terça-feira, 7 de abril de 2015

hypomnemata 174

Boletim eletrônico mensal
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 174, março de 2015.
Da maior importância
Cinco anos depois da Constituição de 1988, já aparecia a Proposta de Emenda à Constituição, a PEC 171, sobre a redução da menoridade penal para 16 anos. Diante dos efeitos da mobilização constitucional da época, os setores conservadores não obtiveram sucesso. Mas como as forças reativas, sempre esperam pela ocasião em que os progressistas estão enfraquecidos, principalmente dentro do senado e da câmara, eles retomam suas investidas. E o fazem desta vez, com o apoio da oposição capitaneada pelas bancadas evangélicas e “da bala” (codinome adequado à Frente Parlamentar de Segurança Pública da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara). Derramam seus velhos, preconceituosos e amedrontadores argumentos revestidos de contextos jurídicos em prol da segurança. Declaram a contestação à PEC como ideológica e se aclamam os justos proclamadores da verdade, agora escorados no princípio de maioria.
Esses agentes interessados em encarceramentos, construções de presídios, dispositivos eletrônicos de controles, e verdadeiros defensores da moral sabem usar e abusar do princípio da maioria do qual depende a democracia representativa e participativa. Eles também expressam uma vontade de maioria de encarcerar jovens com 18, 16, 12, em qualquer idade. Por isso, neste momento, a possível discussão se resume ao argumento de cláusula pétrea ser ou não consistente. O debate parlamentar e nas mídias gira em torno deste ponto como se o discurso criminológico fosse apenas composto de saber jurídico, do mesmo modo que as constantes práticas de judicialização, e coroado de justificativas de como no país X ou Y se define a idade certapara prender. Não escasseiam argumentos jurídicos e penalizadores que oscilam quanto à convenção em 18 anos como idade de responsabilidade penal, segundo épocas mais ou menos conservadoras. Escancaram ser preciso punir mais e melhor.
Os agentes interessados na redução da maioridade penal não se contentam mais com prisões para jovens. Para eles pouco importa que a gestão das prisões é compartilhada entre administração prisional pública ou privatizada e facções criminosas. Isso é a prisão moderna desde o século XIX e como tal ela é objeto dos reformadores sociais que balbuciam e, às vezes gritam, afirmando ser ela a fábrica ou a empresa de delinquentes. Pouco importa, ela deve ser produtiva e, lá dentro, cada um, ao seu modo, deve ser reeducado para o certo, mesmo sabendo-se que aqui fora viverão do incerto e da continuidade dos ilegalismosPouco conseguem as escolas, os equipamentos sociais, as ações pacificadoras das polícias. Elas geram empregos, lucratividades, capturam lideranças para programas sociais compartilhados e produzem empreendedores sociais que desovam seu ramerrame discursivo.
Experimentam-se, em um ou outro lugar, maneiras inovadoras de administrar as infrações, em sua grande maioria seletivamente realizada pelo sistema penal sobre pobres e pretos, ou quase todos pretos como diz uma famosa canção brasileira. No Brasil se aplica o Estatuto da Criança e do Adolescente, inclusive com internação provisória e internações apenadas. Entretanto, os conservadores dizem que isso é pouco; que o jovem infrator deve ser punido como um adulto e por isso mesmo, se jovem é o garoto e a garota com mais de 12 anos, os mais teimosos se arvoram em defender a redução da idade penal seguindo esse critério.
Em uma situação como essa, devemos nos perguntar, para além da atual massa obsessiva parlamentar e da maioria crente na punição: não está na hora de se abrir uma discussão sobre como acabar com as prisões para jovens? Os programas transnacionais investem em acabar com a pobreza, melhorar as condições de saúde, habitação, escolarização etcetc, patrocinados pela ONU, e cada governo mostra seus índices de desenvolvimento estáveis ou crescentes. Os perseverantes em segurança só conseguem pensar em armas legalizadas, polícias, exércitos e prisões. Miram o tráfico como alvo principal, mas procuram não acertar na mosca. Acabar com o tráfico traria um prejuízo levaria a mais uma crise econômica. Então se a conversa é moral, os irrelevantes dados estatísticos sobre infrações de jovens só interessam quando é para mostrar que esses jovens encarcerados depois habitarão as prisões? Por mero exercício lógico, isso nada mais é que reconhecer que as prisões para jovens não servem para os jovens infratores.
A massa dos representantes que lá decide é eleita pelos adultos e jovens. De certo modo expressa a miséria ética de nossa sociedade de maioria e de minorias numéricas. A/O jovem sob qualquer regime de maioridade penal não pode ser candidato a representante; é vista (o) como incapaz, só deve obedecer. Então, para que vale a educação? Dizem os apressados: para formar o bom cidadão. Bom, porque deve aprender a abrir mão de sua vontade para um representante, cumprir suas obrigações e interiorizar o medo, cuja imagem mais nítida e cruel está na prisão.
Discutir maioridade penal, com ou sem cláusula pétrea, é enfrentar a diversidade de experimentações possíveis sem encarcerar o jovem. Quem nunca cometeu uma infração?... Mas você responderá: eu nunca cometi um crime hediondo. Sorte sua, de ainda não ter enfrentado uma situação-problema surpreendente.

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