quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

ABRE AS PERNAS MULHER!

outra composição vinda de um tempo ido... também veiculada no jornal estilo, antanho...
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“As pessoas escrevem a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os outros, para denunciar aquilo que machuca e compartilhar o que traz alegria. As pessoas escrevem contra sua própria solidão dos demais –porque supõe que a literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe, e nos ajuda a nos conhecermos melhor, para nos salvarmos juntos.” Eduardo Galeano
Desculpe-me, quem lê estas mal traçadas, se às vezes trago muito mais tristezas do que alegrias/ muito mais solidão do que solidariedade/ muito mais ignorância do que conhecimento... desculpem-me por às vezes ser vulgar... desculpem-me se às vezes tenho uns desatinos, porque acontece de eu ser assim tão desatinada quando vejo o encontro da realidade com o absurdo/ tenho essas coisas de sair fervendo, mesmo enquanto muitos saem somente a balançar a cabeça como que dizendo que o mundo e as pessoas são assim mesmo, do jeito que são... a esperança me brota em minhas veias sempre que tenho a impressão de que vou morrer quando dobrar a próxima esquina da existência... com essas coisa vou lidando, tranquila e no passo da vida, mas há outras que simplesmente me fazem gritar e espernear, e uma delas é a  opressão... porque quem é feito de carne, osso e vida não pode rastejar enquanto outros lhes pisam a cabeça!
“Abre as pernas mulher!” é uma frase que condensa dois raios de opressão, um de sua própria enunciação e outro do enunciado “fecha as pernas mulher” , e talvez ainda um outro vindo das convenções que reproduz aquele que os enuncia... hoje já vou falando, assim de cara, dessas coisa de mulher abrir as pernas, porque dia desses eu não vi, mas minha amiga Beth viu, ouviu e lambanciou (sic!) comigo sobre uma entrevista exibida, não lembro em que canal de televisão, com o cantor e compositor Tom Zé, brasileiro que acho que ainda está radicado nos Estados Unidos... lamento que tenha tido que ir pra lá para ser visto por aqui... gosto muito desse sujeito, não só por ser ele um sobrevivente da sociedade, da subjetividade e na luta permanente com o mercado, mas principalmente por ser um sobrevivente cultural.
E entre muitas coisas bonitas e interessantes que ele falou nessa entrevista, quando estava vestido com as provocativas roupas com que se orna em seu mais recente show, foi do dilema da mulher resultante da opressão... perguntava-se como é que a mulher vai gozar/ vai ter orgasmo se foi criada ouvindo a determinação “fecha as pernas menina/ fecha as pernas mulher” e passa a vida tendo que se recolher e negando sua própria sexualidade, para de repente lhe aparecer o mesmo sujeito que a oprime, dizendo abre as pernas mulher” e ela tem que abrir como condição que lhe és dada e posta... por essas e outras demoramos anos e séculos para construir o conhecimento sobre o orgasmo, enquanto muitos pensam que é apenas uma questão de abrir as pernas e muitas passam anos a evitar inclusive pensar sobre o assunto, logo, passam somente abrindo as pernas, quando o cansaço, ou a dor de cabeça, ou o mal-estar, ou qualquer outra coisa seja maior para impedir o trágico momento de abrir as pernas!
Isso me faz pensar na opressão em sentido amplo, por exemplo, algumas pessoas tem o estranho poder de oprimir aqueles que em seu imaginário lhes representam perigo/ algumas pessoas produzem o estranho efeito de desmobilização dos outros seres humanos... tipo as pessoas que trazem acorrentado em seus calcanhares imensas e inúmeras coisas e questões mal resolvidas, mal conduzidas e mal elaboradas em suas vidas... essas pessoas tem o incrível poder de transformar tudo o que tocam em titica ou algo assemelhado... elas tem o poder quase absoluto de sempre encontrar, em qualquer situação que lhes apareça, um motivo para brigar, para falar mal, para detonar, para resmungar ou para aumentar a incrível e visível carga que carregam, com a qual ocupam todo o espaço em que estejam, física ou imaginariamente.
Nos encantamos, por exemplo, com um olhar vivo, intenso e brilhante, que porta em si a vida que pulsa dentro que ser que o expressa, mas também recuamos e entristecemos com o olhar opaco daqueles cuja visão não consegue transcender o contido limite do próprio entristecimento que a vida (ou a falta de vida) lhes causa!
Num outro dia ouvi uma Supervisora (daquelas que têm a SUPER visão) orientando os educadores de uma certa escola, no sentido de estarem atentos às formas de tratamento entre os seus pares, sendo que deveriam se referir uns aos outros como “professor fulano de tal” e as Diretoras não poderiam ser chamadas por seus apelidos, mas sim pela profissão, seguido do cargo e do nome... como se isso garantisse qualquer respeito da parte dos alunos e dos colegas... só faltou implantar o regime militar dentro da escola!
Concluo com Rubem Alves e Galeano “A solidão é para poucos. Não é democrática. Não é um direito universal. Para ser um direito de todos teria de ser desejada por todos. Mas são poucos os que a desejam. A maioria prefere a agitação das procissões, dos comícios, das praias, da torcida: lugares onde se fala o que todos entendem. A democracia é um jogo que se faz com coisas que podem ser ditas. Na democracia os segredos são proibidos. É um jogo do qual todos devem participar. É coisa boa, ideal político bonito que deve ser buscado para o bem-estar de todos. Nela, porem, não há, nem poderia haver, lugar para a solidão e o segredo. A democracia é ave que nada na superfície do mar. Não é peixe das funduras. Ela vive do jornal, da informação, do que é público...” (...) “A gente escreve para despistar a morte e destruir os fantasmas que nos afligem, por dentro; mas aquilo que a gente escreve só pode ser útil quando coincide de alguma maneira com a necessidade coletiva de conquista da identidade.”
“Ao fugir, salvei mas também perdi minha vida. Durante anos só soube que existia porque enxergava os outros vivendo.”... esta frase é de um angolano, mas pode ser de qualquer um de nós! 

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