terça-feira, 5 de outubro de 2010

DIVULGAÇÃO: Eleições 2010: o voto conservador e os temas ocultos

5/10/2010 - Eleições 2010: o voto conservador e os temas ocultos. Entrevista especial com Ivana Bentes
Em: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36968
Ainda que Marina Silva fosse a representante das ideias ecologicamente sustentáveis, o debate sobre a relação desse tema com desenvolvimento e pobreza não foi aprofundada, trazendo para discussão apenas os tradicionais temas presentes nesses períodos eleitorais. Quem aponta essa questão é a professora Ivana Bentes, que concedeu a entrevista à IHU On-Line, por telefone.
A cultura também não teve espaço nos debates, atesta a professora. “E isso é decisivo para pensarmos o capitalismo cognitivo, capitalismo da informação e da comunicação”, afirma. Ao analisar o resultado que levou Dilma e Serra para o segundo turno, Ivana afirma que imaginava que Dilma ganharia no primeiro turno e, ao analisar o argumento de que um país como o Brasil não pode eleger um presidente em primeiro turno, ela discorda veementemente. “O apoio político inicial significa cacife para mudanças com menos alianças, legitimado pelo voto popular”, justifica.
Professora de comunicação, Ivana também avaliou os espaços ocupados pelas eleições em redes sociais como o Twitter e o Facebook. “Foi uma possibilidade de um ensaio, ainda tímido, de democracia direta e participativa. Não basta votar em alguém para o Congresso, é preciso ter um diálogo constante com estes candidatos através dessas ferramentas que aproximam o político do seu eleitor”, afirmou.
Ivana Bentes é graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde fez o mestrado e o doutorado em Comunicação e, atualmente, é professora e Diretora da Escola de Comunicação da UFRJ. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que temas foram esquecidos nas eleições 2010?
Ivana Bentes – Basicamente, a questão da cultura. Um dos temas mais emergentes no Brasil hoje é a questão da cultura, ou seja, faltou discutir toda uma série de possibilidades de atuação e intervenção através do campo da cultura. E isso é decisivo para pensarmos o capitalismo cognitivo, capitalismo da informação e da comunicação. A cultura já deixou de ser um luxo. Ela é um campo à parte. Os candidatos focaram muito nas questões tradicionais: saúde, educação, distribuição de renda. Além disso, o discurso ecológico, de uma forma mais aprofundada, não foi feito. E isso é muito estranho, uma vez que a candidata Marina Silva é do Partido Verde. A discussão sobre ecologia e desenvolvimento e sobre a relação entre ecologia e pobreza não foi feita.
IHU On-Line – O segundo turno entre Dilma e Serra era esperado pela senhora?
Ivana Bentes – Eu acreditava que a eleição terminaria no primeiro turno em função dos altos índices de aceitação do próprio Lula e porque Dilma vai dar continuidade a uma série de programas do atual presidente. Esse voto da classe C parecia que estava mais ou menos definido. Agora, o segundo turno indica uma espécie de emergência de um novo centro do Partido Verde, que já está presente em todo o mundo, que se alia a todo um pensamento liberal que tira da pauta a distribuição de renda, pobreza, precarização do trabalho em nome do discurso ecológico “zen-empresarial” que me parece bastante redutor em termos do entendimento de uma série de questões. A pauta ecológica, então, aparece, mas de forma diluída e ligada a uma série de crenças liberais indicando o surgimento no Brasil de um partido de centro que não é uma esquerda comprometida com certas questões, como a pobreza, mas ainda com um discurso meio frouxo em relação ao ecologismo zen e inofensivo pela falta de aprofundamento desse debate.
Entre os 20% que votaram na Marina estão os votantes envergonhados do Serra, que não assumem um voto de direita e extremamente conservador, mas também não se identificam com algumas questões em voga no Brasil, como a questão da distribuição de renda, o acesso à universalização da educação e que são questões que estão aí. O mais complicado deste primeiro turno foi a presença de discursos como “antiaborto” no campo do comportamento. Por isso, podemos dizer que uma parcela da classe C também votou na Marina, como os evangélicos ligados a essa discussão de uma pauta extremamente importante em termos de comportamento e mentalidade.
IHU On-Line – E o voto de Marina, para quem vai?
Ivana Bentes – Existe uma parte grande do eleitorado que efetivamente queria um segundo turno, usando um argumento bastante discutível dizendo que não podemos eleger um presidente da república com uma aprovação tão grande porque isso significa um capital simbólico e inicial muito grande. Eu penso exatamente o contrário: Lula fez o que pôde em termos de mudança porque, justamente, tomou posse com um número expressivo de votação. O apoio político inicial significa cacife para mudanças com menos alianças, legitimado pelo voto popular.
Quem votou na Marina por questões evangélicas, religiosas, de comportamento antiaborto, preocupada com a ascensão da classe C vai votar no Serra, afinal é um conservador. Ou seja, o votante envergonhado do Serra, no segundo turno, se decide. Assim, haverá uma divisão dos votos da Marina, uma parte para Dilma e outra, para Serra. Muita gente está falando numa carta de compromisso e aliança entre PV e PSDB e isso parece previsível em termos políticos. Esse discurso ecológico zen tem toda uma visão empresarial descompromissada com uma série de pautas históricas. O cenário é esse. Os votos da Marina vão se reconduzir, se redirecionar para Dilma para quem têm as questões da ecologia como uma pauta necessária, mas dentro e aliada a discussões como distribuição de renda, proteção social, importância de projetos como o Bolsa Família, redemocratização da educação. Ou seja, uma política com os pobres.
IHU On-Line – Como a senhora avalia o uso dado às redes sociais nesse primeiro turno? Como a senhora vê movimentos como o #ondaverde e o #BomDilma?
Ivana Bentes – Eu acho que são importantíssimas essas quebras de paradigmas. Até os debates na televisão foram comentados nas redes sociais como uma decepção enorme, com o formato engessado e publicitário. Ao mesmo tempo, essa possibilidade é algo concreto para se intervir nesse campo e para pensar novas estratégias de campanha. E mais: o contato mais direto no Twitter e Facebook. Foi uma possibilidade de um ensaio, ainda tímido, de democracia direta e participativa. Não basta votar em alguém para o Congresso, é preciso ter um diálogo constante com estes candidatos através dessas ferramentas que aproximam o político do seu eleitor. Não tenho dúvida disso. Alias, hoje começou um movimento pedindo aos candidatos eleitos que não abandonem sua presença virtual.
Agora, se dá um novo entendimento de político que sai um pouco dessa questão da democracia representativa e aponta questões para pensarmos a democracia plebiscitária, de participação direta da decisão daquele que te representa. Parece-me que esses são os horizontes, obviamente que ainda limitados em função do acesso da população à própria rede. São, hoje, certos nichos que estão tendo o privilégio de experimentar uma forma de diálogo e aproximação através das redes sociais. Eu acompanhei bastante a questão das eleições no Twitter e Facebook e vi que dá para se fazer discussão, postar informação, apresentar contradiscurso em relação a uma mídia poderosa, como a televisão que foi muitas vezes discutida, desmentida, reanalisada através das redes.
IHU On-Line – A Folha protagonizou momentos que foram questionados pelos leitores quanto a sua prática jornalística durante o pleito. Já o Estado de São Paulo anunciou o apoio a Serra em editorial. O que isso diz sobre a relação entre jornalismo e política, atualmente?
Ivana Bentes – Há duas questões importantes que têm que ser colocadas: tanto a forma mídia de massa quanto a forma partido tradicional estão em crise. A mídia tradicional pensada na forma de produção de poucos para muitos, o monopólio dos meios de comunicação, a impossibilidade que tínhamos dessa diversificação de vozes e posicionamentos terem visibilidade e alcance é colocada em questão com a entrada e o uso das redes sociais. Além disso, há uma codependência enorme entre partido e mídia. Os partidos se apresentam, muitas vezes, na sua forma midiática, publicitária. Portanto, os partidos tradicionais também estão em crise, se pensarmos na sua relação com o jovem, na renovação do discurso político. Tanto nessa questão da relação da mídia com a política e dos partidos com a mídia temos que pensar exatamente como a forma tradicional está em crise, além disso, precisamos identificar quais são os limites dessas organizações e instituições.
Se vimos a mídia atuando como partido político, poderíamos perguntar se os jornais têm um projeto político e precisamos imaginar que esse projeto é uma defesa dos negócios da própria mídia. Todas as políticas públicas que criticaram o negócio da comunicação ou que apontavam para uma intervenção no negócio da comunicação foram bombardeadas. A Conferência Nacional de Comunicação não teve qualquer repercussão nos “grandes” meios. Toda a discussão e mobilização social não teve repercussão nos jornais. Por isso, é importante pensar, apesar da cobertura parcial e tendenciosa de alguns grandes veículos de comunicação, que o resultado do voto popular não bate com essa tomada de partido. Esse dado é importante porque a ideia de onipotência da mídia é colocada em xeque.
IHU On-Line – Como explicar o fenômeno Tiririca?
Ivana Bentes – É um esvaziamento da ideia de partido e política tradicional. Na verdade, o voto no Tiririca mostra uma visão bastante conservadora por parte do eleitor que generaliza a política como o lugar da corrupção, como algo da mera ordem da representação que não faz a menor diferença. Penso que esse é um voto da desqualificação do político. Esse é o voto mais conservador possível. Não vejo os vários candidatos que seguem essa linha do Tiririca como um protesto político, parece que é o voto do conformismo máximo que pensa: “todos os políticos são corruptos, não há diferença entre um político x ou y, nem entre partidos”. Esse é um voto que generaliza, nivela por baixo e que joga todo o campo da política no esgoto público.
IHU On-Line – Os modelos utilizados hoje de debate político são eficientes?
Ivana Bentes – Não, são extremamente limitados, engessados, não dão a possibilidade de se trabalhar com as diferenças. Eles jogam os diferentes candidatos nesse, como eu disse, esgoto público da semelhança. Todos falam em nome da educação, da saúde e da segurança, que foram os temas recorrentes discursos. Ali a singularidade dos candidatos mal aparece. Toda a singularidade que poderíamos ouvir, por exemplo, da Dilma sobre a cultura digital, sobre a banda larga, mudanças em relação às novas tecnologias não é visível no debate televisivo. Há um achatamento do que há de igual. Nesse sentido, o debate televisivo acaba levando ao voto do Tiririca. Há uma dificuldade de se ver as diferentes singularidades entre os candidatos. Elas até aparecem em alguns momentos, mas o formato achata. Além do mais, foram em cima do trivial, do contextual, do escândalo. Quando se discute o escândalo, não se discute estrutura, o que interessa, o que efetivamente muda. Esse debate espetacularizado em cima do escândalo, do boato, do que ainda não tem consistência, é extremamente contraprodutivo para o próprio eleitor.

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