domingo, 21 de fevereiro de 2010

POETAGENS ALHEIAS

Já faz algum tempo que perdi a mania de guardar recortes de jornais. Chegou ao ponto em que ficavam os humanos morando em casa, ou dávamos todo o espaço aos recortes de jornais. Já fiz várias triagens e aos poucos me desfaço das coisas que já se tornaram desnecessárias. As que ainda não ganharam o estatuto de desnecessárias, mas já não detém mais a condição de absolutamente necessárias, ganharam o lugar do porão pra residir no tempo de trânsito para um outro estatuto. Mas alguns recortes ainda ocupam a pasta das poeticidades e de tempo em tempo lhes passos os olhares dos olhos, numa confusa sensação que me faz lembrar Borges: “O tempo é a substância da qual sou feito./ O tempo é um rio que me leva,/ mas eu sou o rio;/ é um tigre que me despedaça,/ mas eu sou o tigre;/ é um fogo que me consome,/ mas eu sou o fogo”. Nessas olhaduras, reencontrei uns escritos do Fernando Bonassi, dos quais muito gosto, e aí vai um deles:
“ESCREVER – Você acorda e toma o café que puder. Você nem precisa sentar. Você pega um papel, uma caneta (que não precisa apontar) e então escreve. Primeiro você escreve contra Deus. Depois escreve contra a família. E, desse mesmo jeito, escreve contra os homens. Você pode escrever com um copo de veneno ou com uma injeção de ânimo, não importa, mas você escreve. Você também escreve porque você escreve e não há maior razão que essa. Você escreve amassando o pão do diabo, vendo as notas sumirem da carteira e levando pé no rabo. Ainda assim, você escreve. Escreve quando vale a pena e quando vale nada. Quando faltam as palavras você escreve. Você escreve uma do lado da outra. Com muita verdade. Especialmente quando escreve o inventado”.

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