Ou algumas razões para votar 13 no dia 31.
Por Arnildo Pommer - Doutor em Filosofia pela PUC-RS.
Por detrás do diminutivo “Zé”, aparentemente boa praça, se esconde algo cuja perversidade nós não temos como medir de imediato. Para compreender tal perversidade é preciso recorrer à formação histórica de seu significado na defesa do capital internacional e associado, o seu significado contra a classe trabalhadora, contra as riquezas naturais, contra a inteligência e a força de trabalho dos brasileiros. Mais ainda, contra o Estado republicano democrático, pois quando o interesse do capital privado se sobrepõe ao do Estado prenuncia-se o fim do Estado de Direito, da representação política e prevalece o despotismo neoliberal sobre a dignidade dos cidadãos. E não é gratuita a postura dos sites de notícias dos principais jornais conservadores do Brasil que, paulatinamente, vão substituindo o item de busca “Política” pelo de “Poder”. Não é gratuita a afirmação do candidato Zé de que ele quer fazer um governo “acima dos partidos”, pois a finalidade clara e objetiva disso tudo é a de eliminar o político e acabar com a idéia de representação democrática, mas vejamos rapidamente alguns dados históricos.
A representação política tem por finalidade instituir e dar corpo permanente à democracia num Estado republicano de direito, que é o Estado regido por uma constituição como a do Brasil. Contudo, no Brasil, a representação democrática, desde a proclamação da República passou pelas mais diversas formações e deformações. Parece que agora, apesar do populismo, das ditaduras e até das “forças ocultas”, o País tem conseguido alcançar o seu grau mais apurado no exercício efetivo da democracia representativa, mas ela corre o risco de mais um forte revés por intermédio de acentuada guinada à direita, caso o “Zé” deixe de ser apenas um diminutivo e se torne o presidente do Brasil no dia 31 de outubro de 2010.
Explico. Com a aliança PSD/PTB* que elegeu Juscelino Kubitschek em 1956, o congresso nacional, apesar de conservador e populista, conseguia em determinadas circunstâncias representar os trabalhadores brasileiros. Porém, aquela representação, conforme Dreifuss** (1981) prejudicava o Plano de Metas de Juscelino. Aquele plano consistia na abertura radical da economia brasileira ao capital estrangeiro. Diante daquela dificuldade, foi preciso montar uma espécie de “estado paralelo” a fim de viabilizar a realização dos interesses do capital estrangeiro. “Os interesses multinacionais e associados [burguesia nacional associada ao capital estrangeiro] tiveram de procurar outros fatores para produzir diretrizes que levassem à sua consolidação econômica” (Dreifuss, 1981, p. 35). Obviamente, a oportunidade foi dada por Juscelino que se esmerou para acabar coma a representação política do Congresso, inventando um aparato gerencial de poder a fim de colocá-lo em seu lugar, como explica Dreifuss:
"Com efeito, com a implantação de seu Plano de Metas, e como pré-requisito para a sua realização, foi criada uma ampla gama de organismos de planejamento e consultoria e comissões de trabalho, os Grupos Executivos. Eles formavam uma administração “paralela” coexistindo com o executivo tradicional e duplicando ou substituindo burocracias consideradas velhas e inúteis. Essa administração paralela, composta de diretores de empresas privadas e empresários com qualificações profissionais, os chamados técnicos, e por oficiais militares, permitia que os interesses multinacionais e associados ignorassem os canais tradicionais de formulação de diretrizes políticas e os centros de tomada de decisão, contornando assim as estruturas de representação do regime populista" (1981, p. 35).
O que de fato ocorreu foi uma espécie de golpe de estado, pois foi tirada do Congresso Nacional a possibilidade da crítica e do controle dos atos do executivo, porque os “grupos executivos” agiam em sigilo, protegidos pelo aparato repressivo do Estado: “Isso ocorria pelo fato de estarem, as agências que faziam parte da administração paralela, não somente envolvidas em sigilo administrativo, assim como operarem sob a cobertura ideológica de uma racionalidade ‘técnica’ e ‘perícia apolítica’ que supostamente as tornava imunes a pressões partidárias ou privada” (1981, p. 35). Mas, para que este modo de administração alcançasse os seus objetivos, foi necessário controlar o Estado, de modo que o político ficasse submetido à “racionalidade técnica”. De certa maneira esse controle do Estado pelas grandes corporações internacionais e nacionais resultou numa ditadura não declarada, cuja principal conseqüência foi a preparação do golpe de Estado de 1964, para consolidá-lo.
Paralelamente ocorreu o amordaçamento das forças populares, embora dada a face populista e desenvolvimentista do regime de Juscelino, este seu aspecto repressor foi dissimulado. Naquele período houve efetivo aumento das desigualdades sociais e regionais, proeza conseguida pela repressão e controle ideológico da população, com a proibição de partidos de esquerda e gestação de aspectos significativos da doutrina da segurança nacional. Cito mais uma fez o livro de Dreifuss. “Não foi por acaso que durante o regime de Juscelino Kubitschek as noções de segurança militar se concretizaram; foi o próprio Juscelino Kubitschek quem, ao falar à Escola Superior de Guerra, insistiu para que essa se dedicasse ao estudo da potencial ameaça subversiva de forças sociais desencadeadas pela modernização da ordem vigente” (1981, p. 36).
Apresentei um exemplo de como se governa acima dos partidos, isto é, cria-se um sistema sigiloso de tomada de decisões que se sobrepõe à discussão pública e democrática. Não posso, obviamente, aqui, continuar a explorar a riqueza do livro de Dreifuss e discutir com detalhes a passagem do governo de Juscelino ao de João Goulart, do Golpe de Estado e depois, da reabertura política. Abertura, aliás, extremamente “lenta e gradual”, pois somente depois da eleição do Presidente Lula é que podemos falar em democratização do Brasil, muito embora, durante todo o período de 1956 até a sua eleição, tenha ocorrido a consolidação do domínio do capital estrangeiro e associado sobre o Estado brasileiro. Portanto, a eleição de Lula, não foi somente uma busca de melhoria de vida da população pobre brasileira, foi de fato uma tentativa de retomada do Estado, ou pelo menos de dar ao povo brasileiro, via representação no Congresso Nacional, via associações de classe e dos sindicatos, via movimentos sociais, a possibilidade de discussão dos rumos do Estado. Ou seja, tornar o Brasil uma república democrática na qual o político se sobreponha à racionalidade operativa e técnica foi a grande promessa de conquista do presidente Lula, apesar de manter ainda uma face populista e paternalista.
Contudo, o processo está apenas começando. Não se modifica de uma hora para outra a consolidação do controle do Estado que durou mais de meio século. Esta será a tarefa de DILMA ROUSSEFF: dar ao Estado brasileiro as características de uma República Democrática, na qual o Congresso Nacional efetivamente represente a população e não somente os interesses econômicos de poderosos grupos financeiros. Pois bem, é a ciência da retomada da democracia que assusta aos grupos de direita e extrema direita que se manifestam por intermédio da grande imprensa, cujos nomes dos proprietários estão todos no livro de Dreifuss como os verdadeiros patrocinadores do golpe de Estado de 1964, que souberam se utilizar do Exército Brasileiro para conseguir os seus objetivos. Portanto, o “Zé” é um candidato a zé, isto é, a ser um segundo Juscelino, e não é por acaso que ele precise do apoio de Aécio Neves, outro dos herdeiros da demagógica retórica dos defensores do capital monopolista.
É isto que significa, no meu modesto entendimento, a pior guinada à direita depois do golpe militar de 1964. Trata-se de um retrocesso institucional sem precedentes na história pós-ditadura no Brasil, porque todos os esforços de democratização serão controlados pelos aparelhos de repressão, pela violência do Estado, pela violência contra o cidadão comum, violência contra os movimentos sociais e contra os sindicatos, violência esta que se caracterizará pelos ouvidos moucos (manifestações serão reprimidas duramente) e pelo clientelismo. Seguramente aumentará a corrupção, pois a polícia federal será desviada de sua atual função de combatê-la para a de reprimir as manifestações populares. Antes de votar em 31 de outubro, pense nisso. O rumo democrático do Brasil está em suas mãos: é só fazer um 13 do 31. Não é destino e nem superstição que o 31 vire 13, é voto racional e consciente.
* A aliança DEM (ex PFL) e PSDB para as eleições presidenciais de 2010, congrega os grupos de direita e extrema direita do empresariado brasileiro, boa parte deles remanescente da antiga Arena, partido que deu sustentação à ditadura iniciada em 1964 e que pôs fim ao governo democrático-populista de João Goulart. Esses grupos são defensores da herança do Plano de Metas de Juscelino.
** DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Editora Vozes, 1981.
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