terça-feira, 16 de outubro de 2012

flecheira.libertária.270


balancinho eleitoral 
Entre as suavidades e as diatribes encenadas dos marqueteiros, os efeitos de sondagens eleitorais, passeios de candidatos pelas periferias e ajustes nos negócios político-partidários, segue a disputa eleitoral pelas prefeituras. Levantam-se suspeitas sobre manipulações. Mas como não haver o  melhor engendramento quando está em jogo compor o corpo majoritário na política democrática? A representação é isso. A liberdade para existir deve abalar a representação, este ato teatral pelo qual um fala e governa os demais. No balancinho eleitoral, crescem as abstenções...  
sobre abstenções 1 
Em um Estado que obriga ao voto porque os cidadãos  ainda são considerados deseducados para a democracia, deixar de se apresentar no teatro eleitoral da política começa a tomar vulto: 1/3 do eleitorado da cidade de São Paulo não compareceu ao primeiro turno. Todos terão de justificar a ausência. Esta é a rotina estabelecida, desde os tempos da ditadura civil-militar, para controlar a cada um. Contudo, há um efeito a ser analisado por politólogos, marqueteiros, políticos, jornalistas e cidadãos...  
sobre abstenções 2 
Entre os que não compareceram há, sem dúvida, os que preferem vadiar, mas há também os que combatem a  encenação democrática, os contestadores, os livres. A obrigatoriedade do voto, estatisticamente, está anunciando uma derrocada do voto obrigatório, ou simplesmente mostrando que voto facultativo e obrigatório são partes de uma encenação que está se esgotando... Adiante, isso pode ser indício de contestação mais radical como também de ampliação de um fascismo mal disfarçado. 
eleições: presos em casa 
A Fundação Casa ― enorme complexo prisional para jovens no estado de São Paulo vinculado à Secretaria de Desenvolvimento e Ação Social ― divulga seu orgulho diante do que chama de “verdadeiro exercício de cidadania”, pela participação, na condição de eleitores, dos jovens que se encontram lá encarcerados. Mas não só. Ressalta o significativo número de egressos, que voltaram à Casa para votar pois é lá que se encontra seu domicílio eleitoral. A prisão não só explicita da maneira mais crua o aprisionamento que envolve o trâmite eleitoral, como mostra sem pudor, a partir da continuidade de cárceres para jovens no país, o aprisionamento que incide na redução de qualquer cidadão a um potencial prisioneiro do território do Estado. Um jovem que cumpre ou cumpriu pena sob a nomenclatura de medida socioeducativa está enredado, definitivamente, a uma pena que não finda, e cuja dívida infinita se situa, também, no denominado direito. Esta é a obrigatoriedade ao irremediável. É o retorno de onde nunca saiu: o cárcere seja ele transvestido de domicílio ou casa. 
eleições: presos de volta para casa 
Enquanto isso, em Atalaia do Norte, no estado do Amazonas, inúmeros indígenas ficaram presos sem ter como voltar para suas aldeias, pois não tinham  dinheiro para isso. Permaneceram ali, acampados em canoas na beira de um rio, junto a fossas de dejetos, naquilo que mais parecia um campo de refugiados flutuante, sem ter o que comer e beber, após seu translado de centenas de quilômetros, até as urnas mais próximas para votar. É que os coronéis, os canalhas capitalistas proprietários de terras que 
custearam sua ida às urnas, como perderam as eleições, negaram-se a pagar a viagem de volta.  
sem volta 
Diante das condições em que ficaram expostos, duas crianças indígenas morreram. É aqui, também junto aos índios ao lado de crianças que se esvaem por infecções, desidratadas, entre diarreias e vômitos que habita o outro flanco, deliberadamente não notado, dos suaves genocídios, dos cuidadosos etnocídios, dos encarceramentos protetores, acompanhados dos exercícios inclusivos e muita prisão, que se instalam em prédios, complexos, zonas, cidades, florestas, reservas, sertões, beiras de rio, igarapés, grandes cidades, ou num mangue, ou fim de esgoto sujo, onde cotidianamente é dado cabo de um corpo de criança ou jovem. Lá e aqui, onde pastam as moscas e os ratos.  
fim de feriado 
Domingo, 14 de outubro de 2012: mais duas favelas foram ocupadas no Rio de Janeiro num prosseguimento da chamada política de pacificação do governo estadual, com apoio do governo federal. Manguinhos e Jacarezinho são favelas do corredor de entrada do Rio que inclui a via expressa que liga o aeroporto internacional às zonas sul e central da cidade. A operação foi concluída às 10h da manhã, após rápida incursão das forças de segurança, sem tiroteio e com direito a hasteamento da bandeira do Brasil e hino nacional. As autoridades comemoraram mais uma “reconquista territorial” e sinalizaram para a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora até o final do ano. Ficaram satisfeitas, também, com a lisura e eficiência da operação, finalizada a tempo de que os cariocas voltassem para casa do feriado nacional com calma e segurança.  
junto e misturado 1
Enquanto blindados da Marinha passavam por cima de rústicas barreiras deixadas nas entradas da favela e policiais militares ― com a tropa de elite na vanguarda ― entravam nas favelas de Manguinhos e do Jacarezinho, acompanhados por uma retaguarda composta por policiais civis da divisão antidrogas e assistentes sociais. Os policiais civis buscavam capturar traficantes e iniciar investigações que se desdobrarão depois da ocupação das favelas. Os assistentes sociais localizaram e recolheram ― com apoio 
da PM ― cerca de 80 usuários de crack, encaminhados para triagem e tratamento compulsório. A  pacificação de favelas é conduzida por uma coalizão civil-militar que inclui forças armadas, policiais militares, policiais civis, policiais federais e assistentes sociais. 
junto e misturado 2
Mas não só. Logo virão ― ou aumentarão sua presença ― ONGs e projetos sociais de empresas e o programa UPP Social da prefeitura do Rio, com serviços públicos bancados pelo município. Uma grande composição de forças voltada à integração e que produz modulações nos tráficos e ilegalismos que não cessam, mas que se redimensionam sob a aprovação geral de favelados, empresários, políticos, militares, ongueiros, todos de olho em novos negócios e dividendos políticos. 
pacificações: presos por ambos os lados 1 
Enquanto isso, no início da manhã dominical, uma das maiores empresas de difusão em informação do país e do planeta suspende sua programação habitual para transmitir cobertura  completa acompanhada de comentários do antropólogo  especialista em segurança pública, propalando os já conhecidos elogios ao sucesso das  operações complexas de pacificação. Derramando verborragia sobre o inaceitável, reitera o consenso sobre a internação de crianças e jovens revestidas do novo-velho termo de recolhimento. Reversos do mesmo. A prisão acolhida que corre solta pelas ruas e sobre a qual quase ninguém tem coragem de se levantar e dar um basta. 
pacificações: presos por ambos os lados 2 
O foco da ação complexa, na madrugada do domingo, dirige-se ao que nomeiam de zona periférica dos complexos, envolvendo “a nova cracolândia”. E isto muito longe de arranhar, também faz parte das contrapartidas da mesma lógica que se iniciou pelo acordo entre o PCC e Fernandinho Beira Mar para aval de entrada do  crack, o lixo reciclado da cocaína, no Rio de Janeiro. Sem acanhamento algum, a senhora especialista e autoridade responsável sobre os informes da Secretaria de Desenvolvimento e Ação Social, explicita que a prisão sempre começa por crianças e jovens ao distinguir que para adultos cabe o recolhimento e para crianças e jovens o recolhimento compulsório, e não há discussão.  
pacificações: presos por ambos os lados 3 
Distingue-se o que se reitera. Os já conhecidos argumentos do velho-termo de polícia, de qualquer traficante, ou seja, de qualquer capitalista: o sucesso da abordagem. Deseja-se manter inalterado o estado das coisas, e conservar intocada a continuidade da prisão para crianças e jovens no país, sob outros revestimentos do chamado  cuidado  com elas e de sua proteção integral, garantida também pelo que a encadeia na  cadeia: o sucesso da abordagem. Enquanto isso, neste momento, crianças e jovens estão presos. Seguem em cana entre abordagens, triagens, novos encaminhamentos, processos, julgamentos, tribunais, celas e escolinhas, programas, projetos... Isto se chama, também,  inclusão pelo aprisionamento, sob a ampliação do mercado complementar entre os chamados lícitos e ilícitos que não se apartam do mercado da proliferação de infindáveis direitos.

2 comentários:

  1. Controle Poder e Sujeição
    Na impotência de criar e no correspondente esforço dos modos de desejo desligados das fontes do devir, encontramos não só uma vida tornada cativa, como obsecada por se conservar a qualquer custo, maníaca por segurança. Vemo-la ocupada em construir redomas subjetivas, gaiolas espirituais, prisões interiores fabricadas com signos da mesma linguagem que nos inclui na vida em sociedade. Adotamos e investimos, ao praticar essa linguagem, uma ordem de discurso que transmite de modo implícito e mudo sentenças, sutis ‘sins’ e ‘nãos’, pequenas e silenciosas sentenças de morte que quebram e curvam paulatinamente o desejo, travestidas de eficiência vital e liberdade responsável - observe-se as tonalidades acinzentadas e ritmo fúnebre dos discursos ‘competentes’ e ‘verdadeiros’ cuja ordem protegeria do mal e do caos e conquistaria garantias de um futuro indolor. Quanto mais a vida se debilita, mais torna-se suscetível de se ressentir e padecer da abertura e franqueza próprias dos jogos do existir; e então pode ocorrer também de imaginar reagir a eles, proteger-se deles agarrando-se a um 'desejo de segurança', refugiando-se e aquartelando-se em um poder de julgar. A gente acabou por contrair o hábito de ver e ouvir feito um pedinte mendigando atenção, que estende as mãos e espera em vão a provisão, e assim decepcionado, rejeitado e mais ressentido as recolhe vazias. Desde então acha-se natural acusar ao falar e exigir reparação. A gente deseja desde então apontar e denunciar o verdadeiro sentido por trás das ações, a boa ou má intenção latente do querer sob os atos e pensamentos manifestos: assim se lê escavando a procura de valores mais 'elevados' por trás das palavras, idéias e crenças expressas nos discursos; assim também se escreve feito um sisudo conselheiro, como quem prescreve advertidos deveres à vida para salvá-la, resgatá-la ao retomá-los, elegendo e restaurando a partir deles o bom fim.
    ( Texto retirado da escola nômade de filosofia escrita por Luiz Fuganti)

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