domingo, 3 de março de 2013

hypomnemata 152


Boletim eletrônico mensal
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 152, janeiro de 2013. 

Governamentalidades da sobrevivência 2

         No final de 2012, novamente foi reavivada na cidade de São Paulo a Operação Saturação
         Saturação, termo proveniente da química, que indica o alto grau de concentração de elementos específicos em uma mistura heterogênea. 
         Saturação, termo que, no linguajar militar, significa bombardear concentradamente uma posição inimiga. 
         Saturação, termo proveniente da medicina, que indica o nível percentual de oxigenação no sangue. 
         Saturação, termo apropriado pela linguagem policial para designar asfixia
          Operação Saturação por Tropas Especiais (OSTE), ação policial repressiva e comunitária impetrada pela polícia militar – versão similar ao Choque de Ordem, no Rio de Janeiro –, como a primeira das etapas de escalonamentos primários, secundários e terciários da denominada política preventiva no interior do Programa Virada Social (PVS)
         Este programa teve um de seus inúmeros inícios no ano de 2006, no Jardim Maria Elisa; somados a seus primeiros ensaios em 2005, oficialmente inaugurado no ano de 2007 (ver hypomnemata 107, de março de 2009, em http://www.nu-sol.org/hypomnemata/boletim.php?idhypom=125). 
         Entre os anos de 2005 e 2007, a Operação Saturação já contabilizava oito edições, envolvendo o Jardim Elisa Maria, São Mateus e Paraisópolis. 
         No início de 2011, o balanço em relatório oficial do Programa Virada Social destacou a importância da Operação Saturação em regiões denominadas vulneráveiscomo elemento imprescindível e apontou para a necessidade de maior articulação entre a polícia e serviços de proteção social. 
         O Programa Virada São Paulo, cujas metas projetadas em Paraisópolis se encerrariam em agosto de 2012, pode garantir sua maior longevidade a partir da reativação da Operação Saturação em outubro. 
         Mas não só, o Programa Virada São Paulo foi ampliado para vários pontos da cidade e do estado sob o argumento favorecedor ao desenvolvimento local sustentável e em simultaneidade à Operação Saturação
         Multiplicou-se em vários pontos do estado sob a justificativa do combate ao crime e à matança perpetrada pelo PCC e seus sicários, pela polícia e suas milícias. 
         O PCC, as polícias, as milícias, os sicários negociam, matam, traficam, participam do gerenciamento da gestão compartilhada das prisões, executam, torturam, gerem benefícios; disputam territórios; participam, cada um a sua maneira, de meandros específicos que proveem lavagens diversas de dinheiro. 
         Assim são abastecidas as contas de emergentes e abastados “homens de negócios”. 
         De tempos em tempos, no vaivém desse jogo, dessa “mágica capitalista” de tráficos e investimentos políticos legais que transforma 1 dólar em cinco, o negócio desanda, ou melhor, emperra. 
         Daí advém uma avalanche de programas de reação voltados à sobrevivência pela disputa na gestão compartilhada da segurança de negócios políticos que partem de um tríptico que muito se aproxima também do termo saturação: naquilo que dilui e concentra; no que restaura por oxigenação e no que asfixia.
crianças e jovens nas saturações de pastores laicos

         Em meados da década de 1990, e mais especificamente em 1997, reativava-se, a partir de São Paulo, a discussão sobre “a necessidade de maior penalização” para jovens no país e o clamor por mais polícia e segurança nas ruas e nas prisões para jovens. 
         Um dos pretextos na ocasião foi o caso do Bar Bodega – no qual se “supôs” o envolvimento de um jovem menor de 18 anos –, somado às rebeliões de jovens em unidades de internação, eufemismo para cárceres, no estado de São Paulo, acompanhadas de fugas em massa. 
         O episódio arregimentou os fascistas de classe média, da região de Moema, dos Jardins e arredores no Movimento Reage São Paulo – sua versão similar na época encontrava-se no Movimento Viva Rio (conhecido, entre os cariocas, como Viva Rico), articulado por fascistas de classe média após ondas de “arrastões” na orla carioca. 
          Em outubro de 1997, ocorreu na PUC-SP, o primeiro Seminário Internacional Abolicionista, que marcou a urgência e possibilidade efetiva de abolição da prisão para jovens no país. 
         Um famoso especialista na área da defesa de direitos na época vociferou: “mas, se as prisões para jovens acabarem o que vai ser de meu emprego?” 
         O Movimento Reage São Paulo sumiu na luz, entretanto aglutinou na ocasião o respaldo não só do Estado como de inúmeros setores da chamada sociedade civil organizada. 
         Na época o lema da vez já era “pacificar a periferia”. 
         O Movimento Reage São Paulo catalizou argumentos complementares que iam de jornalistas de renome, propalando que “a vontade de qualquer pessoa normal é enfiar o cano do revólver na boca dessa sub-raça e mandar ver”, até o de entidades que monopolizavam na ocasião as subvenções às produções culturais no país. 
         Em especial no estado de São Paulo, elas encamparam a defesa escancarada da “responsabilidade” que deveria caber a todos no “combate ao crime”, equalizada ao da ação responsável que deveria levar polícia e cultura às regiões da cidade onde se encontravam o que era denominado por “indigentes culturais”. 
         É neste escopo trazido pelo Movimento Reage São Paulo que se encontra não a origem institucional partidária, mas uma das inúmeras procedências políticas doPrograma Virada Social
         Programas como este não prescindem da polícia com ou sem farda, com um conjunto de iniciativas voltadas ao que passou a se denominar de responsabilidade social articulada ao fomento de negócios sociais
         O Movimento Reage São Paulo sumiu na luz, mas no mesmo diapasão, foi uma das procedências que marcou o surgimento posterior do Instituto Sou da Paz, com sua versão similar no Rio de Janeiro com o Instituto Viva Rio, e ambos com suas variações distintas e conexões respectivas tanto com o programa Virada Social (SP) que serviu de esteio para o Virada Cultural (SP), como para o itinerário do Programa de UPP/UPP Social (RJ); no esteio do esteio a versão praiana do “Virada Cultura” paulistano encontra-se no “Viradão Carioca”. 
         Ambos os institutos também estabelecem suas articulações específicas no exterior, em países como Haiti e Colômbia. 
         Em 2006, por sua vez, a Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor (Febem), cria descentralizada da Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM) era redimensionada em Fundação Casa, e foi no interior desta passagem e por ela que se introduziu, simultaneamente, o deslocamento do conceito de administração para a denominada gestão compartilhada
         FUNABEM e Febem foram forjadas durante a ditadura civil-militar sob a égide da construção de crianças e jovens como uma questão de segurança nacional e sob os parâmetros de uma Política Nacional de Segurança. 
          Mais uma vez, não se lidou com a possibilidade da abolição de prisões para jovens no país. 
         Entretanto, consolidou-se o desenho acabado proposto pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) em conjunto com:
• a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) e Ministério da Justiça, em comemoração, na ocasião, aos 16 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
• o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) que viria a se constituir em padrão internacional a ser mirado por outros países, em especial os da América do Sul.
         Nunca é demais lembrar que a gestão compartilhada, direcionada tanto ao gerenciamento de unidades de internação e semi-internação, quanto ao acompanhamento de jovens que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto, e que se exercita em inúmeros espaços físicos e eletrônicos provém, e muito, da continuidade da existência de prisões para jovens. 
         Em 2007, o Programa Virada Social na cidade de São Paulo já se firmava como um “programa de segurança com qualidade de vida”. 
         No mesmo ano era implementado no país o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI), sob escopo também advindo do SINASE, cujo um dos balões de ensaio foi o projeto Territórios de Paz com jovens considerados vulneráveis
         Demarcou-se, institucionalmente, a questão da segurança à qualidade de vida e consagrou-se o conceito de vulnerabilidade conectado à chamada cultura de paz.
saturações de pastores

         A benevolência é uma das virtudes cultivadas na condução rumo à felicidade da política. 
         A benevolência é uma das virtudes consagradas à condição da entrega de si ao governo de alguém. 
         A benevolência é um dos requisitos para seguir mortificado sob a condição de sobrevivente, em variações de governos que atravessam:
• o morto-vivo que trafega pelas ruas;
• os grã-finos entediados e abastados de benemerências;
• os empresários com bancos, com Estado e sociedade civil;
• ONGs, institutos, certas universidades que abastecem de responsabilidades compartilhadas o mercado de ações;
• configura-se o “mercado ético” o mercado de direitos e de assistências, o mercado das proteções que jamais prescindiu da matança.
         E o mercado do tráfico e das bolsas e das matanças segue em compasso com o Estado em conjunto com a sociedade civil na continuidade do aprisionamento de crianças e jovens, entre muros e além deles. 
         Asfixia-se também a céu aberto, preenchido por governos de ambientes
         Felicidade é tema tão caro à política e que a faz tão cordata e carnífice.
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