sábado, 26 de outubro de 2013

flecheira.libertária.313

confinados na nação I
No último dia 5, a Constituição Federal de 1988 completou 25 anos. Entre tantas mudanças, a Carta retirou os povos indígenas da condição de tutela e lhes atribuiu direitos como os habitantes originários do território brasileiro. Determinou-se a necessidade de identificação e demarcação de terras ocupadas por estes povos até 5 de outubro de 1993. Atualmente, cabe à FUNAI, autarquia federal, o mapeamento de áreas a serem demarcadas, a partir da realização de laudos antropológicos que objetivam definir os territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas. Passados 20 anos do fim do prazo determinado, grande parte dos territórios já identificados como indígenas não foi homologado ou demarcado pelo executivo. A liberdade dos agora cidadãos de direito permanece confinada nos limites do princípio do governado do Estado. 
confinados na nação II
O artigo 60º da Constituição de 1988 prevê a possibilidade de modificações na Carta por meio de Propostas de Emendas Constitucionais (PEC). Entre centenas de propostas, tramita desde 2000 a PEC 215, que pretende transferir para o poder legislativo a demarcação de terras indígenas. Com a aprovaçãoda PEC 215, os parâmetros para a definição de tais territórios e sua aprovação passariam a ser regulamentados pelo Congresso Nacional. Encurralados, os povos indígenas lutam agora para que sua possibilidade de existência, diretamente ligada à experiência do espaço que habitam, não seja entregue às bancadas ruralistas que, em grande parte dos casos de demarcação, representam justamente os interesses daqueles que historicamente os massacram. A cada ano, mais e mais índios são assassinadosem situações de disputas territoriais por jagunços de fazendeiros, com a conivência dissimulada doEstado. 
mancha de sangue
Na última semana, uma série de protestos de povos indígenas ocorreu por todo o país. Milhares de pessoas – indígenas e não-indígenas – ocuparam a Avenida Paulista. De lá, seguiram para o Monumento às Bandeiras, obra célebre do modernista Victor Brecheret encomendada pelo Governo do Estado em comemoração ao IV Centenário de São Paulo. Tida como cartão-postal da cidade, a imensa escultura em homenagem aos bandeirantes que partiam da cidade para ocupar as terras do interior, dizimando inúmeros indígenas pelo assassinato ou escravidão, é apenas um dos monumentos erguidos em todo o país em homenagem aos massacres sobre os quais a Nação pôde se fundar. O imenso bloco de pedra foi pichado e tingido de vermelho, escancarando a violência colonizadora que se tentou pacificar. Atentando contra a sacralidade atribuída às obras de arte, o gesto corajoso serviu para mostrar que, mesmo diante de todas as tentativas de pacificação e dos massacres que já duram mais de 500 anos, os povos indígenas continuam vivos e com gana de lutar. Antes do direito, trata-se da vida. 
solapando estradas, entradas e bandeiras
E o Borba Gato que não se sinta incólume e intocável! Os índios, mais uma vez, com arcos e flechas certeiras afirmaram o fogo vivo da palavra manifestar: aquilo que ainda dá sinais de vida. E danem-se os adeptos da tutela e os de face renovada dos bandeirantes nas caras dos abutres coronéis ruralistas. E que se dane este monumento-patrimônio-tombado em nome da institucionalização regulamentar de direitos e etnocídios.

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