sábado, 25 de maio de 2013

essa coisa chamada c r i s e

Essa coisa chamada c r i s e
Autor: Nu-Sol
publicado em: sítio, São Paulo: nu-sol, 2009.



2008-2009: anúncio de crise. Noticia-se nas mídias e comentam-se nos carros, ônibus, trens, aviões, metrôs e nas calçadas, e na Internet: crise!  C-r-i-s-e. Quem produz essa crise? Quem ou o quê? Qual? Como?

Vivemos um tempo em que se espera que alguém dê conta da crise e que o faça pornós.

Metafísica da crise: ela é individualizada, é um quem. Toma a forma de uma invisível pessoa esperada ou quase íntima, um parente que reaparece quando menos se espera ou quando dele se imagina desvencilhado. É um ser: um velho conhecido, ou a velha restaurada? Uma senhora ou O senhor? A crise nada tem de jovial. Ela precisa ser conhecida, aparentar proximidade, portar certa maturidade para superações. Ela é também um espírito: deve ser incorporada pelas pessoas como inevitável transtorno, uma doença leve ou grave, e nos habitar sazonalmente. Não chega para ficar, mas para repor os elementos na mesma ordem!

A crise ataca o corpo e mata, arruína, produz o inédito e o caos. A crise também é imprevisível, não é metáfora da pessoa nem do espírito. Quem quer saber de inédito e de caos? Não sei! Só sei que há uma regra geral: quem sair da crise ganhando mais do que perdendo, amplia sua saúde! É o que se espera da economia, da psicologia de cada indivíduo, da vivência de grupos e classes. Colaborar, cooperar, superar!

Os chefes de governos e os governantes da casa, do trabalho, da escola, da prisão, nas periferias e nos condomínios abastados, nos partidos e sindicatos, nas organizações legais e criminosas e pelas ongs, adentro e afora, querem mesmo é que a crise passe; às vezes, imaginam que esta será a última. A expectativa pelo anúncio do fim da crise traz a esperança na reposição das normas, das coisas, dos arranjos, de tudo refeito com fé e ciência.

2008-2009: o que uma crise pode anunciar longe do retorno do mesmo, da ampliação ou administração da fome, dos brilhos fugazes dos poderosos, dos soturnos lambe-botas e dos resplandecentes tagarelas, dos colecionadores de efeitos da crise, dos infindáveis desamparados e desesperados? O que há longe da retórica, da academia, das enciclopédias, das doutrinas, dogmas, proselitismos e prefixologias? Qual neo ou pós virá; será definido um novo conceito?

Uma crise é um instante krisis: morte ou superação de um estado, decisão, alteração súbita, conjuntura perigosa — e um dicionário diz: anormal, grave e perigosa —; crise política, crise de governo, crise de superior. Crise é coisa de humano que cria poderes, domínios, mas que pode inventar liberdades e rupturas.

Propagandeiam o fim do neoliberalismo e com isso alardeiam o retorno da “crítica da economia política”, a pertinência das palavras de Karl Marx sobre o Capital. Novas-velhas disputas sobre o mesmo estado das coisas provocado pelas crises periódicas, inevitáveis, inacabáveis e de seus efeitos sobre o rebaixamento de salários, a redução de direitos, o desnível de consciência, a necessidade de mobilizações...

A Anarquia não se insinua neste eterno retorno de certeiros perpetuadores do capitalismo e de seus respectivos sucessores. A Anarquia ultrapassa o regime da Propriedade (privada, mista, estatal ou coletiva); aprecia a crítica, não para afirmar mais uma verdade profética, mas para empolgar a luta de libertários contra autoritários; busca a contínua multiplicação das singularidades dos livres, sob quaisquer condições no presente. Autoridade é propriedade (capitalista ou socialista); anarquia é liberdade.

2008-2009: dos levantes de jovens iracundos na Grécia e de outros que poderão chegar para revirar, meter fogo na revolta, atiçar insurreições, driblar os engenhosos articuladores de revoluções. Para o anarquista não há crise cíclica ou esperada: eu e você sabemos mapear as crises alheias, destruir e conviver com as nossas , sem penas, soterrando punições e cartografando nossas invenções.

O anarquista aprecia a democracia, sim, para nela inventar, produzir, experimentar, transformar muitas anarquias. O anarquista evita a crise que escoa para totalitarismos, porque é durante esses governos atrozes e efêmeros, que as forças de oposição imantam na reposição do capitalismo com democracia ou dos socialismos centralizados e liquefazem anarquias.

crise atual é um problema do capitalismo, com seus proprietários, burocracias pública e privada, acionistas, empregabilidades, governabilidades; com o excesso de habilidades em capturar inovações e em atrair criadores de ilegalismos lucrativos, que vão desde hackers até segurança mercenária, reintrodução da prática dos corsários, confinamento de empregados em empresas ilegais, acordos com organizações criminosas... É sua solução plasmada para revitalizar a ideologia do socialismo centralizado e/ou democrático. A crise, então, aparece nas mídias, em artigos, crônicas, talk-shows, mostrando-se evolucionista e dialética, funcionalista e compreensiva, marginal e estrutural. Enfim é uma senhora doente, pegajosa e anormal, em estado de liquidez, com a pretensão de permanecer viva a qualquer preço.

A crise, como qualquer uma dessas crises, propicia a sobrevivência dos miseráveis pedintes, dos agradecidos semivivos, dos favorecidos pelas migalhas dos benfeitores — que lhes deram escola, comida, gás, empregos e esmolas — para fortificados enterrarem seus próprios mortos com dignidade. A crise propicia a criação de novos ilegalismos que estarão contemplados nas futuras novas leis e orientarão os deveres dos cidadãos devotos dos direitos universais.

2009. O anarquista vive com suas inúmeras crises. A atual é de outro tempo e dura desde o instante que o neoliberalismo provocou a derrocada do socialismo. E agora? Ela mata ou cura? Devora ou vomita? Estarão os anarquistas tragados pelos socialistas?

Terão os anarquistas esgotados suas potências de liberdade no acontecimento1968?

Sabemos que o tal de anarco-capitalismo produzido pelos conservadores fez água. Isto não é uma metáfora! O anarco-capitalismo foi um dos nomes dados ao neoliberalismo para tentar imobilizar a potência da Anarquia. Do mesmo modo,especialistas internacionalistas insistiram em dizer que as relações entre Estados são pautadas na anarquia e na violência, justificando guerras justas, santas, cirúrgicas, preventivas, imprescindíveis...

Os anarquistas apreciam a democracia para produzirem singularidades. Não há revolta libertária no oportunismo das turbas, das sublevações de presidiários domesticados, dos amores pelas periferias e dos arrastões. Estes apenas usam das armas, da segurança e da delação contra si; alimentam populistas, vanguardistas e parasitas.

Anarquia nada tem a ver com capitalismo, nem com socialismo estatal. Anarquia é o surpreendente. Anarquia vive da crise jovial: perturbadora, convulsiva, insurgente e também engenhosa nas autogestões.

O anarquista não sai da crise e por isso arruína a noção de crise, de norma, de ordem, de universal, de plano e de mercado. O anarquista recusa a temporalidade da crise e ocupa livremente os espaços.

O anarquista é mais de um; é o diverso, é o passado, as memórias e o presente. Anarquista é um ideal, uma metáfora, uma metafísica, um universal. E também não é. Não? Não é um estado civil ou uma identidade; é um vacúolo no fluxo. Então não é um anarquista. Que libertário é esse?

2009: onde estão os anarquistas? Muito bem, tudo isso é muito bonito, mas onde estão os anarquistas? No século 19, no 20? Na divulgação da sua história, na propagação de seus ideais universais? Estão nos desdobramentos do anarco-sindicalismo, do sindicalismo revolucionário, na Internet, nas cooperativas, nas federações, em suas livrarias e editoras? Estarão noivos? Estão na revolta dos jovens estudantes gregos? Estão nas memórias de barricadas, na Palestina, no MST, no Tribunal Popular? Estão por dentro e como bons acadêmicos situam pré-anarquismos e pós-anarquismos? Estão noticiando isso e aquilo? A crise mata ou cura? Devora ou vomita? Estarão os anarquistas tragados pelos socialistas? Terão os anarquistas esgotados suas potências de liberdade no acontecimento 1968?


Núcleo de Sociabilidade Libertária - Nu-Sol
Texto extraido de http://www.nu-sol.org. Acessado em: 25/05/2013.

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