quinta-feira, 13 de março de 2014

As liberdades e o projeto de lei do terrorismo

por Edson Passetti
Invenção de liberdades e sagacidade jurídico-política

Difícil mesmo é a democracia proporcionar novos espaços de liberdade, a nossa grande tarefa. Restrita à representação dos políticos profissionais e ao formalismo jurídico-político as liberdades correm perigo. Quando a capacidade de apreensão de contestações surpreendentes ou renovadas de certos movimentos sociais pelos partidos políticos entra em estágio de compressão, os políticos profissionais buscam respostas imediatas na criação de leis que definem como conduta criminosa certas atitudes admiráveis. Este é o limite do formalismo jurídico-político e a ameaça diante da novidade.
A democracia representativa se renovou com a captura dos variados modos de participação dos cidadãos proporcionados pela disseminação de direitos. Diante da falaciosa interpretação corrente sobre uma crise na representação é preciso recolocar a questão. A democracia representativa sabe como absorver os movimentos sociais e o quadro atual dos políticos profissionais mostra, em sua grande maioria, que eles procedem de movimentos sociais específicos ou minoritários absorvidos pelos partidos políticos e que com eles negociam.
A novidade que impulsiona o projeto de lei 499/2013 é dramática. Expõe a insatisfação de muitos com a Copa do Mundo e as Olimpíadas a serem sediadas no Brasil; escancara a deficiência do transporte públicoprivatizado; desnuda as práticas letais ou semi-letais da polícia, intrínsecas à organização formal da violência pelo Estado; reabre a discussão sobre as condições autoritárias de pacificações de áreas de segurança; situa as relações com o tráfico de drogas e armas; força as mídias a noticiar as mortes e desaparecimentos inexplicáveis nas periferias, a expansão das milícias, a situação das prisões abarrotadas de miseráveis... Enfim, chega uma hora que para um tanto da população se atinge o patamar do insuportávele ela sai às ruas. A respostados governos, suas polícias e adeptosé aplacar o intolerável como supostagarantia de segurança à democracia.
Situações mais ou menos conhecidas e análogas nos fazem recordar das Leis de Nuremberg de 1935 e seus desdobramentos atingindo judeus, ciganos, negros, loucos, numa avassaladora política de segurança, cuja utopia demarcava quem devia viver e quem devia morreraté a solução final. Nazismo e fascismo não são práticas exclusivas do Estado. Estes regimes políticos com suas leis materializaram aspirações desesperadas da grande população cidadã que exigiasegurança. As condutas fascistas permanecem vivas, habitam e ameaçam o cotidiano democrático. São vitoriosas cada vez que a democracia representativa delas se serve ao se mostrar amedrontada diante do novoe recusarcompreender suas linguagens.A dissimulação fascista está nos movimentos atuais de contestação radical, geralmente escudada em defesa da pátria e habilmente inteirada na simulação do diálogo pluralista.
A configuração atual das forças é de fácil mapeamento. Com base nos impedimentos ao direito à segurança policial da população, ao seu livre trânsito congestionado da casa para o trabalho e vice-versa, nos depoimentos simplórios de obedientes trabalhadores pelas redes de comunicação, desejando garantir seu emprego e retornar à sua moradia para comer sua requentada refeição, somada à conservadora classe média, à burguesia sempre assustada, mas poderosa, com seus executivos e burocratas, aos policiais geralmente recrutados nos estratos inferiores e que dispõe seu corpo para garantir a propriedade que não é sua, avulta a exigência formal de segurança que deve identificar o inimigo atual da nossa sociedade.
Desenha-se o momento para sanear o novo perigo à degradação com a lei antiterror substituindo a lei de segurança vigente (7170 de 1983, que revogou a lei 6620 de 1978 e decretos e leis anteriores relativos à segurança nacional durante a ditadura civil-militar), desde a abertura democrática no governo do Gen. Figueiredo.O discurso jurídico-político, segundo as forças histórico-políticas em cena, explicita a configuração legal do terror de Estado como medida de segurança.
O inimigo agora se chama blockbloc. Não é uma organização; é uma tática. A moçada que sai de rosto coberto e roupas pretas, não teme a polícia, dá passagem às demais forças nos protestos, expõe com suas atitudes os limites da representação política e das negociações, a privacidade histórica de monumentos, atinge fachadas de bancos, embaralha condutas, desperta consciências entre moradores de rua, congestiona os provedores eletrônicos... Não desconhece que entre eles há infiltrados da polícia, raquíticos fascistas, oportunistas, gente fantasiada, tolinhos e sabe que as forças da ordem aguardam o momento para tentar criminaliza-los. A morte involuntária de um cinegrafista foi o estopim.
Os democratas devem estar atentos para bloqueio imediato a este sagaz projeto de lei. O democrata e o libertário condizentes com as invenções de liberdades devem exigir a abolição da lei da segurança em vigor e rechaçar a boçal proposta que se baseia no que supostamente provoca ou infunde o pânico. Em pânico, encontram-se os juramentados democratas da ordem.

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