segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Paixões e químicas

por Sandra Djambolakdjian Torossian1

As paixões são moradas da juventude. Há paixões maduras que rejuvenesce quem avança na idade. Apaixonamo-nos pelas pessoas, pelo trabalho, pelos livros, pelo esporte, pelo ócio. Apaixonamo-nos, também, pelo que conseguimos consumir. Aliás, é esse um modo contemporâneo da paixão. Somos capazes, e cada vez mais incentivados, a apaixonar-nos pelas coisas, por objetos de mercado. Vislumbramos aí espectros da felicidade.
Fórmulas e pílulas mágicas nos indicam o caminho do sucesso e da realização. Tristezas, decepções e frustrações, comuns à vida de qualquer um, são rapidamente remediadas com medicações ou objetos a consumir. O fármaco, lembram os filósofos, é remédio e veneno. Remédio e veneno se alternam na dança do consumo. Qualquer medicação, prescrita para a cura, pode se tornar nociva dependendo do uso que dela se faça. E qualquer fármaco antecipadamente “nocivo” pode ser usado como medicação para os males da alma.
A química é um dos nomes da droga. Mas a química é, também, um dos nomes da atração. Não tem química, diz quem busca explicações para a falta de paixão.
Há vários modos de se ligar passionalmente ao outro. Há o ficar eventual, o ficar habitual e o ficar mais constante. Há, também, vários modos de se ligar às drogas.
A experimentação eventual é um início de exploração que pode durar uma vida inteira. Como há quem se relacione eventualmente com a mesma pessoa durante anos.
O hábito nas relações é, por outro lado, um tipo de relação comumente encontrada no amor e em quem consome drogas. Hábito para momentos ou circunstâncias específicas, de lazer, trabalho, ansiedade, solidão.
“Ficar” habitualmente com alguém em festas; consumir drogas para aproveitar a balada. Sair com alguém nos momentos de solidão; usar alguma substância que faça companhia. Sair rapidamente com o(a) colega de trabalho; dar uma “cheiradinha” para enfrentar uma árdua jornada.
Compartilhar com alguém um casamento; casar com alguma droga.
Não se assuste caro leitor, amor e consumo não são equivalentes. São relações. Relações amorosas, relações de consumo. Por vezes o amor torna-se relação de consumo. O inverso é também verdadeiro.
Uma paixão ou um amor se cura com outra/o, diz a sabedoria popular. Raramente sugerimos a alguém que sofre um “mal de amor” que restrinja suas relações. Ao contrário, oferecemos várias outras possibilidades. Apresentamos-lhe novas pessoas, o convidamos para eventos, atividades. Tentamos abrir outras possibilidades de escolha.
Curiosamente, até agora, temos feito diferente com as paixões químicas. Temos achado que a única solução para ela está na restrição das atividades. Temos fechado as pessoas em hospitais ou clínicas, limitando suas possibilidades de amizade, limitado suas outras relações. E muitas vezes sem sequer saber qual é mesmo o modo de relação no qual se encontra. Internamos trabalhadores consumidores de droga, quando muitas vezes o trabalho é uma das únicas relações que mantém a pessoa com um laço comunitário. Decretamos um casamento com a droga quando se trata simplesmente de um ficar eventual.
Do mesmo modo que um amor se cura com outro, a saída para as paixões químicas está na criação de outras relações passionais. E não na limitação das possibilidades de se apaixonar.
Há vezes em que um casamento intenso ou de longa duração implica em recaídas. Idas e vindas comuns a quem viveu um amor intenso ou uma relação de hábitos comuns. Especialmente para quem estabeleceu relações de dependência com seu parceiro ou parceira.
Idas e vindas no consumo e dependência às drogas são também comuns. Há que suportá-los.
Às vezes os casais em processo de separação precisam se distanciar, sem manter qualquer tipo de contato. Também isso acontece com as paixões químicas. Mas precisa ser uma escolha e não uma imposição. Na imposição, o efeito é breve. Uma escolha acompanhada pela amizade, pela paciência e pela parceria de quem disponibiliza um suporte abre caminho para novas escolhas.
Internações compulsórias e repressão exclusiva da oferta são lógica exclusiva da limitação, uma política de restrição, sem a criação simultânea de outras possibilidades. Precisamos urgentemente de soluções que abram possibilidades de novas paixões e não que limitem ainda mais os recursos dos apaixonados.

Psicóloga, psicanalista. Membro da APPOA. Profa. do Instituto de Psicologia da UFRGS/ Departamento de Psicanálise e Psicopatologia. E-mail: djambo.sandra@gmail.com.

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