domingo, 10 de junho de 2012

flecheira.libertária.249 - nu-sol


saúde e marcas vivas I 
Na última semana, em 18 de maio, foi comemorado, em várias cidades do país, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Um dos temas recorrentes do ano de 2012 foi o fortalecimento da presença do SUS como garantia de acessos aos CAPS e aos tratamentos monitorados por eles. Manicômios e novos monitoramentos em meio aberto se complementam num vaivém entre internações, medicalizações, e agenciamentos colaborativos, engrossados hoje pelo chamado enfrentamento ao crack acompanhado de segurança e limpeza das ruas. Chamam isto de nova “estratégia para a saúde”. Disputam-se verbas, negociam-se projetos, escalonam-se especialistas e fecham-se novos negócios. 
saúde e marcas vivas II 
Basta de internações em hospitais psiquiátricos. Basta da internação de jovens considerados infratores, em manicômios, ou em qualquer unidade de aplicação de medida sócio-educativa. E basta do sequestro político de crianças, que, mesmo sob a democracia, são arrancadas de jovens mulheres internadas em instituições para usuários de drogas, que quando recebem alta são informadas que seus filhos, paridos lá dentro, foram ou serão dirigidos para programas de adoção. 
saúde e marcas vivas III 
O bairro do Bom Retiro em São Paulo, foi um espaço  que, historicamente, abrigou trabalhadores, imigrantes, anarquistas. Foi habitado por subversões e práticas transgressivas. Hoje, o Bom Retiro, faz parte da área coberta pelo projeto Nova Luz e suas atuais assepsias e limpezas de dejetos humanos. Lá, na Rua dos Italianos, é sediada uma unidade especial da Secretaria da Saúde, que dispensa medicamentos de “alto custo” não padronizados pelo SUS. Muita grana envolvida, intermináveis trâmites jurídicos, infindáveis procedimentos administrativo-burocráticos, novos fármacos de última geração, monumentais acertos políticos, atravessados por tráficos indissociáveis de drogas legais e ilegais. Tudo isto em nome das chamadas “estratégias de saúde” coadunadas com as de segurança. É de não esquecer que saúde e segurança são incompatíveis. 
saúde e marcas vivas IV 
E lá, próximo à Rua dos Italianos, no início do século XXI, dobrando a esquina, uma via estampa a placa: Rua Adolfo Gordo. É preciso não esquecer o inaceitável: a abominável Lei Adolfo Gordo, promulgada na primeira década do século XX, subsidiou, prisões, internações de crianças e jovens e respaldou a deportação preferencial de anarquistas e seu envio na década posterior ao campo de concentração Clevelândia, no Oiapoque. Nem mesmo isto conseguiu varrê-los do mapa. É preciso não esquecer onde habita a saúde das resistências. 
comissão da verdade I 
Falou-se em comissão do possível. Ela saiu e já perguntamos para onde vai. A solenidade de posse foi realizada com todos os cuidados para caracterizá-la como um ato de Estado e não de um governo. A emoção da presidente apenas mostrou que não há institucionalidade ou ritual burocrático que resista à memória dos que tombaram e a dor de parentes que veem seus desaparecidos morrerem todos os dias. De resto, seguirão negociações e acordos entre elites, dirigentes e gestores (estatais e privados), próprios de um país conservador e autoritário? A comissão da verdade seguirá como ritual de passagem de uma nova elite política e continuidade pacificadora do novo milagre brasileiro, com sua classe média contente com a redução de juros e  aumento do poder de consumo pelo crédito, em benefício dos empreendedores industriais brasileiros? Como se conduzirão os herdeiros da classe média covarde e assassina que sustentou a ditadura civil-militar de outrora? 
comissão da verdade II 
Duas irmãs de um desaparecido souberam pelos jornais – em matéria a respeito de duvidoso livro de um ex-militar convertido a pastor pentecostal – que seu irmão, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, tinha sido desaparecido numa fazenda de cana de um proprietário colaborador do regime. Seu corpo surrado e assassinado queimou junto com os bagaços de cana e os corpos de outros lutadores. Elas vivem, novamente, a dor da sua morte. O suplício soberano também foi chamado de espetáculo das mil mortes que expunha o corpo marcado. O poder do desaparecimento produz as mil mortes, escondendo os corpos. Mais uma vez, as duas irmãs choraram seu não-corpo. 
ordem assassina 
O Estado preocupa-se com sua estabilidade; faz o possível para que a urgente verdade forjada na luta não perturbe a ordem, nem fira as sensibilidades de militares e conservadores, de políticos e donos de fazendas, e meios de comunicação. Enquanto isso, quantos fernandos ainda desaparecerão? Quantas irmãs, mulheres, amigas, namoradas, mães viverão o suplício sem corpo dos que desaparecem em operações policiais de incursão em favelas, invasões de carandirus, contenções de febens, mandatos de reintegração de posse, operações de pacificação? São mais de centenas os chamados desaparecidos em atuais tempos já democráticos. A propriedade é um roubo, como a escravidão é assassinato; o governo, mais ou menos autoritário, é quem diz quem deve viver e quem deve morrer. Entre um e outro, faz desaparecer como tecnologia que não ousa mostrar sua face assassina, numa outra guerra que  hoje não conta os mortos. Em suma, o Estado, para poder governar, mata silenciosamente. 
dizem que ficou americanizada... 
Disseram que as prisões seriam modernizadas, sem superlotação e destinadas apenas aos casos extremos. Disseram que com o regime das penas alternativas haveria redução de prisões e superlotações. Disseram tudo isso: o Estado e seus secretários, os juízes, os promotores, os defensores dos direitos humanos, os reformadores do código penal, os funcionários das cadeias, os familiares, o PCC, os universitários com suas pesquisas financiadas pelo Estado e com empregos garantidos esbanjando proselitismo pelas mídias. Resultado atual: superlotação das prisões, falta de vagas, excesso de encarceramentos, demasiadas penas alternativas e mais monitoramentos em nome da segurança! E por fim, o melhor do pacote: as empresas privadas construirão e realizarão gestão compartilhada da prisão  como nos Estados Unidos. Deixemos de ser tão escrotos: não há programa de reforma da prisão que não seja para criar mais prisões, mais lucros e mais empregos aos parasitas. E os pobres, a população preferida e escolhida como a potencial criminosa, declaram amar a favela (ou melhor, a comunidade e a segurança!). 

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