terça-feira, 16 de outubro de 2012

hypomnemata 148 - nu-sol


Boletim eletrônico mensal
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 148, setembro de 2012.
 livres em linhas de fuga
 livres, pussy riots
            Após Vladimir Putin anunciar sua candidatura às eleições presidenciais de 2012, no final do ano passado, um grupo de jovens mulheres russas criou oPussy Riot  grupo punk feminista cujas letras e performances atacam dispositivos da política Russa.
         Desde então, as pussy riots tomaram lugares simbólicos da história política do país tocando punk rock de letras contundentes e vestindo balaclavas e roupas coloridas.
Sobre os muros vizinhos do Centro de Detenção de Moscou elas gritaram:

a urgência da morte à prisão!

Dentro da estação central de metrô moscovita chamaram uma revolta popular.
Na Praça Vermelha, ao lado do Kremlin, saudaram a revolta russa que faz “Putin se mijar”.
Elas se apartam dos protestos-clamores em torno de ressuscitações de nacionalismos.
Lembrando uma história atravessada por lutas anarquistas cantaram o jorro da “Kropotkin – vodka” sobre o telhado de um café gran fino, enquanto simulavam masturbações na vitrine de uma butique luxuosa e interrompendo um desfile de moda na passarela.
Na Catedral do Cristo Salvador oraram a “Reza – punk: Virgem Maria, ponha o Putin para fora”.
         As garotas foram presas após quase todas essas apresentações, e soltas pouco tempo depois.
No começo de março, depois da apresentação da reza-punk, três integrantes do Pussy Riot  Nadezhad Tolokonnikova, Yekaterina Samutsevich e Maria Alyokhina  foram presas e permaneceram na prisão aguardando decisão judicial.
         As outras duas integrantes que também tocaram na Catedral escaparam da Rússia.
A escolha das garotas por atacar lugares políticos simbólicos é por um combate aos dispositivos de governo sacralizados.
Ao profanarem esses dispositivos elas produzem novas linhas de fuga.
         Por conseguinte, as três garotas, depois de 5 meses presas, foram condenadas a dois anos de prisão no dia 17 de agosto de 2012.
         A atenção da imprensa global sobre este caso aumentou na medida em que se aproximou a data do julgamento e foi impulsionada, em grande parte, pela manifestação de grupos em defesa dos direitos humanos como a Anistia Internacional, organizações feministas e lgbtt’s, e astros da música pop como Paul McCartney, Björk, Sting, a banda Red Hot Chilli Pepers e a cantora Madonna.
Ao clamar pela libertação das garotas, por eles consideradas “presas políticas” e vítimas de uma “política tipo stalinista”, em nenhum momento os pop stars e os grupos de defesa de direitos questionaram a existência da prisão enquanto dispositivo político inerente e imprescindível a qualquer Estado democrático ou ditatorial.
         As garotas mostraram que a sua prisão não se reduz a ataque específico ao Estado russo com relação à liberdade de expressão, mas sim ao roubo sistemático praticado por qualquer Estado.
Nadezhad Tolokonnikova, antes de adentrar ao tribunal com o braço esquerdo em riste, declarou à imprensa:
“Nós estamos na prisão.
É um sinal claro de que a liberdade está sendo roubada por toda a Rússia”.
         Chefes de Estado de vários países se declararam contrários à decisão do governo russo.
Diplomatas estadunidenses rapidamente se pronunciaram acerca do veredicto considerando o deferimento “desproporcional”.
         Enquanto isso, em frente ao consulado russo de Nova Iorque, mulheres e homens vestindo balaclavas coloridas foram presos pela polícia local.
Mais uma vez escancarou-se a imprescindibilidade da prisão enquanto dispositivo político inerente a qualquer Estado, desta vez, a partir do modelo da democracia estadunidense.
Além de Nova Iorque, no dia da condenação, protestos aconteceram em diversas cidades do planeta, com maior expressão em Berlim e em Moscou.
Nesta última, dezenas de manifestantes foram presos, entre eles, os integrantes de um grupo que escalou as paredes do tribunal e gritou “free pussy riot”, assim como o campeão de xadrez, Gary Kasparov, que mordeu a mão de um policial que tentava prendê-lo.
         Presas em um cubo de vidro, Nadezhad Tolokonnikova, Yekaterina Samutsevich e Maria Alyokhina riram constantemente durante todo o julgamento.
Elas se recusaram a pedir perdão ou assumir a culpa e de modo contundente responderam a quem pretendia perdoá-las:
 “que vá para o inferno como o seu perdão!”
Fora da prisão, outras integrantes do Pussy Riot compuseram a música “Putin acende o fogo”  escancarando que

as detenções não cessam as revoltas
e que quem as teme é o Estado e não o contrário.

         As pussy riots continuam na luta, profanando dispositivos, inventando novas linhas de fuga, escapando, por hora, de suas capturas.
Não foram pegas pelo investimento da imprensa nem demais instituições, pois ainda que estejam encarceradas, não participaram do tribunal, e permaneceram rindo: refutaram a culpa, o perdão e a desculpa.

f r e e        c      a     g   e
setembro de 2012, diversas homenagens foram organizadas para celebrar o centenário do compositor inventor libertário john cage.
em um de seus escritos liberadores, cage afirmou: algumas vezes você usa o acaso e outras, não. os cogumelos são uma dessas ocasiões em que você não pode usar o acaso porquê você corre o risco de se matar.
os cogumelos e a música, mushrooms and music, certamente foram duas das grandes paixões deste inventor nascido em 1912, na califórnia, eua, país onde nasceu mas que descobriu somente depois das leituras, na década de 1930, do poeta walt whitman.
happenings e concertos celebraram cage em seu centenário.
pouco se comentou acerca de seus escritos.
e foi precisamente nesses escritos que ele afirmou de maneira mais incisiva sua perspectiva libertária estética em sua própria existência.
inovadores, imprevisíveis, surpreendentes, refinados, enfim não faltam qualificativos aos seus livros.
neles está o pensamento do inventor para além da música, expondo seus ditos singulares acerca de ecologia, arquitetura, tecnologias avançadas, cogumelos, povos indígenas dos estados unidos, guerras, comunicação, filosofia oriental, entre outros múltiplos motes.
por meio da exposição da verve dos escritos do inventor estadunidense, poderíamos somar a isso tudo uma outra paixão sua, a anarquia.
escreveu nos anos 1960, em “fim de papo”, citando henry david thoreau que o melhor governo é o que não governa coisa nenhuma.
prosseguiu no mesmo ensaio, para enfim concluir:
se prestarmos atenção à prática de não-ser-governado, observaremos que ela está crescendo (...) a queima dos cartões de convocação. haight-ashbury;
a evasão de impostos. catorze mil americanos renunciaram à cidadania em 1966. desobediência civil;
não pagamento de impostos...
dez anos depois de “fim de papo”, ao articular anarquismo e música numa conferência em nova iorque, analisou sob perspectivas anarquistas de educação libertária e do antimilitarismo que existem recursos intocados em crianças e adolescentes, aos quais não temos acesso porquê os mandamos para a escola; e entre os militares, que perdemos por mandá-los para lugares ao redor do mundo, e sob sua superfície, para instalações ofensivas de testes de bombas.
se a escritura de cage foi pouco comentada durante as comemorações de seu centenário, menos ainda se falou sobre o anarquismo singular deste homem que quando veio ao brasil, envolveu-se com as agitações libertárias em plena ditadura civil-militar.
em 1968, participou de um encontro realizado no rio de janeiro.
o libertário pietro ferrua recordou que o convidou para falar sobre anarquismo depois de conhecê-lo na casa da compositora jocy de oliveira.
ferrua combinou de ligar no dia seguinte para cage.
contudo, como relembrou posteriormente, conseguir uma linha de telefone no final dos anos 1960, no brasil, podia resultar em mais de duas horas de espera na fila.
cage aguardou a ligação em vão.
todavia, os libertários descobriram o endereço em que ele estava hospedado e enviaram um carro para buscá-lo.
no encontro, cage falou sobre paul goodman e revolução não-violenta associando-a com a utilização de novas tecnologias, irritando alguns sindicalistas presentes.
quando começou a dizer sobre sua paixão pelos cogumelos foi interrompido por um provocador, provavelmente infiltrado, que se levantou e disse que a plateia esperava dele a receita de uma revolução e não aquela culinária.
recebeu como resposta do inventor libertário a seguinte pergunta: como vocês querem fazer uma revolução se os telefones não funcionam?
ao despedir-se de cage, pietro ferrua convidou-o a escrever algo sobre anarquismo para ser divulgado como propaganda libertária.
o inventor anarquista replicou afirmando que no percurso de seus textos já havia passagens recorrentes sobre o seu libertarismo.
vinte anos depois, escreveu o livro anarchy, composto por mesósticos dedicados a kropotkin, tolstoi, emma goldman, thoreau, entre outros libertários.
2012: centenário de john cage.
no momento em que certos jovens articulam-se nas chamadas “marchas” que reivindicam desde a denominada “democracia real” e a legalização do uso de substâncias consideradas ilegais pelos governos, podemos recuperar suas afirmações de desmilitarização da linguagem e abolição da comunicação.
precisamos de uma sociedade na qual a comunicação não seja praticada, na qual as palavras se tornem nonsense, assim como acontece entre amantes.
hoje, enquanto militantes saudosistas se alojam por trás de léxicos do século XIX, ecologistas radicais defendem o primitivismo diante da utilização das tecnologias, chefes de estado negociam políticas em nome do “futuro”, acompanhar o movimento liberador dos escritos de cage, free cage, é ainda mais urgente.
distanciando-se dos consolos e tristezas utópicas, cage instigou a anarquia como experiência em movimento.
desde o final da segunda guerra mundial, as movimentações políticas que explodiriam nos anos 1960, já eram anunciadas por certos libertários estadunidenses. paul goodman, participara na segunda metade dos anos 1940, da publicação libertária why? e de encontros com refugiados da revolução espanhola na sede da SIA (solidariedade internacional antifascista). julian beck e judith malina, inventavam em 1947, o living theatre. nesse mesmo instante cage combinou em sua escrita libertária as práticas de liberdade de thoreau com a de libertários como emma goldman . ultrapassando os embates do século XIX e início do XX, ainda incorporou em suas afirmações as experiências estéticas propiciadas por invenções de alta tecnologia. deste modo inventou um anarquismo singular, interessado em embates desvelados no presente.
se a gente ‘pensa’ de modo fixo, imóvel, sobre o ‘quando os homens estiverem preparados para isso’ esse ‘quando’ parecerá sempre inatingível.
Para além das comemorações o vital é cage free, now!

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