“A luta e intensa mobilização pela PRL se entende apenas em uma sociedade pós-fordista. Os ganhos obtidos pelo trabalho não são mais para efeito de poupança, mas sim para consumo”. A afirmação é do pesquisador e doutor em sociologia do trabalho pela Universidade Federal do Paraná – UFPR Cesar Sanson.
Eis o artigo.
A greve dos trabalhadores da planta industrial da Volkswagen em São José dos Pinhais já ultrapassa vinte dias e já é a mais longa na recente história da luta dos trabalhadores das montadoras no Paraná. Os metalúrgicos querem R$ 12 mil de Participação nos Lucros e Resultados - PLR. Eles têm como referência seus companheiros da Volvo e da Renault, que ao lado da Volkswagen compõe o parque industrial automotivo da Grande Curitiba, que ganharam respectivamente R$ 15 mil e R$ 12 mil de PRL.
A PRL seduziu a luta operária mais do que qualquer outra luta. A possibilidade de ganhar, de uma só vez, uma grande quantia de recursos atrai fortemente os trabalhadores. A PRL é vista como um atalho para o consumo rápido e instantâneo que não exige o sacrifício da poupança e o adiamento do consumo. A sociedade impele e exige o consumo imediato. Não consumir é frustrar-se. A instaneidade do consumo não dá espaço para a frustração e, ainda mais, permite a conectividade com os outros e com o meio em que se vive. Um carro, um celular, um ipad, um notebook, um tênis, amplia a sensação de pertença e eleva a auto-estima junto aos demais.
A reivindicação pela PRL se transformou em luta biopolítica. O capital investe na bios, na vida do trabalhador, procurando ativar seus recursos subjetivos/imateriais – conhecimento, comunicação e colaboração – na produção e na definição do que produzir. É a subjetividade/sociedade que determina a produção, o que produzir. Quanto mais ativada a subjetividade no trabalho, mais possibilidades e potencialidades de ganhos têm o capital, diversifição produtiva e produtividade. A produção biopolítica pode ser o diferencial para o capital num mundo globalizado e competitivo.
A produção biopolítica produz simultaneamente a luta biopolítica. O trabalhador retroalimenta sua subjetividade nos circuitos produtivos e fora dela – na sociedade de signos e símbolos a serem produzidas e adquiridas pelo consumo. Produção/subjetividade + subjetividade/ sociedade + produção/sociedade/consumo = produção de si. A PRL é uma síntese dessa equação. Subjetividade no trabalho significa mais produção, que redunda em mais ganho, que permite mais consumo, que resulta em mais subjetividade. O circuito se retroalimenta.
A luta e intensa mobilização pela PRL se entende apenas em uma sociedade pós-fordista. Os ganhos obtidos pelo trabalho não são mais para efeito de poupança, mas sim para consumo. Ainda mais: consumo de produtos não estandardizados, produtos que significam plus para a subjetividade. Erro do capital: querer explorar os trabalhadores com padrões fordistas em uma sociedade pós-fordista.
A resistência dos trabalhadores da Volkswagen em São José dos Pinhais (PR) pode ser compreendida e interpretada de duas formas: A primeira como uma luta conservadora, luta de quem ficou refém de um mecanismo, a PRL, introduzida no contexto da flexibilização das relações de trabalho em consonância com a lógica liberal hegemônica nos anos 90. Mecanismo em que o ganho está vinculado ao engajamento do “vestir a camisa da empresa”, e pelo qual, o capital dilui ganhos reais a serem incorporados nos salários em um bônus – a PLR não incide sobre os direitos e tampouco representa percentagem a ser nominalmente acrescida ao salário.
Pode, por outro lado, ser entendida como luta biopolítica. Luta de quem quer afirmar a subjetividade mesmo que orientada pelo consumo. Afirmar a subjetividade pode também ampliar a autonomia e o caráter emancipatório em relação ao capital. A mesma subjetividade que o capital quer controlar pode se voltar contra ele.
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