domingo, 27 de janeiro de 2013

Carta de Repúdio à construção de uma unidade de saúde na FASE


O Conselho Regional de Psicologia da 7ª Região, em consonância com o Conselho Regional de Serviço Social da 10º Região, manifesta-se acerca da decisão judicial proferida pelo 1º Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Porto Alegre, em decorrência da Ação Civil Pública refletida no Processo nº 001/5.08.0134068-0, a qual condena o Estado do Rio Grande do Sul e a Fundação de Atendimento Socioeducativo do RS (FASE) a “implantar programa permanente de atendimento individual e especializado, em local adequado, de adolescentes portadores de problemas mentais ou transtornos psiquiátricos graves” , decisão esta amparada e confirmada pelo STJ e STF:
1. A manifestação do STJ em sua decisão prescreve como modo de atendimento de adolescentes com quadro de transtorno e/ou deficiência mental grave a segregação, separação ou mesmo isolamento, quando esses estiverem cumprindo medida socioeducativa em regime de internação e internação provisória. Essa decisão fere as disposições legais previstas na Lei nº 10.216 que versa sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental -, na Lei nº7853/89 – que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social -, assim como na própria Lei nº 12594/12 – que institui o Sistema Nacional Socioeducativo/SINASE quando indica que o adolescente deve ser avaliado por equipe multidisciplinar e multissetorial de acordo com art. 45. Ainda podemos amparar no Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8069/90 e no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente – resolução nº 113 e 117 do CONANDA que prevêem a proteção integral de crianças e adolescentes em território demandando articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil – e na Constituição Federal.
2. A previsão de separação só é admitida nos termos do art. 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8069/90 quando tem como objetivo a proteção integral do/da adolescente. Somente nesse caso, utiliza-se de critérios de idade, compleição física e ou gravidade do ato infracional.
3.  Portanto, partindo da perspectiva de ‘incompletude institucional’, a garantia de acesso à saúde dos adolescentes autores de atos infracionais privados de liberdade, prevê entre outras prioridades, a reforma e a aquisição de equipamentos para as unidades, assim como a adequação do espaço físico de todas as unidades às exigências da Lei nº 12.594/12 – SINASE -, garantindo condições de salubridade e área de lazer. Prevê ainda, a educação permanente, tanto das equipes de saúde e dos profissionais das unidades de internação e de internação provisória, quanto dos profissionais que atuam nas unidades de saúde de referência, nos níveis de atenção básica e de média complexidade.      
4.   O CRP da 7º Região está em consonância com o CRESS 10ª Região apontando para o risco da ‘psiquiatrização’ do atendimento a adolescentes autores de ato(s) infracional (is) e privados de liberdade, em face de uma decisão judicial que determina a criação de um ‘espaço’ específico destinado a oferecer atendimento a adolescentes com quadro grave de transtorno e/ou deficiência mental, durante o cumprimento de medida socioeducativa de internação. Prática de segregação visivelmente contrária aos paradigmas do Estatuto da Criança e do Adolescente e, sobretudo quanto às diretrizes estabelecidas a partir da Reforma Psiquiátrica; em detrimento do investimento em políticas sociais públicas e da universalização e pleno acesso dessa população as políticas, sobretudo na área de atenção à saúde mental.
5. A garantia do direito à saúde mental de adolescentes privados de liberdade que apresentem transtorno e ou deficiência mental, em regime de internação ou de internação provisória, supõe, portanto, ações de atenção em saúde que não se esgotem nos limites dos recursos da instituição socioeducativa, garantindo o acesso dessa população à assistência de média e alta complexidade – ambulatorial, nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), ou de internação hospitalar, quando necessário -, bem como o convívio com os outros adolescentes, familiares e comunidade, numa perspectiva inclusiva.
6.  Nesse sentido, o estabelecimento de unidade de saúde mental destinada à internação específica de adolescentes com transtorno e/ou deficiência mental, no interior de instituição socioeducativa, colide com a própria previsão legal constante do parágrafo 4º do art. 64 da Lei 12.594/12, a qual faculta à autoridade judiciária, inclusive, a excepcional possibilidade de suspensão da execução da medida socioeducativa, “com vistas a incluir o adolescente em programa de atenção integral à saúde mental que melhor atenda aos objetivos terapêuticos estabelecidos para o seu caso específico”. Fica evidente, que, uma vez avaliada, por equipe interdisciplinar – conforme previsto no caput desse mesmo artigo -, a necessidade de algum tratamento a adolescentes que apresentem transtorno e/ou deficiência mental, a prioridade é de encaminhamento para recurso em local diverso à unidade de internação ou de internação provisória. Agrega-se a essa orientação legal o princípio da possibilidade de perda ou precariedade de sustentação do próprio objeto da medida socioeducativa, face à algum quadro de saúde mental que comprometa a capacidade de o adolescente submeter-se ao cumprimento da própria medida, como explicitamente previsto no parágrafo 1º  do art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
7. Portanto, a questão não diz respeito à implantação de um programa “permanente de atendimento”, como determinado na Sentença Judicial, pois sabe-se a pertinência e a necessidade de atendimento. Pautados pelas normas já existentes e respeitando o princípio de hierarquia das normas, entendemos que o atendimento de adolescentes necessita mais do que a FASE pode oferecer, pois essa tem uma função social específica: o cumprimento de medida socioeducativa. A controvérsia é a exigência do “local adequado”, que remete à possibilidade de separação do atendimento a um determinado segmento de adolescentes.
8. É dentro dessa perspectiva de acesso a serviços da rede do SUS, bem como com atenção básica da Unidade da FASE, que o CRP 7º Região em consonância com CRESS 10ª Região, reconhece a necessidade de atenção especializada a jovens acometidos por transtorno e/ou deficiência mental, a qual deve estar prevista no Plano Individual de Atendimento (PIA). A garantia da regionalização do atendimento, avanço significativo, ao longo das ultimas décadas, não deve, sob qualquer argumento, retroagir, sendo os jovens com os referidos quadros também credores desse direito. Isso posto, ressalta-se ainda, que a socioeducação direcionada a todos os jovens e aos que são acometidos de transtorno e/ou deficiência mental, ampara-se em objetivos socioeducativos que implicam em abordagens educativas, esportivas, culturais, profissionalizantes, de vinculação social e familiar. O âmbito estritamente médico-clínico é uma das dimensões das necessidades desses jovens, não resumindo o escopo de suas demandas e direitos. Desse modo, propõe-se que a ação judicial em tela tenha seu objeto revisto, considerando os aspectos aqui expostos.
9.   O CRP 7ª Região, na perspectiva de atenção aos princípios de sua profissão implicada com a “defesa dos direitos humanos” e de “colaboração na criação de condições que visem a eliminar a opressão e a marginalização do ser humano”, princípios estes expressos no Código de Ética Profissional do Psicólogo - Resolução CFP nº 002/87 –, manifesta preocupação com os rumos da decisão judicial em pauta. Uma decisão que acaba reforçando uma lógica de patologização do adolescente autor de ato infracional, propiciando nesse interim à emergência de ‘novos’ manicômios judiciários, a exemplo da Unidade Experimental de Saúde construída e implantada pelo Governo do Estado de São Paulo, a qual já vem sendo alvo de denúncias devido a situações de violação de direitos humanos.
Porto Alegre, 17 de janeiro de 2013.                                                                                                                                                             
Atenciosamente,
Loiva dos Santos Leite
Conselheira Presidente do Conselho Regional de Psicologia – 7ª Região

Um comentário:

  1. Olá Maria Luiza!
    Triste situação.
    http://jefhcardoso.blogspot.com lhe espera. Abraço e boa semana!

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