domingo, 10 de junho de 2012

arruinar as políticas de drogas


Reposta do Nu-Sol à proposta do Coletivo DAR (Desentorpecendo a Razão) para assinatura do manifesto "Basta de guerra: é hora de outra política de drogas para o Brasil".

ARRUINAR AS POLÍTICAS DE DROGAS
Há alguns anos são variadas as vozes que têm se levantado contra a criminalização de certas drogas. Entre cientistas sociais, militantes, economistas, policiais, juízes e até ex-presidentes passou a circular a avaliação de que as leis que buscaram eliminar certas drogas e as pessoas que lidam com elas não alcançaram o objetivo de “melhorar o mundo”. Ao contrário, elas o teriam piorado. Então, em tempos nos quais essa política das drogascompleta cem anos, seria a hora de mudar, abandonando-a em prol de uma nova política.

Para tanto, ações praticadas transterritorialmente têm procurado mobilizar pessoas para a reforma da política mundial das drogas. São marchas, petições, protestos eletrônicos, eventos, festivais de música, vídeos que denunciam as violências da guerra às drogas e apresentam alternativas. Reunindo, em geral, jovens indignados e corajosos, esses movimentos enfrentam a reação de sociedades conservadoras e moralistas que, municiadas com as sempre atualizadas leis proibicionistas, procuram barrar, censurar e prender os que protestam.

Parte dos críticos do proibicionismo defende que o “problema das drogas” seja enfrentado tratando quem usa como doente e quem vende como criminoso. Outros tantos lembram os efeitos medicinais de muitas drogas ilegais, com destaque para a maconha. Alguns advogam pela legalização parcial ou completa das drogas; com as opiniões variando entre os que acreditam na regulação do livre mercado e os que creem no controle estatal. Muitos, enfim, clamam para que a lógica da repressão e da punição acionada pela ilegalidade das drogas seja substituída pela da tolerância e do acolhimento. Dessa composição de posturas antiproibicionistas despontaria, então, uma nova política de drogas, que, como toda política, contaria com seus códigos, sanções e operadores.

Quando se quer uma política, adere-se a instituições, leis e aos aplicadores dessas leis; assume-se a necessidade e o valor da obediência a um comando superior; defende-se a existência de uma autoridade central responsável pela efetivação da nova política e se aceita a universalidade do novo regime. Uma nova políticapode alterar as correlações de forças, mas não abala a lógica das sujeições e do governo. Uma nova políticatraz consigo os seus juízes, os seus policiais, os seus carcereiros, os seus legisladores; ela cristaliza e torna abstrações, direitos que eram vivos enquanto vibravam nas lutas.

Orientada, ainda, por uma relação estratégia/tática proveniente de certo revolucionarismo de séculos passados, a militância antiproibicionista investe em argumentos humanitaristas – como o do uso médico de drogas ilegais ou da importância de tratar os usuários – a fim de articular uma coalizão ampla e pluralista capaz de avançar pequenas alterações no regime proibicionista. De pouco em pouco, o proibicionismo cairia diante da evidência do seu fracasso e do sucesso de suas reformas parciais.

O afã reformista parece não reparar, no entanto, que, historicamente, as frentes amplas pluralistas fortalecem os conservadores, anulam os ousados, institucionalizam as revoltas, regulamentam a vida. Uma política, nova ou velha, que não prescinde do Estado e das leis universais, acaba por reiterar assujeitamentos e por matar as joviais e insubmissas tradições inventadas na vida em liberdade.

A relação de cada um com uma droga é única e se dá diretamente no corpo, na experiência viva e direta, sem passar por regulamentações universais. As regras que emergem do uso de uma droga são produções locais, formulando um direito pessoal e intransferível entre alguém e uma substância e as pessoas que com ela(s) convivam. Não há lei que delimite o prazer e a dor.

O proibicionismo e sua moral são intoleráveis! No entanto, a mobilização para criar outra política despotencializa o que é crucial: a invenção de novos costumes, de novas práticas, liberadas da moral do castigo e das penas. Há que se dizer sem meias palavras: “pena alternativa” é pena; tratamento compulsório é castigo; distinção entre usuário e traficante é, ao mesmo tempo, humanitarismo e racismo.

Rechaçar o governo sobre si passa pela invenção de liberdade agora, sem transcendentais e abstrações. Arruinar a política é um ato de saúde!


www.nu-sol.org

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