quinta-feira, 25 de julho de 2013

processos bulímicos e outras compulsões

a cartografia dos processos subjetivos desenhados pela compulsão -seja ela qual for- nos arremessa sempre a um grande vazio... podemos buscar elementos de compreensão nos ideais colocados pelo pensamento dominante, ou na questão do consumo, ou em qualquer outra questão, mas não podemos ignorar o aspecto principal que é o grande vazio, o grande buraco existencial que engolfa e engole o sujeito compulsivo... é de um vazio de sentido, é de um desespero sem fim, é de uma busca desvairada, é de uma agonia implacável que é feita a vida na compulsão... assim, a questão não está na droga, não está na comida, não está no consumo, não está nos ideais, não está em nada que seja buscado para tentar aplacar ou minimizar o grande buraco existencial... a questão está na possibilidade de se olhar para as promessas de afeto não cumpridas na vida da pessoa, as quais lhe produziram imensas crateras afetivas e existenciais.
o compulsivo busca preencher essa grande cratera com aquilo que melhor lhe apraz e acaba, no afã de administrar a culpa ou os efeitos dos usos abusivos de qualquer coisa que seja, produzindo ainda outras compulsões.
lidar com a vida. lidar com o grande vazio. inventar outra coisa de si. modular o furacão que engole a existência. produzir a vida... essas talvez sejam possibilidades que possam arrastar o compulsivo para a borda de sua grande cratera existencial, fazendo-o produzir força e potência para inventar outras andanças em sua vida!
(na sequencia, um extrato de um trabalho em grupo sobre essas questões, buscado em: http://laboratoriodoprocessoformativo.com/arquivos/page/10/)
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Nono encontro
Participantes : Adriana- A, Adriana- B, Meire, Reinaldo, Sandra, Marta.
Consignas:
Ao iniciar o grupo Adriana A fala que deseja ler uma poesia.
Regina : – “Está bem! Você pode ler”.
A poesia fala do sofrimento de não ser compreendida em seu sofrimento.
Regina: – “Como é podermos falar do nosso sofrimento, como nós percebemos a forma de sofrimento em nós.
Neste momento começaram falas dos sentimentos que vivem.
Adriana B – “Eu sofro de bulimia, sinto um desespero enorme de ficar com o alimento na minha barriga, ela é enorme e eu preciso vomitar para aliviar minha angústia. Quando minha mãe fecha o banheiro e eu não posso vomitar, pego uma faca esquento no fogo e me corto, precisa doer muito para aliviar a dor que sinto dentro de mim .
Regina – “Como você percebe o tamanho da sua barriga “.
Adriana B. – “Ela é enorme, eu sou enorme, muito gorda.
Regina – “Venha aqui perto de mim, e vamos experimentar o seu tamanho em relação ao meu tamanho. Toque em mim perceba as proporções e vá medindo. Agora você vai fazer isso com o grupo todo, um de cada vez. Você acha que é maior que todos eles, então você vai tocá-los e comparar com seu tamanho, vai tocá-los e depois tocar você mesma”.
Adriana B – “Sinto um vazio dentro de mim, mas estou um pouco mais aliviada.
Regina – “Vamos procurar após esta experiência respirar um pouco,vejam todos ficamos afetados pelo sofrimento da Adriana B. Então vamos encher e esvaziar o peito, deixando o ar entrar e sair.
Sandra – “Eu compreendo a Adriana B. , eu entrei em uma loja e comprei oitenta pares de sapato, não consigo conter a compulsão. Me acho horrorosa, meu rosto é todo deformado, todo retorcido”.
Regina – “Mostre para nós este rosto, como ele é ? “
Sandra vai montando uma expressão de horror, criando uma careta. Regina pede que ela junte as mãos em sua expressão colocando-as ao lado do rosto. Ao mesmo tempo pede para que todo o grupo reproduza a expressão da Sandra .
Fazendo mais e menos na expressão de horror vão surgindo no grupo sentimentos de: tristeza, medo aflição e angústia.
Adriana A – “Eu me sinto perseguida, com sentimentos de traição. Como se todo tempo tivesse alguém atrás de mim. Empurrando as minhas costas.
Regina – “Mostre para mim como é a pressão nas costas. Faça nas minhas costas o que você sente na sua, usando sua mão. Agora você vai pressionar e dizer : “Você está condenado !!!!.Formando uma roda todo o grupo vai organizar esta forma, vamos fazendo uns com os outros.
Terminamos o grupo abrindo para compartilhar as experiências deste encontro. Falas do grupo: – “Vivemos muita solidão e sofrimento , poder compartilhar foi muito bom. Trouxe alívio.
Décimo encontro:
Participantes : Adriana A, Adriana B , Sandra, Marta, Reinaldo, e Meire
Consignas :
Lembrando o grupo anterior. Falas do grupo:
- O espelho deformado da Sandra,
- A compra dos oitenta pares de sapato,
- Experimentando os diferentes tamanhos de barriga com a Adriana B.,
- A Adriana A leu sua poesia e contou sua estória.
Adriana A – Ah! Eu vou desmaiar!
Regina: – Encoste sua cabeça. Parece que você está arrumando um jeito de chamar a atenção.
Adriana A – Não, eu estou passando mal.
Regina: – “Agora você está melhor?. Então podemos parar de olhar para você.
Adriana A – Onde está minha atenção !!!!!!!. (Sorrisos).
Regina: – “Como vocês fazem para chamar atenção?. Cada um vai ocupar esta cadeira ã frente do grupo e mostrar como faz para chamar atenção, e o grupo vai imitar a forma apresentada. Um de cada vez vai sendo o protagonista.
Reinaldo: – “Eu não gosto de chamar atenção. Acho que tem algo errado em mim quando as pessoas me olham. Forma: caladão, respirando contido, expressão fechada.
Adriana A – “Eu não sei chamar atenção. Então foi soltando o cabelo,ficando dengosa, jogando charme.
O grupo mostra para ela sua forma, ela reconhece.
Adriana B – “Chamo atenção me cortando.
Regina a convida a mostrar como faz. Então ela vai passando a unha sobre o braço como se estivesse usando uma faca. Num primeiro momento diz que precisava de uma faca. Regina diz não, e a convida a fazer o movimento com a mão. O grupo reproduz seu movimento para que ela possa ver. Ela diz que ficou desesperada de ver, mas não sabe fazer diferente.Conta que a irmã ao ver, no outro dia, tapava os olhos dizendo: Não quero ver coisa tão horrorosa.
Regina pede par o grupo repetir em coro muitas vezes a frase enquanto ela simula cortar-se: – “Não quero ver uma coisa tão horrorosa!”.
Adriana B: Fico com vontade de continuar cortando. Passar o dedo de leve com a Regina sugeriu não é bom, porque a dor é importante para mim, alivia minha culpa de comer, porque comer engorda. Eu não posso ser gorda porque ninguém vai me aceitar.
Regina – “Gostaria que você escolhesse alguém para fazer este movimento suave no seu braço. Enquanto ela estiver tocando você vai repetir: – Ela está me aceitando mesmo com todos os meus defeitos”
Adriana B – “Eu escolho a Adriana A. Ela vai recebendo o contato, enquanto vai repetindo a frase Regina a orienta para colocar a mão sobre a barriga, como se ela estivesse recebendo uma comida boa, que pode fazê-la crescer.
Regina: – “Você diz para si mesma : – Eu te aceito, – Eu te quero bem.
Adriana B.: – Isso tudo me acalmou “.
Sandra: – “Cabeça baixa, as mãos se apertando. Sentindo-se sozinha, infeliz e angustiada. Regina diz: – “Quando uma pessoa se fecha ela fica sozinha, como seria achar um jeito de colocar as pessoas perto”.
Aparece então um jeito de chamar com os olhos. O peito vai saindo do susto. Ela vai recebendo a solidariedade do grupo. Respirando e olhando, vai ficando emocionada de poder receber.
Meire – “Eu preciso da atenção do marido 24 horas por dia. Quando ele não pode estar comigo sinto uma angústia enorme,para aliviar eu me bato com objetos, pulo da escada, me enfio em baixo da cama.
Regina a convida a reproduzir o gesto de bater. Ela vai batendo lentamente com o punho fechado na perna. Eu não quero bater, mas não consigo parar. A angústia é maior que o desejo de não me machucar.
Regina: Parece que é uma criança que agarra na mãe e não pode deixar ela ir.
Regina: – Vamos criar com o grupo em roda um ninho, um berço, para conter e embalar a Meire.
Então o grupo criou uma forma aconchegante de embalar , com movimentos suaves, firmes e redondos, todos muito próximos. Cada membro foi revezando em fazer parte da membrana que dava contorno e ficar no centro do grupo recebendo cuidado e se aninhando. Todos puderam experimentar as duas formas do que acolhe e do que é acolhido.
Trabalhamos o tempo todo com a multiplicação de cenas, aprendendo uns com os outros
Isso ajuda criar validação de si juntamente com uma ecologia onde esses singulares comportamentos funcionam para produzir contato, ajuda, conhecimento, e sobretudo fazem sentido .
S. Paulo, novembro de 2000.

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