segunda-feira, 12 de agosto de 2013

flecheira.liberstária.304

maconha às pampas
Na semana passada, a Câmara dos deputados uruguaia aprovou o projeto de lei que legaliza a produção, venda e consumo de maconha. A proposta coloca este circuito sob controle do Estado: o cultivo será estatal, os consumidores serão cadastrados e os pontos de venda autorizados e vistoriados. Muitos reformistas e antiproibicionistas se animaram mundo afora elogiando o passo uruguaio. Enquanto isso, proibicionistas alertam para o perigo de que o consumo aumente. País algum fez isso desde que o proibicionismo foi articulado como padrão jurídico-político mundial a partir dos anos 1910 e, por isso, o presidente uruguaio foi chamado à ONU para se explicar...
avisa lá!
A ONU quer explicações para o que classifica como rompimento dos tratados internacionais sobre drogas. Antes da proibição, no entanto, as drogas psicoativas não eram legais nem ilegais. Elas simplesmente existiam nas práticas inebriantes de uns e outros, nas mais diferentes sociedades e épocas. Mas as políticas sobre a vida das populações, acionadas no século XIX, incluíram essas experiências únicas como uma das táticas do governo sobre todos e cada um. As drogas e seus consumidores se transformaram em negócios para a indústria farmacêutica e em alvos políticos no governo das condutas. Foi a proibição que legalizou as drogas pela primeira vez pela porta do direito penal e dos códigos médico-sanitários. E foi essa legalização que propiciou o mercado ilícito crescer, o narcotráfico se transterritorializar, as pressões diplomático-militares acontecerem... O presidente uruguaio deverá dizer na ONU que a lei é para limitar o uso da maconha pela lógica da saúde pública. E deve se safar por aí. 
efeitos
Agora, o Uruguai pretende relegalizar a maconha. Dessa vez, não proibindo, mas autorizando sua existência com o objetivo não de incentivar o uso da erva — como afirmam os conservadores — mas de limitá-lo, demarcá-lo, circunscrevê-lo e, se possível, como diz o projeto de lei, eliminá-lo. Agora, espera-se que o consumidor se transforme num maconheiro oficial, com carteira, foto em banco de dados etc. e tal. O mesmo para os vendedores credenciados. Tudo é tratado como um problema de saúde pública a ser erradicado. E sendo aprovada a lei no Senado pode até ser que o tráfico de maconha diminua diante de uma aceitação passiva e complacente do controle estatal por parte dos usuários. Mas enquanto houver leis que permitam ou proíbam as drogas haverá ilegalismos úteis para gestão do capitalismo, dos governos sobre si e dos próprios ilegalismos. 
fora (do dentro) da lei
A mesma proposta de lei uruguaia autoriza, com muitos limites e controles, a plantação para consumo próprio e a formação de pequenos “clubes de maconha” formados por consumidores/plantadores. Tudo com a vigilância do Estado. Esses clubes já existem em muitos países, como no Canadá e Espanha, em meio à vigência da proibição, e são modos inventivos de evitar a sujeição ao tráfico (que existe com a ilegalidade), ao Estado (caso se legalize com controle estatal) e ao capital (caso se legalize como defendem muitos neoliberais). Nesses clubes, consumidores plantam, trocam experiências e consomem tudo a preço de custo sem que haja um mercado. Clubes e cooperativas como essas escapam da lógica da repressão, do ilegalismo e do capitalismo. Quando uma lei as reconhece e limita, eles são sufocados. No entanto, sua existência desvinculada de legalizações mostra que há como produzir práticas de liberação das drogas sem demandar reconhecimento, regulamentação e controle do Estado. 
wanted, dead or alive
No velho oeste, cartazes estampavam os procurados e o Estado democrático recompensava quem os entregasse vivos ou mortos. Hoje, a caça aos foras da lei sofisticou-se com o emprego de câmeras de vigilância. Ao mesmo tempo em que uma enxurrada de pequenas condutas são incluídas no regime dos castigos, o escopo dos monitoramentos amplia-se cada vez mais. A Prefeitura de São Paulo já instalou pelos menos cinco câmeras para monitorar quem joga lixo e entulhos nas ruas. Mas como punir os que fazem da via pública um aterro sanitário ilegal? Supliciar, matar, prender? Na sociedade de controle, extorquir e expor basta. Além da já prevista multa, a proposta é exibir na televisão quem não participa de forma colaborativa da higienização da cidade. No tribunal dos monitoramentos, a exibição na TV como sentença. Com certeza, não faltarão juízes.
#omesmo
No rescaldo dos últimos embates pelas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro, o grupo hackitivista e cyberativista anonymous passou a ser caracterizado de outra maneira. A máscara da legião deixou de ser atribuída a uma “gangue de hackers” como noticiava-se anos atrás. Agora, diante do Black Bloc, o anonymous, em uma carta lançada em redes sociais, afirmou sua diferença com a tática usada recentemente nas ruas. Posicionou-se contra qualquer ataque a estabelecimento, seja uma loja ou um banco. A legião queixou-se da falta de agenda, de pauta, de centralidade do Black Bloc. Afinal, defende a pátria, seus prédios, polícias e bancos. Anseia por reformas institucionais, ordem e reivindica direitos em seus cartazes nas ruas e tweets na internet. A máscara do anonymous não surpreende mais ninguém. O bolor que ela recobre visa exatamente a conivência com a continuidade da violência própria ao Estado e proprietários.

Nenhum comentário:

Postar um comentário