Em crônica ficcional pero no mucho, sondagem sobre os mecanismos que orientam a tomada de decisões, nas atuais democracias representativas
Por André C. F. Sampaio*, colaborador de Outras Palavras
A reunião era séria. Havia muitas pessoas no auditório e o coração do velho homem estava apreensivo como há muito ele não sentia. Seres desprezíveis, na opinião dele, estavam naquele momento dirigindo toda aquela discussão. Todos na sala tinham algo a dizer e quando o faziam traçavam ótimos argumentos e realmente era difícil tomar um lado. Muitos surpreendiam o velho homem, pois seus discursos eram cheios de convicção e de ideias inegavelmente nobres. Pessoas marcadas por ações duvidosas no passado, estavam ali sugerindo bons caminhos para uma saída de todo aquele problema. Onde estavam os vilões? As dúvidas eram genuínas e os caminhos planejados de muitas maneiras levavam a várias boas estratégias. Qual seria a melhor ideia? Essa era a questão.
O velho homem começou a sentir vergonha de ter pensado mal de todas aquelas pessoas. Ele lembrava que muitos que estavam ali eram inimigos declarados, mas agora concordavam entre si e se elogiavam. Eu perdi algum capítulo dessa história? Questões religiosas, políticas e ambientais pareciam não fazer mais diferença, todos pareciam querer acertar e descobrir o melhor caminho. Seria um milagre?
Começou então a fazer uma análise crítica utilizando de toda sua malícia adquirida em muitos anos de política, mas que agora parecia não existir. Quero fazer algo de bom, quero acertar na decisão. Analisou os discursos que já haviam sido feitos e os motivos que estavam levando as contradições com o passado de cada orador. Realmente era possível achar vários motivos para toda aquela “maravilha”. Um ou vários interesses obscuros podiam estar por de trás de todas aquelas palavras. Será que alguém realmente tinha apenas boas intenções e que não levaria vantagem própria nenhuma com suas proposições? A resposta com certeza era única: Não, não havia ninguém. O velho homem chegou a sua velha conclusão:As pessoas sempre pensam em vantagens próprias, mesmo vantagens puramente emocionais. No final das contas as vantagens variavam, mas o tipo de vantagem que cada um levaria era o que poderia classificar o caráter e a qualidade das pessoas e das propostas. Seria isso? Que bobagem é essa que estou pensando?
Todos falavam tão bem e pareciam estar tão certos. Existem várias verdades neste assunto? Qualquer estratégia parece levar a uma boa saída? Era isso que parecia. O velho homem começou a traçar um diagrama no papel que dispunha em cima da mesa, colocava as vantagens das propostas e quantas pessoas seriam gratificadas futuramente, além disso, inseria as prováveis vantagens que o elaborador da proposta levaria. O intuito era achar a proposta que agradaria o maior número de pessoas e que levaria as vantagens mais honradas ao propositor. Essa deveria então ser a proposta a ser seguida. Ele conseguiu chegar a uma proposta que ajudaria muitos e que só daria vantagens emocionais ao seu propositor como: ser elogiado no futuro, receber gratidão, e outras. Isso é possível? Ele tinha uma ótima visão das coisas, mas poderia não estar enxergando algo sobre aquele homem, sobre aquela proposta.
Como é difícil confiar nas pessoas. Eram tão boas todas as propostas que a melhor tinha que ser aquela que partia do homem mais justo e correto. Seria isso?
Praticamente todos os homens que estavam na sala tinham um passado duvidoso, marcados por ações sem lógica ideológica. A ideologia existia em todos, mas sempre podia ser encoberta por futuras vantagens ou um plano de linhas tortas, onde os fins justificam os meios. Os fins justificam os meios? Depende da situação? Como posso julgar esses homens?
Finalmente chegou a vez do velho homem fazer seu discurso. Ele deveria indicar o caminho a ser seguido, tinha esse poder. O coração do pobre homem estava acelerado, desesperado e todos pareciam conseguir ouvir aquelas batidas frenéticas. Ele tinha suas próprias vantagens ideológicas, econômicas e emocionais sobre cada proposta. Se escolhesse a que lhe daria maiores vantagens seria julgado por todos da sala. Mas isso normalmente ninguém se importa, pois todos fazem. Dessa vez ele queria tomar a decisão que fosse correta para a maioria. A maioria sempre tem razão. Será? Na verdade ele sabia que gostava daquele poder e do respeito promovidos pelo seu cargo, mas sabia que nem sempre escolhia os melhores caminhos. Sou realmente competente para fazer isso?
O velho homem tinha muita experiência, mas não sabia de tudo e nem conhecia tão bem todos os problemas que lhe eram apresentados. Na verdade nenhum outro saberia também. Será?
Vários minutos haviam se passado e o velho homem estava de cabeça baixa e simplesmente não dizia nada. Finalmente ele enxergou o que devia fazer. Não vou declarar, nem escolher nada, vou renunciar estas responsabilidades, sou incapaz, não estou apto para isto. Alguém realmente conhecedor dessa problemática virá ao meu lugar.
Ele concluiu que quando todas as propostas parecem corretas, ou quando existem muitas dúvidas, isso indica que se sabe pouco a respeito do assunto. Não existem várias verdades. Só existe uma. O velho homem não sabia realmente como fazer aquela escolha, e provavelmente em várias ocasiões fez o que não deveria, mas dessa vez ele queria o certo. Saiu vaiado do auditório, mas se sentia honrado.
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André C. F. Sampaio é músico, engenheiro florestal, doutor em Geografia e um dos animadores da Sociedade Chauá
Todos querendo o melhor caminho? Com relação a terceiros? Sim seria um milagre!
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