segunda-feira, 24 de março de 2014

Desinstitucionalizar é ultrapassar fronteiras sanitárias: o desafio da intersetorialidade e do trabalho em rede

por Magda Dimenstein Mariana Liberato 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN 

Nos últimos anos é visível como a reforma psiquiátrica vem avançando no país, desde discussões mais afinadas acerca dos fundamentos históricos e conceituais da proposta de reforma em curso, até a análise crítica de seus principais dispositivos de intervenção, das conquistas e dos impasses que trabalhadores, gestores, usuários e familiares têm enfrentado no sentido de fazer avançar processos de desinstitucionalização requeridos, mas não garantidos, pelo aparato jurídico/estrutural da legislação vigente. É possível reconhecer também que há uma sensibilidade mais aguçada que nos leva a reconhecer que a reforma psiquiátrica está articulada à produção de novos modos de subjetivação, pressupondo práticas de cuidado diversas das predominantes no modelo asilar, bem como a ruptura da lógica tutelar a ele associada. Esse reconhecimento parte do pressuposto de que a loucura se encontra confinada em saberes e instituições psiquiátricas, e em função disso, as inúmeras possibilidades da loucura enquanto radicalidade da alteridade 
são reduzidas a um único significado: doença mental. 
Sabemos, portanto, que daí derivam as práticas de controle, tutela, domínio, normatização e medicalização, tão evidentes em nosso cotidiano. A manutenção dessas práticas, a produção de novas formas de controle cada vez mais sutis e eficazes, assim como a dificuldade de produzir interferências nesse âmbito, tudo isso vem sendo descortinado dia após dia. Queremos mudar, mas esse querer vai sendo enfraquecido, pois também está atravessado por uma lógica, aqui entendida como marcas invisíveis que produzem formas de subjetivação, que se expressa através de um desejo em nós de dominar, de subjugar, de classificar, de hierarquizar, de oprimir e de controlar a vida (Machado e Lavrador, 2001). Trata-se, pois, de uma cultura manicomial, dos nossos manicômios mentais (Pelbart, 1990). Isso indica claramente que a reforma psiquiátrica não se restringe a uma ordem macropolítica. Clausuras subjetivas nos habitam e são muito poderosas. Acreditamos que há também lampejos em nossa compreensão atual de que não é para recuperar socialmente nem para retomar a normalidade perdida que a luta antimanicomial deveria operar, mas produzir novas formas de sociabilidade, reorientar nossas vidas a partir da mistura de diferentes códigos, romper os sentidos de mundo que a época nos impõe, produzir fissuras na ordem mundial, na hegemonia, na monotonia, constranger as linhas de força que operam hegemonicamente e que nos faz cada vez mais silenciosos, obedientes, dóceis e conformistas. 
Com base nesses princípios tentamos contribuir com o debate nacional gerando interlocução com atores sociais envolvidos na luta antimanicomial que produzem interferências decisivas nos rumos do processo de reforma psiquiátrica. Esses atores, independente da condição de gestores, pesquisadores, trabalhadores de saúde mental, usuários, familiares, etc, constituem um coletivo que insiste na sustentação de uma utopia e na não conformação com as atuais promessas enganosas do hospital psiquiátrico humanizado, reformado, maquiado (Amarante, 2007). 
Nesse intuito, queremos “botar lenha” na utopia, fomentar estratégias de resistência e criação no campo da saúde mental que venham ampliar nossa capacidade de análise e intervenção junto aos coletivos de trabalho, assim como contribuir para a produção de novos modos de operar a política de saúde mental que sustente e faça avançar a luta antimanicomial. Consideramos que para fazer um movimento social amplo e complexo acontecer, tal como se apresenta a reforma psiquiátrica, precisamos empreender uma guerra contra essa política de subjetivação que exige consensos, razoabilidade e, em contrapartida, promete segurança, bem-estar, pacificação, conforto, operando pela via do medo e da esperança. É necessário para tanto operar críticas em dois âmbitos: um questionamento no campo científico, no qual a loucura enquanto doença mental é produzida pelo saber psiquiátrico, tendo um arcabouço técnico para tratá-la, e de outro, no âmbito da configuração social, onde as práticas científicas e os ideais modernos sustentam as formas de enclausuramento e silenciamento da loucura. 

Em que condições estamos? 

Atualmente, estamos vivendo um novo cenário da Reforma Psiquiátrica no Brasil onde o hospital não é mais o centro de gravidade, em torno do qual gira tudo e a oferta de cuidados extra-hospitalares é predominante (diminuição das internações e consultas ambulatoriais convencionais). Observamos uma inversão da pirâmide financeira, ou seja, maior proporção de recursos do SUS destinados às ações extra-hospitalares (hoje em 63,35%) no território, uma redução considerável nos últimos 5 anos do número de leitos psiquiátricos e uma mudança no perfil dos hospitais com redução daqueles de grande porte (acima de 400 leitos). O Ministério da Saúde indica que em 1991 as internações psiquiátricas consumiam a maior parte das verbas de internações do SUS. Os leitos para portadores de transtornos mentais ocupavam 20% da capacidade hospitalar instalada no país, só perdendo para internações em clínica médica. A taxa de re-internação dos pacientes era de 70%, portanto, altíssima. E, dos 90 mil leitos psiquiátricos do SUS, cerca de dez mil eram remunerados sem estarem ocupados, ou seja, serviam para internações fantasmas. De lá para cá, foram desativados mais de 50% dos leitos. O tempo médio de internação caiu de 100 para 40 dias e a taxa de mortalidade teve uma redução significativa. No Rio Grande do Norte1 , no período de Janeiro de 2006 a Junho de 2007, a média de permanência foi de 36,6 dias e a taxa de óbitos de 10 pessoas, números que se comparados aos de décadas passadas, indicam mudanças importantes na realidade local. A implementação do PNASH2 foi um grande avanço nesse sentido, produzindo 09 descredenciamentos e 02 intervenções no país (MS, 2008). 
A expansão da rede de serviços substitutivos é outro avanço inquestionável como pode ser observada em relação aos CAPSs (n = 1.291) e residências terapêuticas (n = 502) (MS, 2008). A estratégia da supervisão clínico-institucional também vem avançando e atende atualmente 389 CAPS no país. O Programa de Volta para Casa caminha no mesmo sentido e beneficia 3037 usuários. Registramos ainda uma rede ambulatorial em expansão que objetiva prestar atendimento aos casos menos graves e trabalhar em articulação com a atenção básica, especialmente com a estratégia de saúde da família. Isso certamente provocou o deslocamento dos recursos humanos do antigo centro hospitalar para a rede de atenção psicossocial. 

Que obstáculos enfrentamos? Que desafios ainda temos pela frente? 
  
Apesar desse quadro promissor, inúmeros desafios se apresentam no cenário da reforma e afetam sua sustentabilidade. O primeiro deles refere-se ao modelo de financiamento em vigor que produz sérias distorções. O custeio por procedimentos nos CAPS, por exemplo, produz a necessidade de manobras que visam atingir o teto disponível para o serviço. Produz, inclusive, em CAPS III, leitos ocupados initerruptamente, produzindo retenção no serviço e encaminhamento para hospitais psiquiátricos. O custeio das residências terapêuticas com as AIHs também é muito limitado, restringindo as possibilidades de realização de inúmeras atividades com os moradores em função do baixo orçamento. Em segundo lugar, ainda existem quase 40 mil leitos psiquiátricos no país, muitos dos quais permanecem em função da falta de internação domiciliar, da dificuldade abertura de serviços do tipo CAPS III, bem como dos inúmeros obstáculos à implantação de leitos de atenção integral em hospitais gerais e de urgência e emergência. Não há nenhum trabalho no sentido de fazer uma classificação de risco para o paciente psiquiátrico que possa orientar a recepção e atenção nesses espaços. Aliás, esse é um ponto nevrálgico, pois as dificuldades de fechamento de hospitais psiquiátricos no país devem-se, em grande parte, à falta de serviços que dêem suporte à crise. Assim, os manicômios continuam ocupando um lugar central em função na inexistência desses dispositivos e tendo sua existência justificada socialmente. 
Outro aspecto absolutamente desafiador diz respeito à reintegração dos pacientes de longa permanência, já que 25 a 30% dos usuários são crônicos e há um alto índice de reinternação nos hospitais. No Hospital João Machado, referência em psiquiatria no estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, em 2007 esse índice foi de 62,77%, e somente de janeiro a julho de 2008, de 60,38%. Essa população de crônicos representa um contingente enorme de pessoas moradoras (ou candidatas) dessas instituições que podem se beneficiar com a estratégia do Programa de Volta para Casa e das residências terapêuticas. Porém, é possível observar que o benefício desse programa, apesar de crescente, ainda contempla um número restrito de usuários em função dos problemas jurídicos envolvidos, fato que termina intensificando o problema da evidente sobrecarga familiar junto aos portadores de transtornos mentais, especificamente no aspecto financeiro. Em função disso, uma das ações mais urgentes é a saída planejada e assistida do hospital, não só daqueles que aí vivem por muitos anos, bem como daqueles que registram inúmeras e sistemáticas entradas e saídas. Sabemos que para sustentar a saída do hospital é preciso criar outros recursos na comunidade que sirvam de suporte social, em parceria com as secretarias de cultura e ação social. Um desses recursos são os Centros de Convivência e Cultura. Porém, existem atualmente apenas 60 concentrados na região sudeste do país. Outro aspecto imprescindível é a articulação com programas estaduais e municipais de habitação, 
no sentido de viabilizar a construção de moradias e estruturas intermediárias, e, principalmente, de evitar a transinstitucionalização tão comum nesse campo. Entretanto, o que vem se observando, é que as propostas de ampliação da rede têm ficado concentradas no aumento do número de CAPS, tornando-se esse o principal indicador de avanço da reforma. Esses serviços têm sido implantados sem a devida problematização acerca dos seus limites, da impregnação da burocracia, da trama das pequenas relações do dia- a-dia que dificultam a transformação/avanço das práticas em saúde mental. Inúmeros estudos vêm apontando para a manutenção da lógica ambulatorial e das filas de espera nos CAPS, para a falta de profissionais qualificados, apesar das supervisões, as quais, por sua vez, demonstram uma nítida dicotomia entre a clínica e política, e especialmente, para o fato de ser um serviço sem nenhuma articulação no território, voltado para si próprio. Ou seja, a proposta de ser o ordenador da rede não se efetiva, indicando a produção de novas ordens de cronicidade. 
Se a constituição de uma rede de serviços substitutivos integrada entre si e com outros equipamentos sociais presentes nas comunidades é algo imprescindível para o avanço da reforma, esse é um dos aspectos que apresentam mais fragilidades, pois, de fato, ainda não dispomos de uma rede ágil, flexível, resolutiva, onde o trânsito dos usuários é facilitado e o mesmo é acolhido em suas diferentes demandas. Identificamos muito mais serviços isolados, que não se comunicam, fechados em suas rotinas. 
Sabemos que há uma articulação precária entre os CAPS e a rede de atenção básica, que não há clareza acerca da proposta de Apoio Matricial e, pior, que há forte resistência por parte das equipes de dar esse tipo de retaguarda, compreendida como mais uma tarefa a ser inserida na rotina do CAPS. Por outro lado, há uma forte demanda cotidiana de saúde mental não acolhida na atenção básica, pois os técnicos não se sentem capacitados para tal e indicam a necessidade de apoio e instrumentalização nesse campo. Não é raro escutarmos as queixas muito bem fundadas das equipes voltadas exatamente para esses problemas. Isso é o que vem sendo apontado pela Política Nacional de Humanização/PNH, pouco incorporada aos processos de trabalho na saúde mental: precisamos fomentar redes de valorização do trabalho e do trabalhador, já que os modos de fazer estão intimamente relacionados com o grau de implicação desses coletivos. Por fim, as possibilidades de referenciamento e co-responsabilização são pequenas em função da precariedade da rede de serviços substitutivos e destes com a rede SUS como um todo. 
Outro grupo de problemas/desafios para a política de saúde mental pode ser identificado a partir da vontade explícita de alguns usuários de permanecerem hospitalizados e sob a tutela do estado (Machado et al, 2005). Para eles o hospital representa segurança frente aos perigos da cidade, considerada local perigoso e hostil à loucura; garante condições básicas de sobrevivência (abrigo, alimentação, roupa limpa, etc) e de tratamento de saúde (medicação e assistência). O hospital-albergue, por assim dizer, os protege também do retorno ao mundo do trabalho, extremamente competitivo e desigual, bem como da falta de programas e equipamentos sociais que viabilizaria seu acolhimento na vida extra-manicomial. Sabemos que a grande maioria das pessoas que vivem muitos anos confinados em hospitais psiquiátricos tem comprometimentos importantes em termos de suas habilidades e de seu trânsito fora do ambiente hospitalar. Eles precisam enfrentar a absoluta falta de uma rede de equipamentos sociais – estatais, comunitários e familiares – que sirva de base de apoio e local de acolhimento, diversão e encontro para que não fiquem confinados dentro de instituições ou mesmo na família e circulem nas cidades. 
Em outras palavras, há problemas que ultrapassam o campo da saúde mental e do próprio SUS e dizem respeito à falência das políticas públicas de bem-estar social através das quais se disponibilizariam aos cidadãos acesso a bens e serviços considerados direitos de todos. Lutamos por reinserção, reabilitação e cidadania para portadores de transtornos mentais quando essa questão se refere ao fato de que a constituição da cidadania em um país como o Brasil é menos uma questão relacionada à condição de louco e, mais uma questão social, tendo em vista a grande parcela da população brasileira que não desfruta das condições de vida identificadas com a cidadania. As infindáveis filas de espera, a longa permanência de usuários em hospitais, nos CAPS II e ambulatórios que se vê hoje em dia é conseqüência da falta de uma rede de suporte social. A possibilidade de alta esbarra em demandas que não são previstas para tais serviços. Tais circunstâncias acabam delegando à rede de atenção em saúde mental demandas que seriam de outra ordem e que não poderiam ser “resolvidas” por seus equipamentos, mas pelas instâncias públicas responsáveis por moradia, trabalho, geração de renda. A alta não ocorre e a dependência do serviço é criada, pois os usuários acabam não encontrando alternativa melhor de apoio fora da rede sanitária. 
Nesse sentido, estamos operando uma reforma que tem ficado restrita aos serviços de saúde e propondo uma desinstitucionalização que não ultrapassa as fronteiras sanitárias. À medida que investimos prioritariamente na ampliação da rede de serviços assistenciais, estamos trabalhando com uma concepção muito limitada de rede, estreitando o circuito por onde a loucura pode transitar, estamos tomando-a como objeto específico da saúde, criando poucas possibilidades de reinserção social e de co-responsabilização pelas diversas políticas públicas. Nesse sentido, a experiência espanhola tem muito a nos oferecer, pois, segundo Desviat (2007)  
Sea cual sean las administraciones comprometidas y el tipo de 
dependencias, si queremos una actuación eficaz y sostenida en el 
tiempo que llegue a mantener el paciente en la comunidad, hay que 
construir una red donde la rehabilitación y el soporte social sean dos 
programas más que puedan atravesar todos los dispositivos y 
servicios” (p.126) 

Em outras palavras, a desmontagem do manicômio como organização e, principalmente, como instituição efetiva-se, pois, através de uma luta política, teórica e prática que visa a articular uma rede comunitária de cuidados, englobando diferentes serviços substitutivos ao manicômio, que se conecte também a outros espaços da cidade. Tal rede torna possível não apenas uma modificação nas formas de cuidado e acolhimento, a partir das mudanças administrativas e da criação de novos equipamentos, mas principalmente, possibilita a invenção de novas relações e sociabilidades dentro da comunidade e do espaço urbano. 
Percebemos que, ao longo do tempo, a reforma não avançou de modo semelhante em todas essas áreas, mas principalmente, no nível técnico-assistencial, apesar de podermos constatar também desenvolvimentos bem significativos no campo teórico-conceitual e jurídico-político. A dimensão sócio-cultural em comparação às outras, no que tange ao direcionamento da política nacional, foi aquela que deteve menos atenção e investimento, apesar de apresentar uma relevância fundamental na proposta de desinstitucionalização e reinserção da loucura. 
Perguntamo-nos, então, por que as políticas públicas tomaram esse rumo. A que necessidades e demandas respondiam? Que efeitos foram provocados pela escolha deste foco? E que novos caminhos são necessários para fomentar tal eixo e apontar outras saídas para a Reforma no Brasil? Como diversificar a rede de serviços substitutivos e conectá-la a outras redes de intervenção cultural pode ampliar e efetivar mudanças nas relações estabelecidas com a loucura (transformações no imaginário social, nas representações e conceitos a ela vinculados, nas práticas e nos territórios urbanos)? 
A cronificação provocada pela falta de articulação de diferentes serviços e apoios sociais, culturais e assistenciais produz efeitos danosos, tais como a sobrecarga dos operadores de saúde, a burocratização das práticas e o fomento de uma rede que, ao invés de ser acentrada, com múltiplas conexões, como em um modelo rizomático (Deleuze & Guattari, 1995), apresenta-se muito mais como um circuito que se retroalimenta (Rotelli, Leonardis & Mauri, 2001), causando a estagnação dos fluxos de experimentação e a reprodução de modos de relação homogêneos. Assim, ao contrário dos princípios de desmanicomialização, vão construindo-se outras segmentações que apartam, ou pelo menos, dificultam, os encontros com a diferença. 
Vemos, portanto, delinear-se claramente que para o processo de desinstitucionalização continuar a se efetivar é preciso mais do que uma mudança de ordem técnica. Como observamos, tais transformações são fundamentais e imprescindíveis, mas realizadas de forma descolada da modificação de outros processos, elas encontram seu limite na impossibilidade de criação de um “fora”, que diz respeito tanto ao que está espacialmente fora dos serviços, como a uma cisão com a própria lógica manicomial (Barros, 2003). 
É neste sentido que entendemos ser urgente pensar, inventar e propor outras formas de lidar com o espaço urbano, com as relações que se constituem cotidianamente na cidade e, de modo mais abrangente, com os discursos e práticas que modelam e modulam os processos de subjetivação e as sociabilidades contemporâneas. Assim, outra vez, percebemos que a questão da desinstitucionalização não nos reporta a um campo fechado e estrito do que se convencionou a chamar saúde a partir de uma perspectiva de medicalização da vida (Foucault, 2003). Com isso queremos dizer que desinstitucionalizar é ultrapassar fronteiras sanitárias; é enfrentar o desafio da intersetorialidade e do trabalho em rede, o que implica na adoção de modelos de atenção integral de base territorial. 
Precisamos daqui pra frente nos ocupar não só de expandir serviços substitutivos tal como conhecemos, mas investir em uma rede diversificada de dispositivos que dêem retaguarda ao usuário e às famílias no próprio território, que os ajudem a atravessar suas crises. Precisamos fortalecer a atenção básica como a via de acesso por excelência, como filtro. As experiências exitosas no campo da saúde mental têm em comum o fato de terem direcionado seus esforços para mecanismos eficazes de intervenção na crise e na criação de 
uma rede de recursos com amplo leque de estratégias interdependentes, não só sanitárias, mas de suporte social, de moradia, de geração de renda, de potencialização das associações, dos recursos comunitários, etc. A loucura não é só uma questão para o campo da saúde. Como dizia Basaglia (1979), a loucura é também uma questão de desigualdade, de opressão, de intolerância, de marginalização, de exclusão, pois tudo o que não é produtivo é doente. Sem investir nisso, os velhos manicômios vão continuar cheios e as novas estruturas, a despeito de toda boa vontade e técnica, não serão capazes de interferir nesse modo de funcionar que nos faz operadores daquilo que queremos combater. 

“Saiamos de nós mesmos: podemos 
respirar um vento fresco, sem dúvida, mas 
em nada hostil.” 
René Lourau.
Les Cahiers de l’implication no. 1, hiver 1997/98, p. 13  

1 http://tabnet.datasus.gov.br 
2 Programa Nacional de Avaliação de Serviços Hospitalares 

Referências 
Amarante, P. (2007). Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz. Barros, R. B. de (2003). Reforma Psiquiátrica brasileira: resistências e capturas em tempos neoliberais. In Conselho Federal de Psicologia (Org.). Loucura, ética e política: escritos militantes. (pp.196-206). São Paulo: Casa do Psicólogo. 

Brasil. Ministério da Saúde/DAPES/Coordenação Geral de Saúde Mental. (2008). Apresentação do Dia Mundial da Saúde Mental – Brasília – DF. 

Deleuze, G. & Guattari, F. (1995). Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 1. São Paulo: Ed. 34. 

Desviat, M. (2007). De loucos a enfermos. De La psiquiatria Del manicômio a La salud mental comunitária. Ayuntamiento de Leganés. 

Foucault, M. (2003). Microfísica do poder. 18ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal. Machado, L. D.; Lavrador, M. C. C. (2001). Loucura e subjetividade. In: Machado, L. D; 

Lavrador, M. C. C.; Barros, M. E. B. (Orgs.). Texturas da psicologia: subjetividade e política no contemporâneo. (p.45-58). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. 

Pelbart, P. P. (1990). Manicômio mental: a outra face da clausura. In: Lancetti, A. (Org.). Saúdeloucura 2. (p.130-138). São Paulo: Hucitec. 

Rotelli, F., Leonardis, O. de & Mauri, D. (2001). Desinstitucionalização, uma outra via. In Nicácio, F. (Org.). Desinstitucionalização. (pp. 89-99). 2ª ed. São Paulo: Hucitec. 

Um comentário:

  1. A loucura enquanto doença é produto da tentativa de aproximação da normalidade.

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