produz maconha para consumo próprio ou para fornecer a parentes ou amigos. Assim, contando com certa leniência da polícia, foi possível romper a fórmula capitalista: existe produção e demanda sem haver um mercado. Há notícias, também, de que na Europa e nos EUA jovens com certo conhecimento técnico têm roduzido drogas sintéticas por conta própria. Desse modo, evitam a polícia e os traficantes. Essa rapaziada ostra que para além da polêmica entre legalizar e proibir é possível experimentar estar livre das leis e dos lícitos. Isso não é legalizar nem descriminalizar, mas sim liberar: livrar-se da moral, das leis, do capitalismo e das violências de polícias e traficantes!
da vida das pessoas
Um tremendo silêncio pelas madrugadas, rompido com espancamentos de pessoas por pequenos fascistas; o pavor de quase todos clamando por mais criminalizações de condutas; o sossego fictício de cada um protegido pelas penalizações; polícia, polícia e exércitos; a ausência de atitudes libertárias; o amor à democracia e à pátria; o ardente desejo de participar; o desaparecimento do inesperado e do intempestivo; a vida recoberta de discursos justificadores de todas as práticas; a vida como um campeonato de pontos corridos e muitas copas disso e daquilo; a indisposição para incomodar-se; a disposição para estar bem situado e ser um vencedor; a avalanche de certificações sufocando a inteligência; a vida nos computadores e os seus milhões de amigos no facebook e similares; a época das burguesas com pequenos desvios; o monitoramento de qualquer trajeto; a modulação dos controles ... ; ; ; : : : o fim do trema na língua portuguesa................................................................................ o reino das palavras. Onde estão os espaços das imensidões para a vida como obra de arte?
"que condição é esta em que só posso ter paz deixando de saber e de viver, em que o apetite de conquista se choca contra os muros que desafiam seus assaltos?" (albert camus).
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