sexta-feira, 13 de abril de 2012

A cidade policêntrica e o trabalho da multidão


por Giuseppe Cocco

         As economias periféricas produziram processos de urbanização e metropolização extremamente rápidos e violentos. Assim, nos maiores países da América Latina, os pesos relativos das populações rurais e urbanas inverteram-se em poucas décadas. Hoje em dia, México e Brasil dispõem de realidades metropolitanas que estão entre as mais importantes do Planeta. As grandes desigualdades sociais e segregações espaciais que nelas comparecem não impedem que porções consistentes de suas populações urbanas participem ativamente dos processos de integração mundial dos mercados e das culturas. Muito pelo contrário, em face destas realidades metropolitanas, o pós-fordismo pode, paradoxalmente, se desenvolver de maneira mais fácil do que nas economias avançadas. No Brasil, por exemplo, a fragmentação social e a segregação espacial jamais foram rearticuladas e reduzidas, nem pelas lutas igualitárias do operário taylorista massificado cuja hegemonia social marcou, nos Estados Unidos do final dos anos 30 e na Europa do segundo pós-guerra, uma universalização meritocrática do Welfare State e de seus direitos. Enquanto, nos países centrais (e sobretudo na Europa), as inércias institucionais de tipo fordista podem constituir instrumentos significativos de resistência social à flexibilização, nas economias periféricas, as políticas neoliberais encontram escassas forças sociais organizadas capazes de contê-las. Ao mesmo tempo, as grandes concentrações metropolitanas (Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro, etc.) constituem espaços privilegiados de emergência das novas realidades produtivas.
 
Do mosaico ao arquipélago: a desregionalização do sistema urbano
        
Na verdade, as formas de segmentação do território destinadas a hierarquizar o espaço pós-fordista não encontram nas economias periféricas nenhum obstáculo de peso e já se transplantam, hibridando-as, nas suas tradicionais clivagens. É, portanto, na periferia que as imagens futuristas das segregações que separam os “homens que sofrem com a falta de mobilidade (e que praticamente só têm acesso à mobilidade mediatizada e imaginária) dos outros, aqueles que são multiinformados, multipolares e ultramóveis” (Viard, 1994) adquirem uma imediata expressividade. As representações mais exploráveis dessas hibridações entre novas e velhas segmentações são as das favelas sem infra-estruturas básicas de gestão dos fluxos (materiais e imateriais) e, diante delas, os condomínios fechados da Barra da Tijuca (no Rio de Janeiro), verdadeiros cocoonings eletrônicos ligados, pelos níveis de renda e pela multiplicidade das conexões telemáticas, ao mercado mundial mais que à sua própria realidade metropolitana.[1] Neste sentido, os segmentos urbanos constituídos pelos condomínios fechados, centros financeiro-administrativos e shopping centers participam de um processo de desterritorialização da metrópole que implica, ao mesmo tempo, um aumento e uma rigidificação da sua tradicional segmentação interna (urbana) e das relações com os territórios regionais contíguos.
            A globalização determina, tanto para as economias centrais quanto para as periféricas, imperativos de adaptação competitiva que tendem a homogeneizar mundialmente as estratégias industriais e econômicas de cada país, região e cidade. Deste ponto de vista, o nível absoluto de deslocalização da produção é menos importante que a necessidade, para um número cada vez maior de empresas, de serem competitivas com aquelas dos territórios, estados e continentes mais distantes. Vis-à-vis destas transformações, numa importante literatura de geografia econômica e de economia espacial, encontramos inúmeras propostas de análise destinadas a definir o novo papel da cidade e seus novos modos de inserção nos territórios mais próximos e mais afastados. Alguns autores indicaram como a crescente abertura das economias nacionais teria por conseqüência um fenômeno de desregionalização das grandes concentrações metropolitanas. Ou seja, na medida em que as metrópoles globais se integrassem entre elas, reduzir-se-iam as relações que ligam estas metrópoles com os territórios contíguos. “As relações que cidades como São Paulo, Londres ou Frankfurt mantêm com Paris, Nova Iorque e Tóquio são muito mais importantes do que as que podem ter com as suas instituições regionais ou nacionais”.[2]. Enfatiza-se, nesses termos, o fenômeno que faz com que “o lugar e o potencial econômico da cidade capitalista dependam cada vez menos do papel de metrópole regional que ela pode desempenhar e cada vez mais da suas funções de comando transregionais” (Benko, 1994). Trata-se do mesmo fenômeno que Dematteis pretende exemplificar a partir da crise da espacialidade de duas outras grandes metrópoles industriais, Detroit e Turim.

Áreas como as de Turim e de Detroit que, em outro momento abrigavam todo o ciclo produtivo do automóvel (...), apesar de manterem-se especializadas nesta atividade, entraram numa rede de input-output (...) organizada numa escala continental ou planetária. Isto significa que o futuro das regiões depende hoje em dia cada vez menos de suas relações internas e cada vez mais das relações com o resto do mundo. (Dematteis, 1995, p. 86)

            Naturalmente, estes fenômenos são possíveis e não param de ser amplificados pela expansão das redes comunicacionais. A difusão das tecnologias de digitalização e da fibra ótica tende a reduzir as distâncias e a reunir as grandes metrópoles mundiais num território tão descontínuo quanto globalizado por uma multidão de trajetos virtuais – o que determina o desdobramento entre distância espacial e distância temporal. A própria teoria christalleriana da polarização/centralização e a da economia da localização é ultrapassada pela “emergência de um território de redes (...) onde os pólos são nós das redes” (Veltz, 1996, p. 60-61). Redes policêntricas nas cidades e entre as cidades, cujos elos são constituídos pelas novas centralidades urbanas ou pelas próprias metrópoles globais. Um outro zoneamento emerge, aquém e além do espaço funcional fordista. “Melhor abastecidos que algumas periferias, conectados de maneira interativa entre eles e com o centro principal, [alguns] centros secundários contribuem para criar uma territorialidade intra-urbana em escala diferente daquela própria da cidade tradicional” (Lévy, 1994, p. 408). Ou seja, “a polarização e particularmente a polarização metropolitana aparece como o resultado da concentração dos fluxos na rede-arquipélago.[3] O patchwork integra-se no e pelo network, processo que acaba determinando a emergência da economia metropolitana. A economia metropolitana realiza sua revanche sobre a economia territorial, “sobre esse produto da ação do Estado contra as cidades”(Veltz, 1996, p. 7-8).
Na crise do Estado-nação desenha-se um movimento de recentralização em torno da Cidade. Alguns geógrafos “humanos” falam de uma volta paradoxal à cidade. Paradoxal porque na sociedade da informação, as grandes cidades pareciam ao mesmo tempo ter que se desmanchar no “ar” do Global Village. Podemos, assim, ler:

A existência e o fortalecimento de cidades que ao mesmo tempo são sistemas territoriais locais e nós de redes globais, livres de relações de posição e distância com relação aos territórios contíguos, é um paradoxo seja para as geografias modernas, seja para as hiper-modernas. (Dematteis, 1995, p. 77)

Na realidade, este “retorno à cidade” não é o resiltado de nenhum movimento cíclico ou pendular da história, mas uma transmutação da cidade e da produção.
            Por um lado, no espaço policêntrico das redes, “a complementaridade interurbana afirma-se contra a ‘lei da gravitação’ que pretenderia que a grande cidade determinasse o vazio no seu entorno” (Lévy, 1994, p. 391). Por outro lado, numa época em que o sincronismo tecnológico limita-se ao arquipélago desenvolvido, o espaço é definido pelas redes, mas é também cada vez mais dividido e segmentado (Veltz, 1996, p. 101-106). Assim, se não podemos falar de desaparecimento dos lugares, temos de analisar como os espaços policêntricos do pós-fordismo, reorganizando-se em redes e ultrapassando as hierarquias propagativas do mosaico (do dualismo centro-periferia), determinam novas verticalidades, novas fragmentações e novas segregações. A metrópole policêntrica não constitui um modelo ideal ótimo, mas uma referência heurística cujas questões de densificação das relações sociais e de dinâmica da urbanidade se tornam cada vez mais centrais para a análise das contradições espaço-temporais do novo regime de acumulação.[4]
            Assim, o “reticular substitui o auréolaire” (Blanquart, 1997, p. 151), a imagem do arquipélago toma o lugar da do mosaico. Ou seja, as metáforas do mosaico tornam-se cada vez mais incapazes de dar conta da nova estrutura dos territórios. Como apontamos acima, a desregionalização mostra como o próprio modelo concêntrico proposto pela Escola de Chicago, onde o processo de desenvolvimento evoluía ao longo de eixos de propagação, do centro para a periferia, tornou-se, definitivamente, inadequado. O mosaico, a representação de um

território suporte instrumentalizado do econômico, de uma economia organizada como conjunto de zonas contíguas, internamente homogêneas, que intercambiam entre elas, não dá mais conta da emergência de um espaço de empilhamentos instáveis de múltiplas redes onde as metrópoles funcionam como pontes e interfaces transdutoras de energia, de informação e de valor. (De Roo, 1994, p. 111-112)

            O espaço metropolitano pós-fordista, reconfigurado pelos processos contraditórios de desterritorialização e reterritorialização, redesenha-se como um território policêntrico, constituído por um emaranhado de redes. Um território mil-folhas cujos planos funcionam em escalas e métricas diferentes. Um território constituído, além da metáfora específica, por uma pluralidade de “centros”, cada um deles caraterizado pela emergência de valores locais diferentes e, portanto, por específicos princípios de organização espacial (Dematteis, 1995, p. 79).

De Chicago para Los Angeles: a cidade policêntrica

Desde o começo do século XX, ou seja, desde a afirmação da hegemonia taylorista na estruturação temporal e funcional do espaço urbano, a sociologia urbana formou-se na análise e na interpretação do protótipo da grande metrópole industrial norte-americana: Chicago

Se há, na Universidade de Chicago, uma escola de sociologia original – dizia Maurice Halbwachs – isto não ocorre sem relação com o fato de que esses observadores não precisam procurar muito longe um objeto de estudo. Embaixo dos olhos deles acontecem, a cada dez anos, quase de ano em ano, novas fases de evolução humana sem precedentes. (Halbwachs, 1979, p. 291-292)

Assim, ao longo de algumas décadas, os sociólogos urbanos analisaram as cidades a partir das categorias definidas pela Escola de Chicago. Com a crise do fordismo e de sua espacialização funcional, afirmou-se um novo paradigma. No deslocamento de centralidade, da Snowbelt para a Sunbelt,[5] foi Los Angeles que se constituiu como objeto privilegiado de análise das dinâmicas metropolitanas do pós-fordismo, novo paradigma urbano, “quintessência da cidade pós-moderna” (Dear, 1995) onde, como afirma Edward Soja, “tudo se junta” (1993, p. 231).
                        Na cidade erguida entre o Pacífico e o deserto, é fácil encontrar a correspondência com a noção de hiperespaço proposta por Fredric Jameson. O hiper-espaço da metrópole pós-moderna é exatamente definido como o resultado das estratégias das organizações globais, transnacionais, que acabam esticando o espaço e o tempo da cidade até desnortear os tradicionais sistemas de percepção social. A estrutura de Los Angeles pode assim ser “comparada à de um microprocessador, ou seja a uma ‘trama complexa’ feita de espaços de transfert e de armazenagem, sobre a qual viajam, a grandes velocidades, informações que vão colocando-se (...) em pequenos imóveis” (Blanquart, 1997, p. 155). Nela, “as justaposições aparentemente paradoxais [são] funcionalmente interdependentes”. Assim “existem em Los Angeles uma Boston, uma Baixa Manhattan e um Sul do Bronx, uma São Paulo e uma Singapura” (Soja, 1993, p. 235). Desta maneira, a cidade transforma-se numa soma de localidades organizadas em rede. Todas dependem uma da outra, mas todas tendem a construir seus sentidos na negação desta interdependência, na fenomenonologia de um novo paroquialismo hedonista. Heterogeneidade social e amplitude espacial passam a inviabilizar todo tipo de configuração e de representação unitária do espaço. As tradicionais dimensões espaciais são superadas por novos tipos de cruzamentos de escalas e de métricas. A mais importante conseqüência é que os espaços urbanos e os espaços políticos tornam-se cada vez mais objetos de negociação.[6]
            Como lembrou Mike Davis, de maneira tipicamente pós-moderna, Los Angeles é caraterizada ao mesmo tempo por experiências de desindustrialização e de reindustrialização. Metrópole informal, com uma miríade de salários mínimos, de empregos marginais nos serviços e de setores produtivos indefinidos, a cidade californiana pode ser considerada como uma cidade superdesenvolvida, prosperando em cima de uma cidade do Terceiro Mundo e da heteronomia das fragmentações, bem como dos conflitos sociais, étnicos, raciais.
            As análises e as interpretações sobre o novo modelo ainda estão longe de definir uma nova unanimidade. Por exemplo, se Michael Dear enfatiza o impacto dessas transformações em termos de crise da representação e de fragmentação política localista – quase anárquica – da administração urbana, outros autores acreditam encontrar nesses processos de desterritorialização a emergência de novas formas de controle baseadas no novo regime de acumulação e suas dinâmicas espaciais e simbólico-imateriais. Assim, num artigo recente, David Harvey (1995) opõe à crise do controle, apontada por M.Dear, uma correlação direta entre essas transformações e a afirmação do regime de acumulação flexível e de formas de controle mais estáveis. David Harvey relaciona, univocamente, os processos de flexibilização à fragmentação da organização de classe dos trabalhadores assalariados e da própria organização comunitária. Por um lado, estabeleceu-se uma tensão crescente entre o desemprego dos trabalhadores formais (fordistas e, implicitamente, “resistentes”) e a multiplicação dos novos tipos de empregos “flexíveis”, puxada exatamente pela recuperação e gentrificação dos centros das cidades e pelo “espetáculo”. Por outro lado, e aqui temos os elementos mais interessantes, as adaptações internas à cidade obrigam as populações de baixa renda a adotar, para sobreviver, estratégias cada vez mais empresariais no seio das próprias comunidades. Digamos que as comunidades e as redes populares (em particular as redes de migrantes) são obrigadas, pela hierarquização do sistema de Welfare, a queimar suas próprias externalidades positivas.
O próprio D. Harvey situa a emergência dos novos conflitos na perspectiva das contradições socioespaciais que essas transformações implicam. Trata-se da crescente polarização de classe determinada pela co-habitação de zonas sociais de enriquecimento no meio dos bairros e das periferias mais pobres. A flexibilização, o uso intensivo da economia informal pelos pobres e a empresarialização das relações intracomunitárias é que explicam, continua Harvey, como essa polarização de classe acaba multiplicando os conflitos inter-raciais, interétnicos, religiosos e, mais em geral, interpessoais. O problema aqui é que, na visão de Harvey, toda forma de empresariado popular é “sinônimo” de repressão e de demolição das bases comunitárias. A questão, ao contrário, teria de apontar a crise da retração do espaço público, daquelas capacidades empresariais que as comunidades mostraram, em particular nos processos de autoprodução do espaço urbano. É a reprivatização do espaço público autoconstruído que transforma, reduzindo-as, as dimensões produtivas das redes sociais. O empreendedorismo difuso não é necessariamente um problema para as redes de cooperação social produtiva. Muito pelo contrário.
            Estas abordagens das novas configurações sociais, políticas e produtivas de Los Angeles, por interessantes que sejam, não valorizam suficientemente os elementos mais profundos e propriamente paradigmáticos que podemos encontrar na configuração espaço-temporal dos novos processos de trabalho que a metrópole californiana contém e representa de forma exemplar. O fato é que estes elementos de transformação não se encontram na radicalidade e difusão dos fenômenos de polarização social (fragmentação) e espacial (segregação). Enfatizar estes fenômenos como instrumentos fundamentais de análise dos novos arranjos do espaço social-urbano no pós-fordismo acaba determinando uma inversão das relações de causa e efeito e, sobretudo, impede de perceber as modalidades pelas quais, nestas transformações, a metrópole pós-fordista emerge como novo espaço de produção e, portanto, sobretudo como novo espaço de luta e de libertação possível. Ou seja, atribuem-se aos dispositivos de controle socioespacial da metrópole as mesmas características técnicas (e econômicas), a mesma legitimidade (sócio-política) que o comando capitalista tinha conquistado na organização produtiva norteada pelo padrão fabril e articulada na funcionalização do espaço e na disciplinarização do tempo.
Fundamentalmente, atribui-se ao capital uma capacidade de disciplinarização social e de legitimação “técnico-cientifica” que ele não tem mais. Nesta perspectiva, exclusão, fragmentação e segregação constituiriam os instrumentos de mobilização dos fatores em condições de mercado e de competitividade satisfatórias segundo o novo regime de acumulação “flexível”. Quando, ao contrário, estes instrumentos são meros dispositivos de comando, mas não mais de produção! É por esta razão que estes autores multiplicam os esforços para fechar o descompasso que ameaça abrir-se entre, por um lado, intuição da reterritorialização-socialização da produção e, por outro, a vontade de manter, como instrumento da crítica, o papel das dinâmicas fabris. Um esforço que eles resolvem qualificando como “infantis” as interpretações do pós-fordismo como um regime de acumulação essencialmente pós-industrial. Por isto, o território produtivo que estas démarches propõem não dá conta do deslocamento paradigmático e permanece num horizonte neo-industrial.[7] É como se a fábrica, por causa da épica história de lutas operárias que a atravessaram, se tornasse o único modo de se pensar um sujeito antagonista. O saudosismo da disciplina e do sofrimento operário justificar-se-ia pelo fato de que este tipo de exploração determinara as únicas formas de luta e organização dos trabalhadores que se enquadram nas figuras abstratas da ortodoxia marxista e de uma vaga, mas persistente, mitologia operária da “esquerda”. Na melhor das hipóteses, estas resistências em admitir as dimensões pós-industriais acarretadas pela centralidade produtiva dos territórios metropolitanos respondem mal a uma tentativa fundamentalmente correta. Ou seja, para não aceitar o fim do trabalho, reafirmam a centralidade da indústria. Mantém-se o black box da fábrica em face da incapacidade de se pensarem as transformações do trabalho.

Dos limites das abordagens neo-industriais dos novos espaços de flexibilidade produtiva

         Mesmo trazendo importantes contribuições à analise dos mecanismos de reestruturação capitalista, o pano de fundo das abordagens citadas acima permanece completamente insuficiente, em particular no que diz respeito à interpretação do papel da mobilidade socioespacial e de suas formas diferentes: trabalho a domicílio, setor informal, flexibilidade, etc., etc. - o que torna francamente problemática a determinação de rumos possíveis de práxis crítica e de transformação dessas tendências.
            De fato, o horizonte dessas reflexões é inteiramente opaco à iniciativa antagonista. Por um lado, porque ele é ocupado unicamente pela iniciativa subjetiva[8] e/ou pela dinâmica sistêmica de um único ator, o capital globalizado e globalizador. Por outro, porque as únicas possibilidades alternativas repousam no renascimento de uma forma abstrata chamada “classe operária” ou, inevitavelmente, na revitalização do papel do Estado: seja – nas versões mais avançadas – pela renovação de sua ação reguladora[9], seja pela revitalização da idéia de território por meio da de nação,[10] seja pela definição de novos imperativos de mobilização dos recursos humanos e moderação do mercado.[11] Nestas perspectivas, as nuvens ameaçadoras da globalização conjugam-se ao novo regime de acumulação e tornam os territórios possíveis das novas contradições sociais e de uma nova práxis antagonista extremamente assustadores. Os poucos raios de luz que perpassam a onipotência das forças desterritorializantes e aceleradoras da globalização, mais do que se fundarem na observação de novas possibilidades e de novos comportamentos de resistência, acabam afirmando-se como princípios de uma alternativa tanto abstrata quanto transcendental. No mínimo, esta última depende de uma improvável “crise objetiva do novo regime de acumulação flexível” (Harvey, 1995). Os esforços para mudar de paradigma são limitados e desvitalizados, portanto, como vimos, pela insistência em uma visão resistencial (e paradoxalmente conservadora) que visa a manter, de maneira tanto voluntariosa quanto improvável, o papel do Estado-nação como espaço de resistência “popular”. No máximo, a recusa, correta, do uso ideológico (pós-moderno) da crise das “metanarrações” abre na realidade o caminho para uma conservadora e desviante cibernética social.[12] Tornados orfãos pela derrota dos grandes corpos sociais coletivos (fossem estes considerados como configurações ideológicas abstratas, ou objetos de estratégias políticas de organização corporativa das representações sindicais e partidárias dos trabalhadores), os teóricos da crítica social do espaço acabam caindo no paradoxo de não reconhecer à sociedade aquela potência do múltiplo que, por enquanto, eles contribuem a apontar nas novas articulações espaço-temporais da acumulação.[13]
            O problema essencial é que essas abordagens não sinalizam as ambivalências atuais e as heterogêneses possíveis dos processos de desterritorialização e de reterritorialização que caracterizam a passagem para o pós-fordismo e as relações extremamente móveis entre a globalização e seu contraponto, a revalorização das dimensões locais de constituição social e produtiva. Essa miopia é particularmente patente no uso dos termos mobilidade, flexibilidade, globalização e desterritorialização como se eles fossem categorias e noções equivalentes, exprimindo as mesmas dinâmicas, sempre e necessariamente sobredeterminadas pela recomposição do comando. Assim, a metropolização, a desregionalização, a crise da grande fábrica, das tradicionais centralidades urbanas e de suas espacializações funcionais aparecem sempre como fenômenos internos às dinâmicas de recomposição do ciclo de acumulação e de seus novos paradigmas.
            Na realidade, a recusa teimosa da dimensão pós-industrial do pós-fordismo tem como pano de fundo as ambigüidades interpretativas ligadas à noção marxiana de “exército industrial de reserva” em seu uso para interpretar as questões da fragmentação social e as dinâmicas da segregação metropolitana. A noção de exército industrial de reserva aparece sob as formas mais variadas. Se as associações mecânicas, do tipo “desemprego-queda dos salários reais”, acabaram sendo marginalizadas embora resistam,[14] essas abordagens se sofisticaram reproduzindo-se na análise da globalização como construção tendencial de um exército industrial de reserva mundial que não seria mais preciso mobilizar, pois o capital é que se mobiliza para localizar-se de maneira a otimizar as combinações produtivas. O que significa afirmar que a integração econômica dos países com baixos níveis salariais reais constitui uma “ameaça” para o emprego e os salários dos trabalhadores das economias centrais.[15] Também a noção de exército de reserva sustenta uma parte importante dos trabalhos teóricos e empíricos sobre a exclusão, as migrações internacionais, a pobreza e as variadas formas de fragmentação social que caraterizam o pós-fordismo. É nesse segundo nível que esta noção tem um papel particularmente nefasto, aceitando e veiculando, paradoxalmente, a retórica da reação política neoliberal. Embora, é claro, discordem quanto à necessidade destas políticas, os dois lados aceitam o princípio de que a flexibilização do mercado do trabalho, isto é, um aumento do estoque de desempregados pela queda dos níveis de uso das capacidades produtivas (ou pela racionalização produtiva) determina inevitavelmente uma flexibilização dos salários e um enfraquecimento dos níveis de organização sindical dos trabalhadores. A flexibilidade é necessariamente e unicamente um produto da reorganização do capital. Para os neoliberais, trata-se portanto de conquistar a “flexibilidade” pela quebra sistemática de toda forma de organização da sociedade civil. Para os outros, trata-se de manter a relação salarial taylorista-fordista enquanto ela permitir aos trabalhadores, por meio de suas rigidezes, organizarem-se. A classe operária e suas lutas tornam-se, portanto, um valor em si, algo a ser “conservado”, um produto do passado e não da constituição intempestiva do futuro na ruptura do presente.
            Os mais duros opositores à visão neoliberal são exatamente os empresários mais schumpeterianos, os que entendem que na quebra sistemática dos dispositivos de welfare não se constrói nenhuma flexibilidade real, mas elementos micro e macroeconômicos de competitividade a curtoprazo destinados a evanescer-se no longo prazo e no nível macroeconômico ou da competitividade sistêmica. O primeiro opositor, irredutível, ao conservadorismo de “esquerda” é a própria classe operária e mais em geral o novo proletariado pós-fordista. É impressionante como a precária hegemonia ideológica do neoliberalismo acaba reforçando as mais estáticas tradições de um marxismo transformado em mero cânone de uma liturgia abstrata. Esquecem-se assim as grandes contribuições da renovação do marxismo dos anos 50 e 60 e, sobretudo, os ensinamentos das grandes lutas operárias dos anos 60 e 70. Nestas,viu-se claramente que “força de trabalho” e “classe operária” não são sinônimos. Que, como dizia E. P. Thompson, “a classe não luta porque existe, mas existe porque luta”. Ou seja, a classe constitui-se “fora e contra”, na negação da sua existência alienada determinada pela relação salarial. É por isto que a greve afirmou-se como instrumento fundamental de luta, exatamente porque nela exprimia-se e modulava-se esta descontinuidade essencial que opõe a categoria de força de trabalho às recomposições concretas, subjetivas, autônomas da classe operária. Da mesma maneira que para os escravos e os servos a luta tinha como eixo fundamental uma “linha de fuga” e como objetivo mínimo a liberdade (Moulier-Boutang, 1998), também para as forças de trabalho formalmente livres mas submetidas materialmente, o horizonte de luta é exatamente o da sua autodestruição, ou seja, sua constituição enquanto classe, enquanto dinâmica subjetiva (antagônica) e independente, liberta das correntes da relação salarial. Em épocas históricas e em termos materiais diferentes, a fuga da fábrica, a reconquista da recomposição de trabalho e propriedade são os termos desta autodestruição vitoriosa. Nesta perspectiva, da qual a classe operária é portadora, é que Marx pensou a recomposição das esferas do econômico e do político, do trabalho e da propriedade, da igualdade e da liberdade.
            Com efeito, após mais de vinte anos de reestruturação produtiva e de aumento irreversível dos níveis de desemprego, as previsões ortodoxas ligadas à teoria do exército industrial de reserva não encontram as confirmações empíricas esperadas. Por um lado, verificamos que não foram os níveis globais dos salários reais que baixaram, mas as desigualdades que aumentaram, em particular entre os salários dos trabalhadores desqualificados e os dos trabalhadores mais qualificados. Mais do que as relações de oferta e demanda no mercado do trabalho, é a composição interna ao ciclo produtivo que tem uma importância decisiva. Por outro lado, as inércias pesadas das diferentes formas de Welfare State ao longo dos anos 80, na longa década de reação neoliberal, acabaram pondo em xeque a lei empírica de Phillips, ou seja, mostrando que o salário, já na época do fordismo, não constituía senão um elemento de uma “renda composta” por um conjunto de rendas decorrentes de outras atividades e, inclusive, por transferts monetários públicos incompressíveis.[16]
            Portanto, só mudando de paradigma podemos abrir a questão da flexibilidade a um horizonte de alternativas e de lutas. A flexibilidade pode e deve, assim, ser apreendida como espaço e dinâmica de reorganização do comando, mas também como produto e eixo de avanço das lutas sociais. Por um lado, a flexibilidade é um produto das lutas, da fuga da fábrica, da potência livre das forças universalizadoras dos espaços públicos que perpassaram o fordismo e sua crise. Por outro, ela é recuperada na lógica do comando pelos mecanismos da fragmentação e das segregações, isto é, pela desuniversalização dos bens públicos que a classe produziu apesar e além do corporativismo fordista. Mas esta fragmentação – cujo motor baseia-se fundamentalmente no uso dos instrumentos da desmaterialização monetária e financeira –, que torna a flexibilidade um dado interno ao novo regime de acumulação, não tem nenhuma função de mobilização social das forças produtivas. No novo paradigma, a fragmentação e a segregação não asseguram os arranjos produtivos, nem a legitimidade do comando. Só arranjam o comando em si. Ou seja, esses processos apenas produzem comando enquanto função pura de controle, sem propiciar nenhuma dinâmica produtiva. Muito pelo contrário, a produção de comando reduz, segundo um malthusianismo revertido e perverso, a eficiência social produtiva como um todo. A fragmentação social aparece assim como instrumento de redução da flexibilidade socioprofissional (e não de seu crescimento!). Ao mesmo tempo, a segregação espacial faz com que o espaço liso de mobilidade se torne um território estriado de guetos e condomínios fechados. A velha clivagem Morro-Asfalto atualiza-se e afirma-se como horizonte metropolitano universal.
            Precisamos, portanto, de uma abordagem mais aberta, no sentido de valorizar a rearticulação das subjetividades que determinam o processo de metropolização e ao mesmo tempo são determinadas por ele. Contrariamente ao que podemos ler em muitas das análises críticas dos processos de metropolização, esse novo papel do espaço social urbano não se constituiu por meio dos fenômenos de re-hierarquização e recentralização que atravessam a cidade pós-fordista (ou pós-moderna) e que foram simbolizados pelas grandes operações de revitalização e gentryfication dos centros urbanos e das friches (baldios) industriais do período do auge da reação neoliberal (em particular nos casos das operações de waterfront). Não podemos analisar estas operações de revitalização urbana meramente sob o ângulo pós-moderno de uma desmaterialização econômica que corresponderia à mera terciarização da cidade e a um processo linear de desindustrialização.
As dinâmicas pós-industriais têm de ser analisadas não no horizonte do desaparecimento da produção de bens materiais, mas no de sua subordinação às atividades imateriais e lingüísticas que requalificam o regime de acumulação. Neste sentido é que as cidades mundiais constituem, conforme Saskia Sassen,[17] “locais de produção pós-industriais”. Assim, o crescimento de Los Angeles depende efetivamente do papel muito ativo do “complexo industrial e do porto” que estão no “cerne do crescimento de serviços para a produção no distrito”, atividades que tendem a determinar “uma demanda de serviços de um tipo diferente com relação à expansão das atividades financeiras” (Sassen, 1991, p. 222-223). Novas atividades, novos serviços que não têm a ver com a volta dos territórios e das dimensões locais, mas com a transformação qualitativa da substância destes. Voltamos aos territórios, mas a territórios diferentes. E voltamos exatamente na medida em que estes perdem as características funcionais e operacionais da época industrial. Por causa disso, este retorno coincide com a volta à cidade, ou seja, ao território mais humanizado, ao espaço das inter-relações comunicacionais mais intensas.
            A crise do regime de acumulação fordista abriu a possibilidade de fechar aquele “parêntese da urbanidade” que Jacques Lévy define como um período de dominação do paradigma industrial: dominação objetal contra a cidade, isto é, contra a urbanidade.[18] Esse deslocamento, longe de resumir-se numa recentralização excludente e hierarquizadora, se apresenta como processo altamente contraditório, e não se resume a uma mera volta à “urbanidade” da cidade, pois esta transformou-se e deixa em aberto a questão de saber como a própria “urbanidade” também mudou. Por um lado, efetivamente, há um processo de reorganização da tradicional “centralidade concêntrica” pela afirmação de uma rede policêntrica que faz com que sejam eliminados os fatores de propagação e de redistribuição em ato no período fordista. Por outro lado, a própria dupla “centro-periferia” é ultrapassada pela emergência de centralidades de novo tipo. As múltiplas formas do processo de desterritorialização, a mobilidade, a flexibilidade, bem como os usos horizontais dos espaços intersticiais, não pertencem, ipso facto, ao novo regime de acumulação. O controle e a captação dessas novas variáveis é bem mais complexo e instável do que as leituras supostamente críticas deixam acreditar. A violência da reação neoliberal, em particular nos países periféricos, não é proporcional à onipotência da acumulação global, mas à precariedade dos mecanismos de controle político e de captação dos fluxos produtivos que a incontornável emergência do imaterial, do extra-econômico e da “urbanidade” determina enquanto figuras da socialização produtiva.
O processo de metropolização e de desterritorialização, ao contrário do fenômeno linear de reorganização do regime de acumulação do capital globalizado, determina-se em terreno de constituição de novas subjetividades e de novos conflitos sociais. Podemos, portanto, concordar com as abordagens que se esforçam em colocar o espaço como variável fundamental para a teoria social crítica, mas temos de nos distanciar delas em dois níveis. Por um lado, apontando que, na emergência da variável espacial como determinante estratégica do pós-fordismo, a mobilidade social dos sujeitos antagonistas tem um papel pelo menos tão importante quanto o dos próprios processos de indiferenciação espacial determinados pela globalização do regime de acumulação. Por outro lado, precisamos evitar que a “espacialização” das problemáticas socioeconômicas funcione como maneira de resolver a questão da socialização da produção pelo duplo desvio da geografia e das abordagens sistêmicas.
            Ao mesmo tempo, é preciso evitar fazer coincidir a reemergência da urbanidade como mero processo de recentralização dos espaços de socialização. Trata-se, ao contrário, de trabalhar no sentido de apreender as tensões que essas novas articulações determinam em torno não de um “centro” topológico e estático (do qual dependeriam relações unívocas de inclusão e exclusão), mas da sua produção por deslocamentos, cooperação social e afirmação de novos princípios de fruição estética (jouissance). A extensão e a linearização das cidades ao longo das vias de comunicação rápida acaba estilhaçando a homogeneidade do centro administrativo religioso e comercial herdado da sua história. Com outras palavras, a metrópole tira à cidade seu estatuto originário de lugar fechado. Sua dimensão de enclosure, de homens amontoados por uma muralha (Duvignaud, 1977, p. 13), é cada vez mais superada. A relação com o território, com o que era o espaço dos nômades, com a não-cidade, rearticula-se num paradigma no qual a tradicional oposição fechado/aberto não consegue mais dar conta das especificidades do novo papel do espaço social metropolitano.[19]
O “centro” da nova urbanidade, ou seja, seu policentrismo, aparece nesta perspectiva como algo de mais complexo, o fruto de processos simultâneos e interdependentes de desterritorialização (princípio de oportunismo (Querrien, 1995) e de reterritorialização existencial, isto é, de determinação de proximidades virtuais, espacial e temporalmente dependentes dos critérios subjetivos de identidade e de jouissance, isto é, de uma “urbanidade” imediatamente produtiva não por meio de um impossível retorno a um espaço urbano como “consciência de um espaço fechado encarnado neste espaço” (Duvignaud, 1977, p. 16) mas enquanto a grande cidade transforma-se em lugar de máxima tensão produtiva entre os processos de individuação e os de socialização, entre as trajetórias (diagramas) da subjetividade e os espaços públicos de freqüentação, isto é, de comunicação, de trocas lingüísticas. O policentrismo do arquipélago não é necessariamente um espaço de exclusão e fragmentação. Muito pelo contrário, ele pode determinar-se como espaço de aberturas virtuais, de liberdades produtivas e criativas sem precedente. Como afirma Paolo Perulli, “se a grande cidade americana representou, na época da produção de massa, um modelo universal de referência, sua crise reabriu espaços de experimentação e de liberdade com relação ao modelo dominante” (apud. Duvignaud, 1977, p. 92).
            O interesse dessa abertura de abordagem é ver, no cerne das análises sobre as transformações, os novos territórios sociais e espaciais como espaços virtuais: níveis de máxima determinação livre e aberta da interação dos sujeitos produtivos. Como os pioneiros da Escola de Chicago procuravam nas zonas de degradação preciosos indicadores sociais, étnicos e culturais dos problemas caraterísticos da formação da grande cidade industrial, as áreas intersticiais das metrópoles pós-modernas constituem hoje em dia os espaços de uma nova virtualidade produtiva. O retorno da urbanidade não corresponde à reafirmação mecânica de uma nova e estável hierarquia espacial e social. Muito pelo contrário, trata-se de uma urbanidade constitutiva de “centralidades” difusas, intersticiais, avulsas das tradicionais hierarquias espaciais. Esta sua nova dimensão vital, indisciplinarizável, faz com que o comando tente reproduzir-se pela difusão de articular instrumentos de exclusão, fragmentação e segregação.

A cidade como novo espaço do trabalho imaterial

            As novas dinâmicas espaço-temporais da metrópole produtiva pós-industrial constituem, portanto, um horizonte aberto de determinações virtuais e livres em relação às quais os elementos de fragmentação e segmentação sociais, por dramáticos que eles sejam, só representam determinações “segundas” de reorganização do comando (e não das combinações técnico-científicas da produção). Isto é, se segregação e fragmentação apenas representam determinações de controle e não mais elementos estruturadores das condições materiais de produção, então precisamos aprofundar nossa análise dos elementos centrais destas novas dimensões produtivas dos espaços de territorialização existencial, das redes de socialização que qualificam a nova urbanidade. Vale dizer, precisamos perguntar se a hibridação da disciplina em controle apenas acontece por meio de mecanismos de reprodução tautológica do capital e de suas formas de apropriação privada do produto social, ou seja, se esta hibridação da disciplina, esta ambigüidade do biopoder esconde elementos de nova legitimação produtiva do capital. Para responder, precisamos entender melhor como a cidade funciona enquanto novo espaço de um regime de produção baseado no trabalho imaterial e nas suas diferentes figuras.
            Por exemplo, Paul Krugman (1997, p. 197) sugere que uma “forma particularmente boa de se entender a economia norte-americana é estudando suas cidades” e, em particular, a nova configuração dessas a partir da metrópole californiana. Como apontamos acima, podemos facilmente estender o impacto destas afirmações dizendo que é pelas transformações das cidades que podemos analisar e representar as transformações gerais do regime de acumulação pós-fordista. Na cidade, nas dinâmicas da urbanidade, a recomposição do fazer e do agir se articula, desenvolve e desloca. Conforme Hannah Arendt, a polis volta a simbolizar a obra e ao mesmo tempo a recomposição com o animal laborans da moderna sociedade de consumo. A centralidade da cidade está também no fato de que é nela que as relações de produção e consumo se tornam intercambiáveis e tendencialmente indistinguíveis. Na cidade se afirma uma circularidade de consumo e produção que, impedindo uma racionalização dos padrões de medição, alimenta e amplifica a crise dos sistemas fiscais das grandes cidades, que J. O'Connor (1974) tinha antecipado desde o começo dos anos 70.
            A comparação de Los Angeles com Chicago confirma-se como um útil instrumento deste exercício, pois ambas constituem uma corporificação “quintessencial” da “cidade norte-americana, [de] sua energia, [de] seu estilo”[20] numa época determinada. Deste ponto de vista, as duas metrópoles mostram expressivas semelhanças. A primeira semelhança diz respeito ao fato de que as duas cidades constituem o protótipo de uma época. A segunda faz referência a um desenvolvimento que é fruto da expansão de paradigmas econômicos nos quais os mercados internacionais têm um papel extremamente importante. “Em termos econômicos, pode-se dizer que Chicago, em 1894, fazia parte de um mercado global tanto quanto Los Angeles hoje”(Krugman, 1997, p. 199). Exatamente em função destas semelhanças é que, numa segunda abordagem, a comparação funciona como instrumento eficaz de definição das diferenças. Pelas especificidades da metrópole californiana aparecem as caraterísticas gerais da cidade pós-moderna.
            Qual é a caraterística fundamental e fundamentalmente nova de Los Angeles como cidade pós-industrial? Podemos responder, ainda que de maneira provisória, afirmando que se trata daquela própria dos níveis de abstração do trabalho que nesta flutuam como virtualidades que, a todo instante, podem realizar-se e condensar-se. Isto é, o que carateriza Los Angeles é o fato de ela explicitar a correlação entre dinâmica metropolitana e os níveis de “abstração” definidos pelo novo paradigma econômico. Nela, a produção que a cidade estrutura “parece dissociada do mercado físico”. Os fluxos que a estruturam são essencialmente imateriais. O primeiro nível desta abstração deriva exatamente dos elementos de desterritorialização que caraterizam Los Angeles com relação a Chicago que, enquanto capital da região dos grandes lagos, constituiu-se como a “metrópole da natureza”;[21] a metrópole californiana desenvolveu-se por um tipo de dissociação de suas “raízes geográficas”. Isto é,em vez de constituir um lugar de convergência infra-estrutural de um conjunto determinado de territórios,[22] Los Angeles emerge no desenraizamento, como algo de autoproduzido, “um lugar fora do lugar” (Krugman, 1997, p. 200-201). Nela convergem fluxos materiais e imateriais desterritorializados, segundo processos e modalidades completamente independentes dos entornos geo-infra-estruturais. Trata-se de um lugar “auto-reforçado”, produto de uma completa humanização e, portanto, do paradoxo de uma cidade que junta à sua dinâmica artificial suas dimensões incontornáveis: “as 11 milhões de pessoas da Los Angeles moderna estão ali umas devido às outras; se fosse possível desenraizar a cidade inteira e deslocá-la 800 km, a base econômica mal seria afetada”.[23] Uma independência (ou indiferença) “geográfica” que, na realidade, afirma a força ainda maior da nova espacialidade e, sobretudo, o fato de que este “desenraizamento” nem é possível no plano da “transferência” dos processos.[24]
O segundo nível de apreensão da abstração é o da configuração do trabalho na metrópole de Los Angeles. Ele diz respeito às dimensões imateriais de seu modo de produção, percebidas na indiferenciação de uma bacia de emprego que tende a coincidir com a própria população metropolitana.[25] Se era possível ter uma idéia do papel de Chicago do começo do século somente andando pela cidade, em Los Angeles este não é mais o caso. A produção e o transporte de coisas, de bens materiais, constituíam a marca clara do corpo-urbano. Andar por Los Angeles não permite hoje em dia construir nenhuma idéia sobre suas atividades econômicas. “De novo, a economia da cidade parece estranhamente dissociada de qualquer sensação de lugar” (Krugman, 1997, p. 202). Indiferenciação que, não esqueçamos, contrasta com a hiperlocalização determinada pela emergência da centralidade metropolitana como puro artefato, mera determinação de seus níveis de absoluta humanização. O hiper-lugar deixa-se indeferenciar no seu interior e isto não apenas porque sua produção seria flexível e intercambiável. O que circula, o que assegura a fluidez das dinâmicas integradas de produção e reprodução, são os níveis de extrema homogeneidade, flexibilidade e, sobretudo, cooperação e socialização de um “mundo do trabalho (...) indistinguível”. As infra-estruturas da cidade pós-fordista são sobretudo de ordem imaterial, pois o acesso aos conhecimentos, às informações e à qualidade da força de trabalho constitui o requisito, invisível mas extremamente importante, para o desenvolvimento local (Doeringer, 1987). Os trabalhadores são indistinguíveis, pois eles trabalham indiferentemente nos vários elos de espacialização produtiva metropolitana e explicitam a inserção destes elos empresariais no tecido produtivo da cidade.
            O interesse do deslocamento de Chicago para Los Angeles não está, portanto, nas dinâmicas da segregação espacial, nem nas da fragmentação social que podemos encontrar na metrópole californiana. Temos de encontrar esta dimensão paradigmática nas novas dinâmicas produtivas. Los Angeles interessa por ser o lugar privilegiado para a análise do que podemos chamar de nova centralidade de um trabalho abstrato que funda as dimensões de sua concretização. Nesta centralidade do trabalho em geral, a cidade – e Los Angeles entre as cidades – constitui o teatro de atualização possível da virtualidade geral que o trabalho abstrato representa.
No taylorismo, a abstração do trabalho constituía o dispositivo científico-disciplinar que, por um lado, assegurava a legitimidade técnica do capital conceptor e, por outro, a contínua eficientização do trabalho manual de execução. Em face dos níveis cada vez mais elevados de abstração, o concreto só reaparecia na ruptura da máquina organizacional. O concreto, o trabalho vivo recomposto subjetivamente, resistia à sua canibalização pelo trabalho morto, pela maquinaria. Ou seja, ele agia como negação de sua própria alienação personalizada pela ditadura técnico-científica do trabalho morto e dos padrões espaço-temporais nos quais se objetivava a disciplina fabril. Nesta dialética do abstrato e do concreto enquanto trabalho negativo, a valorização só foi possível pela síntese do desenvolvimento, de uma repartição da renda que empurrava para frente, amplificando-a, a impossível recomposição do fazer e do agir. Por isto é que, no taylorismo, o capital torna-se trabalho morto que precisa, para valorizar-se, ser “vivificado” pelo trabalho vivo, isto é, pela classe. É neste espaço que a classe operária pôde afirmar seu monismo e deslanchar as grandes ofensivas de luta que caraterizaram o século XX e sobretudo o segundo pós-guerra.















 

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[1] Ascher, François(1995, p. 138). Cf. também Blanquart, Paul (1997, p. 170- 5).
[2] Mayer (1988) apud Benko (1994).
[3] Em face deste deslocamento qualitativo das estruturas dos territórios, os geógrafos propõem a noção de valor posicional: “A análise geográfica (propõe) o conceito de uma posição geográfica” que não faz mais referência a uma grade de meridianos e paralelos (posição absoluta), “mas a uma posição bem mais complexa, desenhada (...) pelos fluxos de pessoas, bens materiais e informações, decisões, etc., etc.“. O espaço geográfico adquire uma dimensão relacional em que “o valor torna-se o valor de troca (...) que, num sistema dado de relações intersubjetivas, é atribuído a algumas de suas caraterísticas ambientais”. Assim, por um lado, “o fundamento do poder global é cada vez menos o Ordnung und Ortung estático do espaço territorial (...) e cada vez mais o controle dos fluxos (...)”. Por outro lado, a posição geográfica torna-se “relacional”. Cf. Dematteis, Giuseppe (1995, p. 52, 76, 91).
[4] Por exemplo, Jacques Lévy propõe Los Angeles como um caso de “policentrismo acompanhado por uma des-densificação” que, apesar da continuidade morfológica do espaço construído, tende a relaxar as ligações da “urbanidade” e, portanto, a “fragmentar o mercado do trabalho, os consumos culturais e as identidades” (Lévy, 1994, p. 408). Uma tendência contraditória com as dinâmicas de intensificação das relações sociais que apresentaremos nos próximos parágrafos.
[5] Los Angeles aparece, neste deslocamento de centralidade do cinturão do gelo para o do sol, como a última das três fases de desenvolvimento urbano descritas por Jane Jacobs (in Economy of cities, 1969): a cidade da produção artesã, a cidade da produção de massa e, enfim, a cidade diversificada. Cf. Perulli (1992, p. 91).
[6] “Determinar o tamanho da população da cidade depende de onde você estabelece as fronteiras, do que você inclui. A linha não é desenhada de maneira definitiva; o tamanho atual de cada área metropolitana é aberto à interpretação”, Posner, Ellen (1997, p. 3).
[7] Apesar de sua problematização ser bem mais avançada e corajosa, podemos ler em P. Veltz: “Uma simplificação normal, mas infantil e leviana, é a que atribui à (...) polarização metropolitana a entrada numa era nova, a era pós-industrial” (Veltz, 1996). E também em E. Soja: “O termo mais usado para descrever essa reconfiguração recente do capitalismo é pós-industrial. Esse termo tem lá seu encanto, mas desvia erroneamente nossa atenção da centralidade permanente da produção industrial e do processo de trabalho na restruturação contemporânea das sociedades capitalistas. É tão absurdo, à sua maneira, quanto descrever o que vem acontecendo com o pós-capitalismo ou o fim da ideologia” (Sojam, 1996, p. 79).
[8] Eles quase aceitam as dimensões parsonianas da dinâmica social, mesmo se emendadas pelos desenvolvimentos de Alexander (1982) que “abre espaço para que pensemos a evolução da espécie concedendo centralidade à questão da subjetividade coletiva” (Domingues, 1996, p. 9).
[9] “O Estado seria o ator que poderia preservar e desenvolver os efeitos de coerência necessários à performance global” (Veltz,1996, p. 249).
[10] Sem querer atribuir a Milton Santos o papel fundamental desse tipo de abordagem, podemos encontrar numa sua recente entrevista um exemplo de como o generoso esforço de afirmar um futuro “sob o comando do homem e não mais sob o comando da finança” acabe propondo como passagem necessária o fato de que os “governantes redescubram a nação e acreditem nas suas próprias nações (...)” (Folha de S. Paulo, 13 out. 1996, Caderno Mais!).
[11] Por exemplo, Pierre Veltz conclui seu livro afirmando que precisamos de uma “imensa obra” por parte do Estado, no sentido de que o “papel econômico das instituições públicas encontra-se ipso facto reforçado. O Estado (...) tem um duplo papel que o mercado não pode preencher(...)” (Veltz, 1996, p. 248-249).
[12] Ver Domingues.(1996).
[13] O próprio Soja se diz “convencido de que se perde um número excessivamente grande de oportunidades ao descartar o pós-modernismo como irremediavelmente reacionário” (Soja, 1993, p. 12).
[14] Nas análises de “esquerda” é mais fácil econtrá-las de maneira revertida, quer dizer, como elementos de explicação da conflitualidade operária. Um surto de lutas é quase sempre explicado pela saturação do mercado de trabalho. O economicismo esconde-se, desta maneira, atrás do moralismo de esquerda, pois as lutas não são condenadas. O inconveniente desse tipo de raciocínio, que encontramos, por exemplo, nas modelizações históricas do fordismo produzidas pelos regulacionistas franceses e por Alain Lipietz em particular, é que ele não sabe o que dizer em face da questão das migrações nacionais e internacionais. Assim, por um lado, essas abordagens ficam marcadas pela ilustre ausência das próprias migrações nas modelizações históricas do Fordismo; por outro lado, elas ficam completamente desarmadas e, o que é pior, desarmantes, em face das políticas antiimigração e dos movimentos xenófobos que não param de se multiplicar neste fim de século.
[15] Embora desenvolvida na perspectiva da solidificação das abordagens econômicas convencionais, a crítica contundente desenvolvida por Paul Krugman (1997) a este tipo de aliança e entre o protecionismo conservador e alguns setores da “esquerda” é instigante.
[16] Lembramos as inovações introduzidas neste sentido e, em particular, o RMI na França.
[17] Cf. Sassen, S. Global City. Princeton: Princeton University Press, 1991. capítulo 6.
[18] Lévy, J. (1993, p. 291). Jacques Lévy sublinha em particular como o “urbanismo objetal e autoritário, lecorbusieno, incapaz de pensar algo que não fosse objeto de troca monetária, acabou marginalizando e reduzindo” a urbanidade porque ela é gratuita. Esse urbanismo instrumental, cartesiano (solução autoritária da contradição entre o todo e as partes pela decomposição funcional da vida: habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito e circular) não enxergou que a urbanidade ia mostrar-se produtiva pois ela “consiste na situação (que põe) em co-presença o máximo de objetos sociais numa conjunção de distâncias minimais”, ibid., p. 286. Este período corresponde à idade II da cidade, segundo as palavras de Christian de Pontzamparc (1998, p. 12). Nesta fase, o espaço público desaparece enquanto padrão estruturador da cidade. Os grandes prédios-máquinas (as máquinas de morar de Le Corbusier) tornam-se centrais e indiferentes aos lugares, “opondo-se à idéia de cidade”.
[19] Nossa hipótese é, portanto, que não há inversão da dimensão originária da urbanidade que se oponha ao fora do campo e que faça com que hoje em dia “a urbanidade se oponha ao desenvolvimento territorial”. O fora, a nosso ver, não “tem a figura da rede, do território, do espaço indiferenciado” como afirma O. Mongin (1998, p. 45). O local não é o oposto do global, nem a condição da “recusa técnica” (ibid., p. 46). As tensões entre estas duas dimensões se jogam continuamente e, exatamente, na ausência de um “fora”.
[20] Krugman, P. (1997, p. 198). Ver também Dear, Michael (1997): “Los Angeles (…) pode ser considerada como a quintessência da cidade pós-moderna”, onde o pós-modernismo é considerado como “estilo, período histórico e método”.
[21]William Cronon, apud Krugman,P.(1997:200).
[22]“Chicago foi a cidade que as ferrovias fizeram: era o lugar onde as linhas ferroviárias do Meio-Oeste exterior convergiam, como um imenso sistema de raízes coletando nutrientes para alimentar os grandes troncos (...) que levavam ao leste”,P. Krugman, ibid., p. 200. É fácil transpor na Chicago da indústria de transformação dos produtos agrícolas do Middle-West, as clássicas imagens de Paris do começo do século, nas belas páginas de Aragon que descrevem o coração vivo da madrugada parisiense: “ des hommes pesants et lestes semblaient dans leurs bras nus et musclés traire les formidables mamelles d'une nuit nourricière”, Les beaux quartiers, p.315. A cidade da natureza aparece em uma imagem naturalizada. Uma natureza-maquiínica, teatro da vida, do trabalho e da fome. Naturalização da produção humana na qual nasce a horrorosa indiferença para os casos individuais, o “mépris total de l'homme qui semblait habituel au pavé de Paris”.
[23]Krugman,P. ibid..
[24]Vide as problemáticas da não-transferibilidade das economias locais apresentadas por M. Storper e que nós analisamos no capítulo 2, parte 3. Lembramos também que, em um outro livro, Krugman (1996:69) enfatiza a análise dos processos de concentração das atividades terciarias. Embora ele use as dinâmicas do QWERTY e dos processos cumulativos para explicar esses fenômenos, podemos sublinhar esta tendência nova de localização dos serviços que contrasta com a de dispersão da indústria. Concentração espacial dos serviços que corresponderia a um certo nível de especialização das localidades numa determinada produção terciária.
[25]Vide parágrafo sobre a noção de Bacia de Trabalho Imaterial.
cooperação.sem.mando

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