domingo, 10 de junho de 2012

aprendizado


por Luiz Fuganti

Aprender não é operação simples. É um processo complexo geralmente submetido a padrões e por isso frequentemente experimentado como um acontecimento frustrante e até mortal. Todo nosso procedimento educacional traz uma espécie de desgosto sutilmente dosado em cada etapa do processo de aprendizado,
 uma vez que o ensino dominante em nossas formações sociais não visa a um aprendizado potencializador das forças ativas imanentes aos modos criativos de vida. Ao contrário, é parte integrante dos mecanismos que operam a serviço de poderes de captura da vida, impondo um aprendizado a partir da inoculação de uma insuficiência de ser. É preciso desqualificar a experiência direta para depois requalificá-la pela aquisição de um sistema de mediação. É preciso desaprender o desejo intensivo imediato para poder inscrever nele uma intencionalidade que possa legitimá-lo - soldá-lo à norma para formar o sujeito moralmente responsável. É preciso desqualificar os movimentos intensos próprios do corpo, produtores de lugares inéditos, para quantificar movimentos segmentados tornados extensos e úteis, distribuí-los num espaço homogêneo e esquadrinhado - organizar o corpo para torná-lo eficientemente útil e atribuir-lhe seu devido lugar! É preciso desqualificar a potência singular dos tempos heterogêneos que emergem na experiência do pensamento, como carente de sujeito neutro e verdade universal, para requalificá-la com representações produzidas por uma cadeia de signos em um tempo homogêneo, submetendo o pensamento à ordem da linguagem com suas generalidades e associações - submeter o pensamento à consciência para formar o sujeito do conhecimento competente que opera com universais.
    Para encontrar um sentido ativo e potencializador na experiência do aprendizado, é preciso problematizar a própria noção de experimentação. Experimentar não é uma simples troca que produziria um enriquecimento instrutivo e agregador de valor, incorporando procedimentos e tempos como provas para uma unidade subjetiva em formação. Esse seria seu sentido aparentemente positivo, mas ordinário. Experimentar pode ter - e tem - um sentido mais nobre. Pôr-se em variação afirmativamente e de modo extraordinário a partir de um encontro intenso de desejo, é produzir diferença real no modo de existir e memória de futuro como condição de continuidade e de relançamento do desejo e do pensamento assim transmutados. 
    O processo do aprendizado depende: 1) do modo como se extrai o ser do devir que experimentamos e também do modo como se conserva no tempo e se disponibiliza esse algo naquilo que passa, esse passado na condição de ser que é, como função de futuro; e 2) do modo como o ser do movimento que produz corpos é extraído e acumulado na forma de dispositivos cerebrais, os quais disponibilizam o movimento extraído, acumulado e contraído no hábito, que se forma no devir do corpo presente. Isso implica o modo como, nesse processo, se produz e investe o registro, a memória, o hábito (modos de produção de cérebro como síntese de movimento e modos de produção de mente como síntese de tempo) e seus dispositivos de repetição. Toda experimentação, nesse sentido, implica um meio de transpor ou lançar-se fora de si, encontrar o lado de fora da fronteira do corpo e da mente como porvir inédito do movimento e do tempo, simultaneamente ao que se modifica ou devém dentro de si, estabelecendo um ritmo capaz de apreender o que pode atravessar a fronteira e amplificar o ser, segundo o que se passa na própria fronteira do devir. Encontrar não alguém ou coisa ou referência, mas algo no que acontece, enquanto acontece, como combustível e intensificador da diferença que quer diferenciar-se ou tomar distância de si mesma. 
    No relacional de cada relação está o meio imanente e a condição imediata da experiência real. E não haveria qualquer relação sem esse meio ou ser comum e necessário que põe (topológica e temporalmente) em contato imediato e direto realidades diferenciais. Aqui, experimentar confunde-se com ser modificado ao máximo, conforme a capacidade de abertura ou de dilatação de que se pode dispor para ser afetado, ao mesmo tempo que modificar e diferenciar ao máximo conforme a capacidade de tensionar ou concentrar, para se compor algo do acontecimento com a diferença que nos constitui, criando realidade ou eternidade (existência necessária). A primeira condição do aprendizado criativo é, portanto, a constituição de um entre, um meio comum afirmativo, extremo do acontecimento, como princípio motor de diferenciação e ampliação da diferença que nos constitui. A alegria do diverso como catálise de modos ativos de experimentação, cujo gosto primeiro é o da eternidade que se produz no acontecimento de cada encontro. 
    Nesse sentido, é preciso diferenciar dimensões, zonas autônomas e limiares de experiência na existência humana, capazes de conduzir diretamente ao aprendizado do encontro ou do reencontro com a fonte virtual imediata de produção de realidade, e evocar como primeiro o aprendizado da conquista ou tomada de parte dessa produção. A experiência do pensamento e o aprendizado dos modos imediatos de produção de diferenças e de sínteses do tempo como singularidades: aprender o que pode o pensamento. A experiência do corpo e o aprendizado dos modos imediatos de produção de diferenças e de sínteses de movimento na matéria: aprender o que pode o corpo. A experiência da escolha ou os modos imediatos de produzir diferenças e sínteses de maneiras de ser: aprender o que pode a ética. A experiência da continuidade do querer e o aprendizado dos modos imediatos de produzir diferenças e sínteses como memória de futuro: o que podem os modos de registro como concentração e re-disponibilização de tempo e movimento, como produção de consistência ou linha livre de continuidade auto-sustentável, incluindo aí a continuidade da capacidade sempre crescente de aprender.

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