domingo, 10 de março de 2013

Sinais e sonhos do corpo adolescente.


O corpo presença.
                                                                       “ A ferida do lábio não fecha nunca mais., pois é o sinal do                                                                                              tempo perdido: nem o filho tornado homem, nem o pai     e
                                                                                              nem a mãe o reencontrarão. Gononga: assim é.     Por isso,
                                                                                              sob o sol imóvel queima-se um pouco de cera: ato que fixa
                                                                                              ao espaço os seus limites, a cada coisa o seu lugar, a cada
                                                                                              pessoa a sua moradia. O que diz a fumaça? Diz que os homens
                                                                                              são mortais.”
                                                                                             
                                                                                              P.CLASTRES, Crônica de uma tribo.

A tradição dos índios Guayakí nos revela, com a simplicidade do rito os mistérios de um grande conhecimento.Aqui, como em qualquer lugar nas culturas tradicionais, o tempo da adolescência é o tempo do corpo: sinais, escrituras, traços irreversíveis que marcam a passagem. A certeza do que se é, daquilo que se deixa e daquilo que alguém se torna está escrita na carne: visível ao outro, vivida na dor e contida na sacralização da cerimônia.

O que diz isso tudo à adolescência de nosso tempo, cansativamente consumada no ruído e na desordem da sociedade urbana? E o corpo, como vive esta história, qual capacidade  de sentido lhe resta além da aparência e qual dor conhece (se há dor) no tornar-se corpo adulto hoje?

A própria idéia de que se possa falar de um corpo como teatro de fatos diferentes daqueles da mente, nos afasta da possibilidade de compreender a experiência que o adolescente vive com a mudança global de sua pessoa, da forma e do sentido: mudança extraordinária da presença.Mesmo porque a crise gira  em torno a um vivido de descolamento do mundo interno daquele externo, em torno da tensão entre ser e parecer, entre fazer e pensar, a compreensão dos fatos, e, por conseqüência  a ajuda ao adolescente não pode nascer de um pensamento dividido.Os ritos do corpo das culturas tradicionais nos ensinam, paradoxalmente, que não há um “corpo”, mas uma concretude da experiência que pode somente percorrer os caminhos da carne, dos sentidos, do movimento, da ação.Nos ensinam que é necessário passar através da intensidade de um completo envolvimento para entrar na vida e poder-se  tornarem sujeitos de experiência.

A nossa cultura e a tradição psicológica, em particular, está ainda  profundamente marcada por um tema de separação entre mente e corpo que obriga, cada vez que enfrentamos o tema da corporeidade, a imaginar que aquilo de que estamos falando seja um objeto (o corpo, por isso mesmo) possuído pelo sujeito-pessoa, identificado, ao contrário, com as atividades e os conteúdos da mente e do pensamento.Esta idéia, reforçada pela cultura médica, levaria a privilegiar um olhar objetivo, analítico, anatômico e fisiológico que, em sua pretensão de cientificismo e padronização, excluiria todo elemento de vivido subjetivo e de experiência. Se nos contentássemos em seguir esta direção, ficaríamos aquém da compreensão possível dos fenômenos adolescentes (e não somente esses): nesta idade mais que em outras, compreender o que acontece no corpo não se refere nunca aos fatos físicos como tais, mas ao sentido que estes têm para a pessoa que os experimenta, a sua permanente relação com a construção dos significados.


O corpo não é um objeto em relação a um sujeito que o olha, o observa analiticamente e integra assim elementos cognoscitivos novos. Os fatos do corpo compõem uma unidade com o olhar de quem os observa e as transformações fisiológicas que são orientadas pelo sentido e pela carga afetiva que são a eles atribuídos. Para compreender o adolescente em seu modo de ser -no- mundo, é preciso partir de um corpo, não como  “coisa” possuída, mas como campo de experiência que coincide com a presença mesma do sujeito.

Na perspectiva fenomenológica que assumimos, o corpo-presença significa que aquilo que é e aquilo que se manifesta coincidem. O corpo que o jovem ou a jovem vêem agir, aquilo que expõe ou esconde do olhar, aquilo que percebe através das sensações agradáveis ou dolorosas da mudança fisiológica não é uma coisa, mas a sua própria pessoa.

É justamente esta identidade de corpo e existência que chamamos presença. O ser -no- mundo como presença sintetiza assim o ser biológico, a experiência sensorial, a capacidade de relação e de contato, o fluxo vivido de pensamentos, sentimentos e emoções e consciência integrada de tudo isso.A presença assim definida, já que coincide com a experiência só pode constituir-se como processo, isto é, uma contínua construção e desconstrução dos dados, sucessão de equilíbrios e desequilíbrios.

A presença não é um estado alcançado de uma vez por todas, mas uma dinâmica que se radica na própria consciência do corpo e que requer a capacidade de construir o sentido da própria continuidade através das mudanças.Tal capacidade orienta o comportamento e permite dar resposta às necessidades que aos poucos surgem.
Esta perspectiva elimina todos os mitos de harmonia e bem-estar atingíveis de uma vez por todas e implica em uma capacidade de escuta e respeito, tanto dos ritmos biológicos profundos que se manifestam através das sensações, como dos dados externos do ambiente.

A presença é marcada pelas oscilações e pelo andamento cíclico dos diversos estados:alternância de contato e retiro, de abertura e fechamento, de palavra e silêncio. O mal-estar e o incômodo nascem quando este processo é bloqueado, quando é interrompido o contato com as mensagens do interior e/ou do exterior. A incapacidade de proceder, de decidir, de escolher manifesta o bloqueio: os sintomas são a sua expressão.

Falar de corpo nesta perspectiva a propósito da adolescência nos obriga a considerar as clamorosas mudanças que estão agindo nesta fase como algo mais que meros fatos psicológicos que são acompanhamento de eventos intrapsíquicos. Os fatos do corpo na adolescência, como em outros momentos da vida caracterizados por mudanças intensas, colocam em movimento uma redefinição global da experiência que diz respeito a todos os aspectos da presença.

Aquilo que geralmente é definido como distúrbio evolutivo corresponde, na realidade, à dificuldade subjetiva de aceitar o fluir do processo, pela enorme intensidade das mudanças internas e das mudanças qualitativas nas funções de contato na definição e consciência de si e do mundo externo.Nenhuma compreensão dos fenômenos da adolescência e sobretudo, nenhuma ajuda ao adolescente é possível fora de uma visão unitária, que assuma o corpo vivido domo coincidente com o sujeito mesmo da experiência.

A verdadeira novidade dos eventos da adolescência que se referem ao corpo não é dada somente pela particular intensidade e velocidade das mudanças, como geralmente tende-se a salientar, mas pelo fato já mencionado de que o adolescente é pela primeira vez espectador consciente da mudança que se refere a ele e está portanto empenhado em um processo de controle, de contenção e  de atribuição de sentido a que lhe acontece. Contemporaneamente, aprende a utilizar os novos recursos que se tornam disponíveis.

Permanece verdadeiro que estas modificações, muito perceptíveis do exterior, se referem também a alguns expectadores privilegiados (pais, irmãos, outros adultos significativos). Também estes últimos estão envolvidos emotivamente na operação de acolher a mudança de atribuir-lhe sentido, mantendo a possibilidade de reconhecer o adolescente e si mesmos na transformação.

Além da tensão intrapsíquica que o adolescente vive, deve , por isso, ser compreendida a fundo também a tensão que se vem a criar no campo relacional e social, justamente a partir das modificações do corpo e, em particular, da sexualidade. Esta tensão se faz pelo fato de que adulto e jovem estão juntos renegociando um sentido comum de atribuir às suas respectivas presenças e à relação que as liga. A salvaguarda da diversidade, a diferença e a especificidade dos papéis, a independência e a liberdade pessoal de se auto-definir coabitam com a necessidade de manter o laço afetivo que sustenta o auto-reconhecimento e o sentido de permanência e de continuidade.

É preciso, enfim, recordar um elemento muitas vezes negligenciado nas análises da adolescência. Normalmente este momento de redefinição de si e de reconhecimento recíproco ligado às transformações do corpo acontece coincidentemente com uma análoga grande mudança física do pai, que mediamente se vê entrar na segunda metade da vida, naquela fase que se abre em torno aos quarenta anos.Também o pai está portanto envolvido em uma mudança que se refere ao corpo e toda a sua experiência (fim do mito da juventude física interminável, encontro explícito com os limites do corpo e eventualmente com a doença, conclusão do ciclo reprodutivo para a mulher).

O campo relacional adolescente-pai é então percorrido por tensões também por causa de dois processos concomitantes. Em relação à corporeidade e à imagem de si, estes dois movimentos simultâneos têm valências opostas: o adolescente está orientado para a expansão, para a descoberta e realização de potencialidades, enquanto que o movimento do adulto está sob o signo da contração, da queda de recursos físicos, talvez do retiro. Os modos pelos quais, no recíproco espelhamento, um ajuda ou obstaculiza o outro a assumir o próprio presente, não foram nunca observados a fundo e no interior de uma perspectiva que considere o campo relacional como uma construção interativa.Neste campo, pais e filhos fazem jogadas recíprocas, com idéias, expectativas e emoções, mas sobretudo com corpos que vivem a passagem.

Esta perspectiva poderia ajudar a entender mais o que ocorre entre adultos e jovens e eventualmente operar de modo a tomar isso em consideração. Isto requer, porém, que, falando-se de adolescência, os adultos estejam dispostos a tratar também de si mesmos.

Sentir-se e ser vistos.

As vistosas mudanças do corpo, na adolescência comprometem a fundo as dinâmicas do auto-reconhecimento e do sentido de si, que só podem garantir uma boa vivência das primeiras. Para compreender melhor o que acontece nesta fase ao redor da imagem do corpo, pode ser útil fazer referência ao momento evolutivo no qual pela primeira vez inicia a estruturar-se esta função e esta capacidade.

Em torno ao fim do primeiro ano de vida, complexas operações perceptivas, mentais e cognitivas possibilitam o salto qualitativo da percepção de si como objeto no mundo exposto ao olhar de um outro, além da atribuição ao outro de um mundo interno diferente do próprio. É o início da intersubjetividade e o primeiro esboço da capacidade auto-reflexiva que maturará a partir daí.

Mas já antes deste momento, quando a criança é capaz de reconhecer a própria imagem no espelho, inicia a colocar-se em movimento este jogo, forma-se o primeiro traço de consciência de ser um corpo no mundo.

É importante ressaltar como a percepção de si e a percepção do outra viagem paralelamente e como o processo de individualização aconteça através da contemporânea assunção da alteridade. Em torno ao sexto mês, defronte à própria imagem refletida no espelho, a criança tem reações de júbilo e de surpresa que se referem em um primeiro momento à percepção da própria imagem como se fosse a de uma outra criança em movimento. A imagem que vê não pe imediatamente reconhecida como própria: a criança está ali onde se sente.Progressivamente, a experiência visual do sincronismo dos movimentos e das expressões, sustentada e reforçada pelo adulto, leva a criança a intuir que aquele que vê é ele mesmo. Começa, assim, a identificar-se em dois níveis distintos: aquele de sentir-se e aquele de aparecer.

A compreensão da imagem especular de si é o reconhecimento de que pode-se ser um espetáculo de si mesmo e comporta a consciência de ter um corpo visível. A passagem do “eu introspectivo” (que é sentido do interior) ao “eu especular” (que pode ser visto de fora) foi considerada uma verdadeira e própria passagem de um estado da personalidade a outro.Trata-se não somente de uma nova aquisição que vai somar-se de modo linear às competências precedentes, mas de uma radical mudança de plano que funda o senso de identidade pessoal. A criança não acrescenta um novo conteúdo que se acrescenta aos precedentes, mas uma nova função que sustém e reestrutura toda a dimensão do sentido: sobre ela se funda uma nova percepção de si., do próprio valor, das próprias possibilidades.

A partir desta base de consciência corpórea, quando mais tarde entrará no campo da relação intersubjetiva, a criança poderá assumir de ter um corpo que contém pensamentos e reconhecer também ao corpo do outro o fato de ter uma mente, pensamentos próprios e intencionalidades separadas das suas.Esta importante aquisição lhe permite chegar a experiências emotivas e relacionais da co-participação e abre a dialética igual/diferente nas relações com o outro.

A capacidade de continuar a deixar conviver de modo dialético e equilibrado a dimensão do ser (sentir-se do interior) e do aparecer (ser para o outro) é a condição para o desenvolvimento harmônico da identidade pessoal e da capacidade de relação. A prevalência da segunda dimensão (eu sou na medida que há um outro que me vê e me faz viver) estrutura aquela que Laing  definiu como “identidade para os outros”, ou “sistema do falso eu”. Se o indivíduo não possui as duas dimensões e não consegue unir a identidade para os outros e a identidade para si mesmo, então não existe a realidade da presença, mas somente o seu fantasma.


A função geral da  imagem especular da primeira infância seria, portanto, aquela de permitir à criança de sair da realidade imediata do mundo interior experimentado através do sentir, para torná-la consciente de uma outra perspectiva, aquela do outro, que a coloca no mundo da relação e da auto-reflexão como capacidade de ser observador de si mesma. Esta operação compreende ao mesmo tempo funções sensoriais e corpóreas, intelectivas e emotivas, além da capacidade de fluir entre a adesão a si e a distância de si.

Para o adolescente acontece uma espécie de reedição destes eventos experimentais.As importantes mudanças físicas colocam-no na condição de efetuar um novo auto-reconhecimento que deve acolher o tumulto de seu mundo interior, dar a este um significado e restabelecer uma dialética com o ponto de vista que o outro tem sobre ele.A capacidade auto-reflexiva está empenhada em fazer as contas com os pensamentos e as intensas sensações internas, que devem ser assumidas como próprias, contidas na embalagem do corpo que, como forma, é visível do exterior, portanto, exposta ao outro.

A pergunta “quem sou eu?” se move sobre estes dois registros da identidade pessoal exprimíveis com as perguntas: “como me sinto e o que sinto no interior” (quais sensações, pensamentos, emoções me ocupam) e “como sou visto de fora” (que imagem o  outro tem de mim).

A intensidade peculiar das sensações internas que o adolescente percebe pode transformar a experiência do possuir um corpo naquela de ser possuído pelo corpo. Ela pode então ser acompanhada por uma penosa vivência de transparência, que muitas vezes faz o jovem sentir-se em perigo e o pressiona a tomar distância do próprio corpo.Se isso ocorre, se o adolescente renuncia por alguma razão ao próprio sentir, é obrigado a investir preferentemente na própria imagem para individualizar-se e termina por reconhecer-se somente através das mensagens que o exterior lhe reenvia.

Falar do corpo a propósito de adolescência é necessário, portanto,não somente como referência obrigatória às convulsões fisiológicas, mas como momento construtivo do ser- no- mundo: sensações e pensamentos, ação e consciência juntos, fundamento da possibilidade de relação. O corpo é o centro da problemática adolescente não somente por ser teatro de exuberantes mudanças de forma, mas também pelo fato de que com o seu chamamento prepotente, pede uma escuta que se diferencia de toda a história precedente do indivíduo. Em torno a essa relação com o corpo, pode-se organizar todo o campo da experiência e se podem fundar as novas relações: ou mesmo quando isso é negado ou distorcido, é a própria consciência da pessoa e a sua possibilidade de encontrar os outros a ser questionada.

Corpo como fronteira

As transformações fisiológicas, com o irromper das pulsões sexuais, intensificam as sensações internas: estas são dificilmente decifráveis em termos de sentido, não se transformam sempre em pensamento e seguidamente são vividas como não conteníveis . A pele, fronteira por excelência entre interno e externo e local onde pousa o olhar do outro, torna-se um elemento de extrema importância, investido de fortes valências afetivas e objeto de atenções particulares.A pele se transforma visivelmente, está em movimento, se recobre de pêlos, de espinhas, talvez não seja mais confiável.

Assim também a roupa, escolhida com um cuidado muitas vezes obsessivo, termina desempenhando também uma função de conter as pressões misteriosas e indecifráveis do interior. Deverá ser “pessoal”, “original”, “consumida”, “vivida” no limite do sujo. Deverá ter traços de história, ser uma segunda pele. O cuidado com a roupa, com os acessórios, com a maquiagem desempenha o papel de limite auxiliar além de mensagem para o reconhecimento externo. Salienta de modo mais evidente a importância atribuída à aparência., mas exprima indubitavelmente uma constante preocupação de conter dentro de si o intenso sentir.

O sentimento da vergonha e do enrubescer tão freqüente nesta idade, acompanhado pela penosa vivência de “ser transparente”, ser lido por dentro, estar aberto demais, portanto, assinala uma dificuldade de sentir a fronteira-pele e de integrar o fechamento e o limite.Este processo estrutura-se lentamente através o entrelaçar das duas experiências fundamentais do sentir-se e do ser visto. O adolescente passa muito tempo a contemplar a própria imagem no espelho, a escrutar quotidianamente, muitas vezes com preocupada atenção cada mínima variação dos sinais, das cores, dos contornos.O que procura realmente? Como muitos anos antes, quando descobriu a própria imagem refletida, re-percorre o mistério da própria identidade.Estar ali onde se sente e saber que existe um espetáculo de si mesmo: reconhecer-se na aparência visual do espelho, mas permanecer ancorado onde o corpo está de verdade, com sua espessura, com a sua tridimensionalidade e a sua capacidade de sentir. Agora como antes, aquilo que renova o conhecimento possibilita também a alienação.

A freqüente preocupação com que o adolescente vive pela forma do próprio corpo pode também alcançar níveis patológicos (dismorfofobia) .A rapidez das transformações, de fato, cria instabilidade e põem em crise continuamente as seguranças atingidas, especialmente quando a distância de si é muito grande e está baseada principalmente sobre o recurso às definições externas. As mudanças são muitas vezes percebidas como deformadoras. O adolescente se sente sempre inadequado: muito gordo ou muito magro, alto ou baixo demais. As assimetrias fisiológicas do rosto e dos membros, a vinda de pêlos são consideradas anomalias.Freqüentemente se sente feio, mesmo que não haja nenhuma comprovação objetiva desta feiúra.

Perder-se na imagem é fácil em um mundo que celebra a aparência e o espetáculo. Os cuidados e a atenção com o próprio aspecto podem tornar-se uma preocupação que procede da experiência do corpo vivo.E já que é justamente a intensidade desta vida que assusta, é do corpo que o adolescente quer ficar longe.Com a sua estranha lentidão, os seus ritmos, as excitações, as necessidades, o cansaço, a raiva, o corpo é , de qualquer modo, um chamamento ao aqui e agora da situação; decidir de ser aquele corpo é uma escolha que entra em choque com o desejo de viver de modo sem limites.A identidade corpórea se estrutura sobre uma precisa percepção do limite e sobre a capacidade de suportar-lhe a frustração.

As dificuldades com as quais os jovens enfrentam hoje a experiência da frustração é freqüente.Uma pedagogia que nega à criança o encontro com a justa dor da espera e da privação produz adolescentes ainda mais inseguros e temerosos.A adolescência é aprender o limite e habituar-se ao corpo que se é.Sem esta aterrissagem não há prazer possível, nem desejo, nem maravilha pela vida, mas somente tédio e incapacidade de dar-lhe sentido .

A timidez, a vergonha, o segredo.

A percepção de ter limites físicos é portanto para os jovens um grande ordenador da crise adolescente.É a possibilidade de sentir-se protegidos do aumento das sensações e do pensamento e da inquietante impressão de ser engolidos por isto tudo. Um corpo fechado e finito em si é também a garantia de que aquilo que se agita dentro não poderá ser visto do exterior.Esta é a idade do segredo, tornado possível somente pela certeza de que o que está dentro é invisível e inacessível ao outro, pelo menos até que intervenha alguma decisão de dizê-lo.

Neste quadro pode-se compreender o significado do enrubescer , do senso de vergonha, de pudor e de timidez que caracteriza tão freqüentemente o adolescente nas relações. O olhar externo, ao qual é assinalado um tão grande poder de definir a identidade, pode ser vivido como opinião definitiva sobre a própria pessoa. Pela fragilidade do limite que separa o mundo interior daquele exterior, o adolescente percebe o risco que o olhar do outro tenha a capacidade de penetrar em seu mundo convulsionado, de perceber-lhe a confusão e a periculosidade.Teme de ser visto como é verdadeiramente e em particular corre o risco que seja descoberto pelo adulto tudo o que se relaciona com as novas competências e sensações do corpo sexuado que devem permanecer obsessivamente secretas.

O segredo é uma dimensão particularmente importante que não tem unicamente o objetivo de esconder do outro ou partilhar somente em uma restritíssima intimidade o próprio saber, mas que representa uma verdadeira e própria garantia de solidez para poder-se manter junto. Neste sentido deve ser lido, como já se viu, o mutismo e o silêncio do adolescente, que constituem quase sempre um grande problema para o adulto e são acompanhados, especialmente nos pais, por vivências de frustração e por um sentimento profundo de perda.

Além do fato óbvio de que às vezes o mutismo pode exprimir uma condição de dificuldade, deve ser entendido que nasce neste período uma verdadeira e própria necessidade de não falar ou melhor, de não dizer tudo e que não deve ser banalizado nem transformado em problema.

O reconhecimento do direito de calar autoriza uma distância que pode ser entendida como necessidade vital de sobrevivência e pode ser resolvida utilmente por um adulto, ao invés de perguntas invasoras, com uma palavra sobre si, sobre os próprios estados de ânimo, sobre as variações do próprio humor que, no espelhamento, autorizam os jovens a deixar existir no seu interior aquilo que sentem, como fato normal da vida.

No pólo oposto da reserva e do retiro, podemos encontrar o exibicionismo, como intenso desejo e prazer de ser visto. Também esta atitude, aparentemente polar à precedente, se funda em uma clara separação do dentro do que está fora, do sentir da imagem externa de si mesmos. O adolescente assume aqui a idéia de uma impenetrabilidade de seu corpo e portanto, da impossibilidade para o outro, de tomar contato com o que se move dentro dele.O objetivo é o de manter distante do teatro do encontro, as dimensões dos sentimentos, das emoções, das sensações, e de ser identificado unicamente pelas qualidades exteriores da beleza ou presteza física, da força e do poder de controle.

Considera-se unanimemente que a capacidade de intimidade e reserva, como também da possibilidade de estar só represente uma etapa evolutiva em direção a uma organização mais madura; assim como no contrário, quando a incapacidade de estar sós, de ter segredos e a tendência de viver a separação como abandono, manifestem modalidades menos evoluídas no processo de identificação. É sobre estas bases que na relação se constrói a responsabilidade do contato e da comunicação, que sai assim do mundo mágico da fusão e da empatia, para tornar-se escolha de troca e de co-divisão , reconhecimento da alteridade. O silêncio, às vezes obstinado, do adolescente pode ser lido nesta chave como uma verificação da consistência da própria  alteridade.

O cuidado de si

Durante da infância o cuidado com o corpo está confiado à mãe e geralmente  é de responsabilidade dos pais.Em um percurso que habitualmente é muito progressivo, esta responsabilidade passa do adulto à criança até chegar, para o adolescente, a ser totalmente sob seu encargo. Normalmente, o prolongamento da responsabilidade materna ou dos pais sobre as questões referentes ao cuidado do corpo é considerado um fato intrusivo, vivido com incômodo pelo adolescente e, caso seja aceito em uma relação de cumplicidade e conluio, é certamente sinal de patologia.

O cuidado com o corpo como objeto pertencente a si, exprime bem o senso de dignidade que o adolescente atribui à própria pessoa. Esta capacidade de tomar cuidado de si se baseia sobre a boa percepção de si, das próprias sensações internas e do valor atribuído à própria imagem. A qualidade do cuidado representa portanto um fato muito indicativo da integridade psicofísica da pessoa.

Paradoxalmente, porém, a esta incipiente tomada de encargo da própria pessoa corresponde uma relação com o corpo na qual proximidade e distância, atenção e esquecimento se mesclam de modo contraditório. Assim como a desarmonia física exprime, às vezes de modo clamoroso, a mudança das formas, também na relação com o corpo os adolescentes revelam desequilíbrio que muitas vezes desconcertam os adultos.

Os jovens não falam espontaneamente de seu corpo.Mas este fala por eles através do modo de apresentar-se, que vai do vestuário aos comportamentos, muitas vezes exibidos de modo provocador: maquiagens pesadas e extravagantes, roupas de gosto discutível, sinais, tatuagens, brincos. Esta exibição vem acompanhada porém de uma escassa desenvoltura, às vezes uma verdadeira e própria resistência à exibição pessoal e um profundo desconforto de descobrir o próprio corpo.Esta oscilação entre exibicionismo e pudor, entre provocação e resistência é um elemento característico da relação ambivalente que os jovens empreendem com seu corpo. Os sinais de idade que o corpo revela e que determinam a sua percepção estética são o difícil termo de confronto com a imagem de si.
Um exemplo comum é representado pelos problemas ligados à acne, que os adolescentes dificilmente declaram de início, mas que são muitas vezes fonte de profundo desconforto psicológico e até mesmo de severas depressões.

Os problemas estéticos têm particular importância nesta idade e se estendem a todo o corpo: parecem transpor as próprias fronteiras físicas para atacar muitos aspectos da realidade psicológica e social dos jovens. Em alguns casos, quando a imagem de si enche de dados negativos reais ou imaginários, a recusa do corpo chega a exercer fortes condicionamentos e auto-limitações de tipo funcional: rapazes que não saem nunca de casa, moças que não comem nunca ou que, inversamente, comem sempre.

Um dos dados mais importantes diz respeito hoje à presença de excesso de peso e obesidade, seguidamente derivados de uma alimentação desordenada e inadequada, que mescla as múltiplas e sedutoras ofertas de comida industrializada divulgadas pela mídia. Além disso, também em relação ao peso existe um comportamento que oscila entre ânsia e negação: por exemplo,à preocupação declarada pode corresponder a resistência a pesar-se, ou diante de desequilíbrios visíveis pode corresponder o silêncio e a recusa de pedir conselhos. Real ou presumido, o problema do peso se liga à imagem de si e muitos adolescentes não se amam, se vêem gordos demais ou excessivamente magros, fazem as dietas mais estranhas e fantasiosas, contribuindo , deste modo, a criar em seu corpo desequilíbrios efetivos.

As tendências nesta direção são alimentadas pelos modelos culturais que favorecem estereótipos de corpos perfeitos e sempre em forma. Ao contrário, com dramática evidência, impõem-se às sociedades avançadas contemporâneas os problemas contrapostos da obesidade e da anorexia (explícita ou latente), que atacam de modo particular a adolescência. Estas testemunham um entrelaçamento entre os hábitos alimentares de uma sociedade opulenta e a pressão dos modelos culturais que valorizam uma beleza corpórea abstrata e desencarnada. Os jovens combinam em seu comportamento a falta de limites e de regras de uma sociedade onde consumir o máximo possível tornou-se um dever, junto ao imperativo de adequar-se a cânones estéticos completamente distantes da sua efetiva realidade psicofísica.

Dificuldades de natureza relacional e psicológica encontram naturalmente no consumo alimentar ou em suas restrições uma via de expressão.Na relação com o corpo, a percepção dos jovens não encontra sempre um interlocutor adequado no paradigma médico dominante.De fato, enquanto que os jovens pareçam privilegiar uma imagem do corpo como invólucro, centrada em características externes a serem exibidas ou escondidas, na cultura médica prevalece ainda uma definição do corpo anatômico, relacionada com desequilíbrios naturais e intervenções corretivas.A prescrição médica, talvez legítima no plano técnico, leva em escassa conta os significados simbólicos e afetivos que a forma, as dimensões, as aparências do corpo têm nesta delicada fase do crescimento.

Sinais de alarme.

A imagem dominante dos jovens como fundamentalmente sãos, dotados portanto de vigor e vitalidade física nem sempre corresponde à realidade da adolescência mas sociedades urbanas contemporâneas. As pesquisas mostram muito mais a imagem de uma adolescência urbana inclinada a manifestar através da doença física uma certa fragilidade; mas é também uma adolescência que aparece circundada de um excesso de cuidados e contemporaneamente de muita desatenção, aquela que permite que os problemas de uma certa gravidade se tornem visíveis somente quando se torna mais difícil trata-los.

Sem chegar à doença verdadeira e própria, um campo significativo de experiência é, para este propósito, aquele da relação entre os jovens com os sinais do corpo que se manifestam através do mal-estar físico.No que se refere aos sintomas e aos pequenos males do corpo, os adolescentes parecem ter um limitado espaço de elaboração que não passa sempre através do caminho das palavras, mas se exprime, às vezes através da indicação direta, o ato. Aquele dos adolescentes se assemelha ao gesto da mão que se leva ao lugar da origem de uma dor.Esta prioridade do gesto poderia ser lida unicamente como sinal, como a indicação de que o incômodo é tão forte de calar todo o discurso, ou que, de qualquer forma, não existem palavras para nomeá-lo. Mas ao invés de considerá-la como uma prevalência do não-verbal sobre o verbal, esta ausência de palavras pode ser referida ao surgimento de uma real incompetência.

No silêncio dos jovens não se manifesta, portanto, somente um vazio lexical, que se esgota na denominação faltante, mas ele pode ao contrário constituir o sinal de uma verdadeira e própria ausência de cognições a tudo o que se refere ao eixo saúde- doença. Revela uma incapacidade de entrever e instaurar nexos entre comportamento precedente e estado conseqüente. Tudo o que acontece ao corpo, tudo o que se refere ao bem-estar ou ao mal-estar acontece independentemente de seu agir e fora do campo de sua direta responsabilidade: os jovens não sabem ainda ou sabem confusamente poder orientar a sua saúde, com base nos comportamentos e nas escolhas que fazem.Talvez saibam-no mentalmente, talvez têm disso uma noção intelectiva, mas o corpo não é ainda profundamente deles.
Não é infreqüente que se manifeste então uma desproporção entre sintoma e reação, até mesmo uma incongruência que se pode atribuir simultaneamente à ignorância de si e ao medo. O distúrbio é sempre inesperado e o seu decurso é vivido pelos jovens como uma incursão a solidificar com intervenções extraordinárias de emergência. A doença, junto com as suas múltiplas manifestações, nunca é reconduzida aos comportamentos ordinários da vida quotidiana, aos hábitos malsãos o às circunstâncias desfavoráveis; é mais o acidente inexplicável ao qual não é possível conceder legitimidade e que não pode, por isso ser enfrentada com os recursos ordinários.

Os adolescentes já superaram a idade pediátrica e estão portanto situados além da tutela e da orientação que a família podia garantir em precedência, sem todavia ter ainda estabelecido um caminho autônomo para a relação direta com o médico. Vivendo a delicada fase de suspensão, na passagem do pediatra ao médico de confiança, os adolescentes ainda não são capazes de assumir a responsabilidade do controle de si e da individuação do próprio estado de saúde ou de doença.

A relação com o corpo se manifesta então através principalmente de um sintoma físico, que muito raramente cria a ocasião para ocupar-se de si além do distúrbio.Os adolescentes são, desse modo, o espelho da cultura de nosso tempo e a solução para a dor é procurada exclusivamente no medicamento.Os jovens de hoje não suportam os pequenos males e sofrem de uma alta intolerância à dor, como se a quota de sofrimento físico não tratável fosse um sinal de falta de proteção por parte do mundo adulto.Esta atitude leva a um difundido e precoce consumo de analgésicos, sobretudo entre as moças, no que se refere às dores menstruais.Mais geralmente, parece que a experiência da dor revele uma fragilidade tão radicada a fim de requerer de qualquer modo uma contribuição externa como única via de resolução. O fármaco, seja por hábitos familiares e sociais, como pela efetiva experiência de tratamentos sintomáticos eficazes, mesmo que limitados, termina por ser o mediador mais fácil, tão externo a ponto de não requerer a operação mínima de sua assunção, e ao mesmo tempo, tão central a ponto de excluir uma participação e uma responsabilidade direta, na idéia de dor e na elaboração de seu significado. O recurso ao fármaco, sustentado pela cultura circunstante, acoberta e afasta a relação com um corpo mantido à distância.

Os distúrbios físicos e os mal-estares ordinários mesclam para os jovens problemas do corpo e dimensões psicológicas, afetivas e relacionais.Por exemplo, a dor de cabeça é um distúrbio recorrente entre os estudantes.Problema somático, associado ao estresse ou aos abusos, pretexto comum porque culturalmente aceito e difícil de submeter a verificações objetivas, a dor de cabeça parece representar o sintoma mais difundido e mais emblemático da condição estudantil.Nele se concentram todas as valências simbólicas do incômodo psicológico que toma lugar no corpo, todas as exigências de simulação e evasão para subtrair-se aos vínculos da instituição escolar, todas as tensões das provas, do juízo , da avaliação aos quais o estudo e também a competição submetem os alunos.

Os distúrbios físicos dos jovens têm andamento cíclico ou sazonal e assinalam as variações de seu comportamento, as oscilações de suas vidas de relação, às pontas de excesso e de retiro.O mal-estar é freqüentemente sinal de desregramento ou de ânsias, de problemas afetivos ou de dificuldades familiares ou escolares.Para os de sexo masculino, o corpo fala habitualmente através de um distúrbio mais circunscrito, uma dor bem precisa, enquanto que da parte das mulheres é mais freqüente um mal-estar difuso. Os primeiros tenderão mais facilmente a dizer: “tenho uma dor aqui”, as segundas expressarão de preferência um mais genérico “me sinto mal”.

Os adolescentes estão raramente cientes do nexo entre sintomas e o eventual incômodo psicológico e relacional que está em seu bojo. O que se manifesta é freqüentemente uma patologia diversiva, que os jovens custam a ligar às suas raízes emocionais ou comportamentais.Muitas vezes a tarefa do adulto (pai, educador, médico) é justamente aquela de ajudar os jovens a individuar este nexo. O sintoma como distúrbio real é quase um nível de denominação, aquele que os jovens são capazes de atingir de modo imediato.Atrás e além deste nível de expressão de incômodo é possível tecer às vezes um outro discurso.O acolhimento do sintoma e daquilo em que ele implica por parte dos adultos pode permitir, em alguns casos, que o adolescente reflita sobre o estilo de vida, sobre hábitos alimentares e mais geralmente sobre todos aqueles comportamentos ínfimos que considera de escassa significação, mas que têm um lugar preciso na constituição do problema.

Abusos alimentares, fumo, bebida, falta de sono, são às vezes os excessos com os quais os adolescentes se medem em suas provas de crescimento. Nas relações interpessoais, a insegurança, a necessidade de confirmações, a ânsia de consecução podem produzir tensões muito fortes. Raramente os jovens conseguem ver os nexos entre os estado de mal-estar e as circunstâncias, o sintoma fica desconexo do antes e do depois, não é colocado em relação com os fatos ocorridos.

O espaço destes nexos que faltam pode ser ocupado pela relação com o adulto, que têm então,a função de substituí-los.Atrás do sintoma há muitas vezes um estado de falta caracterizado por uma pobreza de orientações e pela dificuldade de atribuir significados. O sintoma físico é nos jovens também um indicador da necessidade de falar, de encontrar acolhimento e escuta em relação a incertezas e interrogações próprias do esforço que vivenciam.O sintoma aparece, em muitos casos, como o primeiro degrau de uma escada, o evento que os jovens vivem como contável e tratável, atrás do qual e a partir do qual é porém possível proceder.O mal-estar físico funciona então como canal e como apelo ao mesmo tempo, o primeiro passo no processo de aproximação, cujo êxito depende, em grande parte, da capacidade do adulto de acompanhar o percurso.

O pedido explícito de ajuda para um mal-estar que se manifesta sempre como solicitação de fármacos ou de uma intervenção direta de tipo resolutivo: esta é a resposta mais habitual que os jovens prefiguram. Na associação agora já quase automática sintoma-fármaco se reflete, como se disse, uma tendência cultural difundida, da qual o consumo anormal de fármacos sintomáticos é o indicador mais evidente.Mas de modo mais sutil, ela testemunha a presença de um limite de tolerância da dor muito baixo e de uma incapacidade de enfrentar o distúrbio. O primeiro sintoma é para o adolescente já doença, por uma espécie de amplificação hipocondríaca da ameaça, em parte própria da idade, em parte alimentada por uma tendência de nossa cultura a mandar para longe o sintoma antes ainda que se modifique ou que tenha sido efetivamente interpretado. A expectativa do fármaco torna-se assim tão explícita e urgente que muitas vezes deixa pouco espaço a intervenções mais cautas e impede de considerar elementos diversos daqueles contidos na declaração do mal-estar e no pedido de uma solução farmacológica.

Longe do limite.

Acontece seguidamente durante a adolescência que o corpo seja não somente momentaneamente e prudentemente mantido à distância, mas que seja até mesmo negado, odiado e alvo de ataques que o deixam em perigo.

Distúrbios como a anorexia, a bulimia, as doenças psicossomáticas como também a necessidade de colocar-se em condições de risco físico e de perigo real com uma atitude de desafio, o exercício da violência sobre os outros ou sobre si mesmos (uso de drogas, álcool, a disposição de sofrer acidentes, de buscar cicatrizes, tatuagens) representam os exemplos mais gritantes de um encontro com o corpo não resolvido.Em modo mais tênue, um certo desleixo, a falta de cuidado como o próprio aspecto, que contrasta com o excesso de cuidado e se alterna e este, a negligência no tocante à qualidade da alimentação e do sono, o escasso respeito às normas higiênicas elementares, são fenômenos de mesma ordem, mesmo que de menor teor patológico.

Esta particular relação com si próprios, que tem todos os caracteres do desafio e da colocação à prova, reconduz a um fato central da adolescência que diz respeito ao corpo de modo evidente, isto é, a descoberta e a assunção da mortalidade. A morte e o morrer, próprio e dos outros, entra em cena como possibilidade real, concreta, como fato de necessidade biológico, polar ao nascer, confiado inteiramente ao acaso e por isso desprovido de um controle possível. Fato último, dificilmente representável em uma ordem simbólica laicizada, que tem hoje poucas palavras para nomeá-lo e que é reconduzido a um sentido somente com muito esforço. Não se morre por uma razão , depois não há nada, a morte é um fim e nada mais, é o silêncio, a ausência de palavras possíveis, é a experiência da impotência muda, raivosa ou depressiva.

É conhecida a intensidade emotiva com a qual os jovens podem chegar a viver esta idade, a experiência da morte de um pai, de um avô, de um irmão. Particularmente perturbadora, pela facilidade de identificações possíveis, pode ser a  morte de um amigo, que às vezes induz também a tentativas de suicídio e ao torturante perguntar-se o porquê, como isso pôde acontecer, por que justamente ele?

O sentimento de perda de controle sobre si e sobre a vida pode ser total e minar a delicada e ainda frágil construção da identidade.Em sentido lato, a morte não diz respeito somente à finitude da carne, mas leva à idéia da irreversibilidade do tempo linear da própria existência, à fragilidade, à solidão e através da assunção do sentido de limite, à interdependência como necessidade inalienável da presença do outro para estabelecer relações de intercâmbio.

A temática do suicídio, que representa, por sua dramaticidade, o parâmetro  de toda esta área de relação com o “corpo mortal”, foi recentemente objeto de estudos e reflexões, estimuladas também por um aumento de suicídios, justamente em idade adolescente, executados aparentemente sem motivos externos que pudessem justificá-los.

A motivação ao suicídio é relacionada por muitos autores à falência do processo de  separação, à presença de opiniões pejorativas sobre o próprio corpo, a uma falta de diferenciação entre fantasia e realidade e a um defeito de representação mental do corpo.Certamente, a intensidade das sensações internas que não podem ser elaboradas e transformadas com a ajuda dos dados cognitivos e de representações, torna-se subjetivamente impossível  de conter e ameaça ultrapassar os limites da própria pessoa.

Buscar a morte tem como objetivo fazer calar o corpo, manter sob controle a vida interna que se assinala através sensações das quais não se compreende o sentido e o código.O corpo não é vivido como pertencente a si, mas como uma coisa separada da qual se pode desfazer.

A morte é fantasiada como a obtenção de uma paz completa, um paraíso disponível, que realiza o desejo de viver de modo compensatório, sem tensões, sem medo do presente e do futuro, sem faltas e sem desilusões. O suicida se move em um horizonte que recusa o limite e a perda e mantém pensamentos onipotentes sobre si mesmo.Normalmente fantasia uma sorte de sobrevivência à morte, na qual poderá ser testemunha do próprio fim, ao lado dos sobreviventes que o chorarão.

É mesmo para continuar a fazer este mundo mágico e onipotente viver que o adolescente suicida recorre à extrema decisão de fazer morrer o corpo: este representa de fato  aquela parte separada de si mesmo em que, ao contrário, habita o tempo, o espaço, a experiência e portanto a frustração e a dor.
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