quinta-feira, 3 de abril de 2014

flecheira.libertária.332

31 de março, 50 anos
O golpe civil-militar armado desde a renúncia de Jânio Quadros foi levado adiante em março de 1964 em nome da preservação da democracia e prenunciava a ditadura. As interpretações laudatórias enfatizam deturpações e perversões. Produzem ornamentos. Querelas à parte, o que ainda surpreende foi o silêncio amedrontado da massa na hora, no dia e nos anos seguintes. Equivocadas ou inequívocas contestações armadas, ficaram escondidas pelo milagre, os ilegalismos ganharam estatuto de legalidade, os empresários continuaram lucrando, os políticos vestindo a indumentária que melhor agradasse os golpistas e vários corpos torturados desapareceram. Ficou o silêncio medroso da massa obediente que foi trabalhar e voltou silente para casa nos sempre abarrotados transportes públicos insuficientes. A massa abúlica e covarde é a glória do golpe e da ditadura. É a sua procissão de coniventes mortos-vivos.
dezembro 1964
A ditadura civil-militar decreta que crianças e jovens são problemas de segurança nacional. Arma um complexo institucional para capturar, internar e educar crianças e jovens no programa bio-psico-social. Reforma as velhas prisões e os internatos estatais. Em sua modernidade extemporânea, reitera a tortura e os espancamentos dissimulados ou não em valores de formação moral. Depois da ditadura, as mesmas prisões continuam lotadas pelo que há de favorável e contrário no Estatuto da Criança e do Adolescente. A Febem travestiu-se de Fundação CASA. Na democracia ou na ditadura educam-se crianças e jovens com base no castigo familiar, escolar e governamental, com muita violência, para punir e matar. Se é necessário dar um basta na escandalosa tortura de presos políticos no passado, é também urgente interceptar o anonimato contínuo que preserva os torturadores dos presos comuns, sejam eles jovens ou adultos encarcerados ou somente inominados corpos desaparecidos. 
junho 2013 em diante
A democracia da massa abúlica e covarde investe em lei antiterrorismo, prescreve como se deve contestar e teme que sejamos mal vistos nos noticiários da Copa do Mundo por não nos apresentarmos como recomenda o teatro das representações dirigido por democratas e empreendedores estadunidenses e europeus. A miséria transita desgovernada pelas ruas. Esse contingente de moradores de rua, temporariamente, pode ser calado com uma marmita e um crack, assim como, famélico e insubordinado, atravessar os cordões da ordem de benfeitores e policiais. Em tempo: nas últimas manifestações em São Paulo há mais policiaisque contestadores. O protesto está sendo docilizado e reconduzindo os desfiles da massa abúlica e covarde pelas ruas e avenidas em clamor por migalhas do Estado.
a violência que não tem fim
Noticia-se que, recentemente, não há mais confrontos entre policiais e manifestantes; que não há mais nenhuma pessoa ferida ou detida; que a polícia não é violenta. Entretanto, quem esteve presente na manifestação do último dia 27 de março constatou como os policiais continuam xingando, provocando e ameaçando os manifestantes. Incomodados com os cânticos, a vontade estampada em cada policial era a de espancar cada um dos manifestantes. Não o fizeram porque, obedientes às ordens de seus superiores e receosos do destemor dos que lá estavam, tiveram que se conter. Os manifestantes também não deram o que eles queriam. Não temer a polícia é reiterar que a violência é própria de quem veste a farda. 
arregos e arreglos
O complexo de favelas da Maré, no Rio, foi ocupado pelo exército e pela marinha. É ano de Copa e, com isso, o caminho dos gringos do aeroporto internacional até Ipanema e Copacabana estará “pacificado”. É ano de eleição e o governador quer eleger seu vice. É ano de Copa e eleição e o governo federal não quer manifestação, tiroteio, gringo assaltado, policial morto, favelado protestando. Tudo tem que funcionar para o mercado do voto, da vitrine internacional, dos negócios e negociatas na Wonder City.
aplicar o modelão
A operação na Maré foi uma réplica daquela que ocupou o Alemão em 2010. O primeiro batalhão a entrar foi, novamente, o que já esteve várias vezes no Haiti, invadindo favelas por lá. Assim como no Haiti, a ocupação visa integrar populações ao mercado, aos serviços públicos privados, à democracia formal. Assim como no Haiti, a “missão de pacificação” tem data formal para acabar, mas a promessa explícita de ficar por tempo indeterminado. Depois vêm as ONGs de fora e as da comunidade, patrocinadas por corporações multinacionais com seu marketing sustentável. No Haiti ou aqui, o governo de populações e negócios se modula, se testa, se espraia.
felicidade geral da nação?
A ocupação militar no Rio conta com o alívio geral de gente do morro e do asfalto, da FIFA e dos muitos negócios que inflacionam a cidade. Alívio com a presença do exército, alívio com a militarização intensificada da polícia, alívio com os blindados da marinha e helicópteros da aeronáutica. Alívios na semana dos cinquenta anos do golpe civil-militar que aliviou tanta gente que assentiu com a repressão, a tortura, o autoritarismo em nome da segurança, da moral, da ordem. Os blindados voltam às ruas na semana do aniversário do golpe, revestidos agora de dispositivos democráticos e constitucionais dirigidos para o mesmo propósito: garantir a lei e a ordem. De quem? De muitos?
on fire! 
A especulação imobiliária em Nova York varre a cidade, formando guetos. Seja na ilha de Manhattan ou nas demais áreas do Brooklyn e Queens, a força da grana impele para longe, quem não está para o rentável jogo do mercado. Em 2013, o The Living Theatre, grupo anarquista de teatro, criado por Julian Beck e Judith Malina em 1947, fechou suas portas. Judith Malina, atriz, escritora, amante e anarquista, como costuma se apresentar, mesmo obrigada a morar do outro lado do rio Hudson, estreou esta semana a nova peça do The Living Theatre, “No place to hide”. Entre jovens, amigos e pessoas interessadas em viver outra NYC, off, off, off Brodway, Judith celebrou a continuidade de uma existência inquietante, em que a saúde de suas ideias e o jeito livre de tocar na vida, extrapola e combate o que o mercado dita. Judith continua on fire pelas ruas e cabeças de New York. 
uma anarquista 
É sempre bom lembrar. Malina foi presa no Brasil, em 1971, na cidade de Ouro Preto, com o The Living Theatre. Antes de ser expulsa do país no ano seguinte, perguntou às mulheres com quem dividiu a cela do DOPS em Belo Horizonte: o que podemos fazer por vocês? A partir da experiência na prisão, em 1972, montou com o The Living Theatre uma das primeiras apresentações públicas que expuseram a prática da tortura pela ditadura civil-militar brasileira. A apresentação pelas ruas de NYC da chamada “Seven Meditations on political sado-masochism” expunha, a partir das torturas sobre o corpo de um revolucionário, a omissão de parte da população brasileira e o apoio dos Estados Unidos às violências abomináveis praticadas pelo Estado ao sul da América. Passados quarenta anos, Malina segue adiante, escancarando seu fogo libertário, agitando as ruas no planeta.

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