O corpo presença.
“ A ferida do lábio não fecha nunca mais., pois é o
sinal do tempo
perdido: nem o filho tornado homem, nem o pai e
nem
a mãe o reencontrarão. Gononga: assim é. Por isso,
sob
o sol imóvel queima-se um pouco de cera: ato que fixa
ao
espaço os seus limites, a cada coisa o seu lugar, a cada
pessoa
a sua moradia. O que diz a fumaça? Diz que os homens
são
mortais.”
P.CLASTRES,
Crônica de uma tribo.
A tradição dos índios Guayakí nos revela, com a
simplicidade do rito os mistérios de um grande conhecimento.Aqui, como em
qualquer lugar nas culturas tradicionais, o tempo da adolescência é o tempo do
corpo: sinais, escrituras, traços irreversíveis que marcam a passagem. A
certeza do que se é, daquilo que se deixa e daquilo que alguém se torna está
escrita na carne: visível ao outro, vivida na dor e contida na sacralização da cerimônia.
O que diz isso tudo à
adolescência de nosso tempo, cansativamente consumada no ruído e na desordem da
sociedade urbana? E o corpo, como vive esta história, qual capacidade de sentido lhe resta além da aparência e qual
dor conhece (se há dor) no tornar-se corpo adulto hoje?
A própria idéia de que se possa
falar de um corpo como teatro de fatos diferentes daqueles da mente, nos afasta
da possibilidade de compreender a experiência que o adolescente vive com a
mudança global de sua pessoa, da forma e do sentido: mudança extraordinária da
presença.Mesmo porque a crise gira em
torno a um vivido de descolamento do mundo interno daquele externo, em torno da
tensão entre ser e parecer, entre fazer e pensar, a compreensão dos fatos, e,
por conseqüência a ajuda ao adolescente
não pode nascer de um pensamento dividido.Os ritos do corpo das culturas
tradicionais nos ensinam, paradoxalmente, que não há um “corpo”, mas uma concretude da experiência que pode
somente percorrer os caminhos da carne, dos sentidos, do movimento, da ação.Nos
ensinam que é necessário passar através da intensidade de um completo
envolvimento para entrar na vida e poder-se
tornarem sujeitos de experiência.
A nossa cultura e a tradição
psicológica, em particular, está ainda
profundamente marcada por um tema de separação entre mente e corpo que
obriga, cada vez que enfrentamos o tema da corporeidade, a imaginar que aquilo
de que estamos falando seja um objeto (o corpo, por isso mesmo) possuído pelo
sujeito-pessoa, identificado, ao contrário, com as atividades e os conteúdos da
mente e do pensamento.Esta idéia, reforçada pela cultura médica, levaria a
privilegiar um olhar objetivo, analítico, anatômico e fisiológico que, em sua
pretensão de cientificismo e padronização, excluiria todo elemento de vivido
subjetivo e de experiência. Se nos contentássemos em seguir esta direção,
ficaríamos aquém da compreensão possível dos fenômenos adolescentes (e não
somente esses): nesta idade mais que em outras, compreender o que acontece no
corpo não se refere nunca aos fatos físicos como tais, mas ao sentido que estes
têm para a pessoa que os experimenta, a sua permanente relação com a construção
dos significados.
O corpo não é um objeto em
relação a um sujeito que o olha, o observa analiticamente e integra assim
elementos cognoscitivos novos. Os fatos do corpo compõem uma unidade com o
olhar de quem os observa e as transformações fisiológicas que são orientadas
pelo sentido e pela carga afetiva que são a eles atribuídos. Para compreender o
adolescente em seu modo de ser -no- mundo, é preciso partir de um corpo, não
como “coisa” possuída, mas como campo de
experiência que coincide com a presença mesma do sujeito.
Na perspectiva fenomenológica
que assumimos, o corpo-presença significa que aquilo que é e aquilo que se
manifesta coincidem. O corpo que o jovem ou a jovem vêem agir, aquilo que expõe
ou esconde do olhar, aquilo que percebe através das sensações agradáveis ou
dolorosas da mudança fisiológica não é uma coisa, mas a sua própria pessoa.
É justamente esta identidade de
corpo e existência que chamamos presença. O ser -no- mundo como presença
sintetiza assim o ser biológico, a experiência sensorial, a capacidade de
relação e de contato, o fluxo vivido de pensamentos, sentimentos e emoções e
consciência integrada de tudo isso.A presença assim definida, já que coincide
com a experiência só pode constituir-se como processo, isto é, uma contínua
construção e desconstrução
dos dados, sucessão de equilíbrios e desequilíbrios.
A presença não é um estado
alcançado de uma vez por todas, mas uma dinâmica que se radica na própria
consciência do corpo e que requer a capacidade de construir o sentido da
própria continuidade através das mudanças.Tal capacidade orienta o
comportamento e permite dar resposta às necessidades que aos poucos surgem.
Esta perspectiva elimina todos
os mitos de harmonia e bem-estar atingíveis de uma vez por todas e implica em
uma capacidade de escuta e respeito, tanto dos ritmos biológicos profundos que
se manifestam através das sensações, como dos dados externos do ambiente.
A presença é marcada pelas
oscilações e pelo andamento cíclico dos diversos estados:alternância de contato
e retiro, de abertura e fechamento, de palavra e silêncio. O mal-estar e o
incômodo nascem quando este processo é bloqueado, quando é interrompido o contato
com as mensagens do interior e/ou do exterior. A incapacidade de proceder, de
decidir, de escolher manifesta o bloqueio: os sintomas são a sua expressão.
Falar de corpo nesta
perspectiva a propósito da adolescência nos obriga a considerar as clamorosas
mudanças que estão agindo nesta fase como algo mais que meros fatos
psicológicos que são acompanhamento de eventos intrapsíquicos. Os fatos do
corpo na adolescência, como em outros momentos da vida caracterizados por
mudanças intensas, colocam em movimento uma redefinição global da experiência
que diz respeito a todos os aspectos da presença.
Aquilo que geralmente é
definido como distúrbio evolutivo corresponde, na realidade, à dificuldade
subjetiva de aceitar o fluir do processo, pela enorme intensidade das mudanças
internas e das mudanças qualitativas nas funções de contato na definição e
consciência de si e do mundo externo.Nenhuma compreensão dos fenômenos da
adolescência e sobretudo, nenhuma ajuda ao adolescente é possível fora de uma
visão unitária, que assuma o corpo vivido domo coincidente com o sujeito mesmo
da experiência.
A verdadeira novidade dos
eventos da adolescência que se referem ao corpo não é dada somente pela
particular intensidade e velocidade das mudanças, como geralmente tende-se a salientar,
mas pelo fato já mencionado de que o adolescente é pela primeira vez espectador
consciente da mudança que se refere a ele e está portanto empenhado em um
processo de controle, de contenção e de
atribuição de sentido a que lhe acontece. Contemporaneamente, aprende a
utilizar os novos recursos que se tornam disponíveis.
Permanece verdadeiro que estas
modificações, muito perceptíveis do exterior, se referem também a alguns
expectadores privilegiados (pais, irmãos, outros adultos significativos). Também
estes últimos estão envolvidos emotivamente na operação de acolher a mudança de
atribuir-lhe sentido, mantendo a possibilidade de reconhecer o adolescente e si
mesmos na transformação.
Além da tensão intrapsíquica
que o adolescente vive, deve , por isso, ser compreendida a fundo também a
tensão que se vem a criar no campo relacional e social, justamente a partir das
modificações do corpo e, em particular, da sexualidade. Esta tensão se faz pelo
fato de que adulto e jovem estão juntos renegociando um sentido comum de
atribuir às suas respectivas presenças e à relação que as liga. A salvaguarda
da diversidade, a diferença e a especificidade dos papéis, a independência e a
liberdade pessoal de se auto-definir coabitam com a necessidade de manter o
laço afetivo que sustenta o auto-reconhecimento e o sentido de permanência e de
continuidade.
É preciso, enfim, recordar um
elemento muitas vezes negligenciado nas análises da adolescência. Normalmente
este momento de redefinição de si e de reconhecimento recíproco ligado às
transformações do corpo acontece coincidentemente com uma análoga grande
mudança física do pai, que mediamente se vê entrar na segunda metade da vida,
naquela fase que se abre em torno aos quarenta anos.Também o pai está portanto
envolvido em uma mudança que se refere ao corpo e toda a sua experiência (fim
do mito da juventude física interminável, encontro explícito com os limites do
corpo e eventualmente com a doença, conclusão do ciclo reprodutivo para a
mulher).
O campo relacional adolescente-pai
é então percorrido por tensões também por causa de dois processos
concomitantes. Em relação à corporeidade e à imagem de si, estes dois
movimentos simultâneos têm valências opostas: o adolescente está orientado para
a expansão, para a descoberta e realização de potencialidades, enquanto que o
movimento do adulto está sob o signo da contração, da queda de recursos
físicos, talvez do retiro. Os modos pelos quais, no recíproco espelhamento, um
ajuda ou obstaculiza o outro a assumir o próprio presente, não foram nunca
observados a fundo e no interior de uma perspectiva que considere o campo
relacional como uma construção interativa.Neste campo, pais e filhos fazem
jogadas recíprocas, com idéias, expectativas e emoções, mas sobretudo com
corpos que vivem a passagem.
Esta perspectiva poderia ajudar
a entender mais o que ocorre entre adultos e jovens e eventualmente operar de
modo a tomar isso em consideração. Isto requer, porém, que, falando-se de
adolescência, os adultos estejam dispostos a tratar também de si mesmos.
Sentir-se e ser vistos.
As vistosas mudanças do corpo,
na adolescência comprometem a fundo as dinâmicas do auto-reconhecimento e do
sentido de si, que só podem garantir uma boa vivência das primeiras. Para
compreender melhor o que acontece nesta fase ao redor da imagem do corpo, pode
ser útil fazer referência ao momento evolutivo no qual pela primeira vez inicia
a estruturar-se esta função e esta capacidade.
Em torno ao fim do primeiro ano
de vida, complexas operações perceptivas, mentais e cognitivas possibilitam o
salto qualitativo da percepção de si como objeto no mundo exposto ao olhar de
um outro, além da atribuição ao outro de um mundo interno diferente do próprio.
É o início da intersubjetividade e o primeiro esboço da capacidade auto-reflexiva
que maturará a partir daí.
Mas já antes deste momento,
quando a criança é capaz de reconhecer a própria imagem no espelho, inicia a
colocar-se em movimento este jogo, forma-se o primeiro traço de consciência de
ser um corpo no mundo.
É importante ressaltar como a
percepção de si e a percepção do outra viagem paralelamente e como o processo
de individualização aconteça através da contemporânea assunção da alteridade.
Em torno ao sexto mês, defronte à própria imagem refletida no espelho, a criança
tem reações de júbilo e de surpresa que se referem em um primeiro momento à
percepção da própria imagem como se fosse a de uma outra criança em movimento.
A imagem que vê não pe imediatamente reconhecida como própria: a criança está
ali onde se sente.Progressivamente, a experiência visual do sincronismo dos
movimentos e das expressões, sustentada e reforçada pelo adulto, leva a criança
a intuir que aquele que vê é ele mesmo. Começa, assim, a identificar-se em dois
níveis distintos: aquele de sentir-se e aquele de aparecer.
A compreensão da imagem
especular de si é o reconhecimento de que pode-se ser um espetáculo de si mesmo
e comporta a consciência de ter um corpo visível. A passagem do “eu
introspectivo” (que é sentido do interior) ao “eu especular” (que pode ser
visto de fora) foi considerada uma verdadeira e própria passagem de um estado
da personalidade a outro.Trata-se não somente de uma nova aquisição que vai
somar-se de modo linear às competências precedentes, mas de uma radical mudança
de plano que funda o senso de identidade pessoal. A criança não acrescenta um
novo conteúdo que se acrescenta aos precedentes, mas uma nova função que sustém
e reestrutura toda a dimensão do sentido: sobre ela se funda uma nova percepção
de si., do próprio valor, das próprias possibilidades.
A partir desta base de
consciência corpórea, quando mais tarde entrará no campo da relação
intersubjetiva, a criança poderá assumir de ter um corpo que contém pensamentos
e reconhecer também ao corpo do outro o fato de ter uma mente, pensamentos
próprios e intencionalidades separadas das suas.Esta importante aquisição lhe
permite chegar a experiências emotivas e relacionais da co-participação e abre
a dialética igual/diferente nas relações com o outro.
A capacidade de continuar a
deixar conviver de modo dialético e equilibrado a dimensão do ser (sentir-se do
interior) e do aparecer (ser para o outro) é a condição para o desenvolvimento
harmônico da identidade pessoal e da capacidade de relação. A prevalência da
segunda dimensão (eu sou na medida que há um outro que me vê e me faz viver)
estrutura aquela que Laing definiu como
“identidade para os outros”, ou “sistema do falso eu”. Se o indivíduo não
possui as duas dimensões e não consegue unir a identidade para os outros e a
identidade para si mesmo, então não existe a realidade da presença, mas somente
o seu fantasma.
A função geral da imagem especular da primeira infância seria,
portanto, aquela de permitir à criança de sair da realidade imediata do mundo
interior experimentado através do sentir, para torná-la consciente de uma outra
perspectiva, aquela do outro, que a coloca no mundo da relação e da
auto-reflexão como capacidade de ser observador de si mesma. Esta operação
compreende ao mesmo tempo funções sensoriais e corpóreas, intelectivas e
emotivas, além da capacidade de fluir entre a adesão a si e a distância de si.
Para o adolescente acontece uma
espécie de reedição destes eventos experimentais.As importantes mudanças
físicas colocam-no na condição de efetuar um novo auto-reconhecimento que deve
acolher o tumulto de seu mundo interior, dar a este um significado e
restabelecer uma dialética com o ponto de vista que o outro tem sobre ele.A
capacidade auto-reflexiva está empenhada em fazer as contas com os pensamentos
e as intensas sensações internas, que devem ser assumidas como próprias,
contidas na embalagem do corpo que, como forma, é visível do exterior,
portanto, exposta ao outro.
A pergunta “quem sou eu?” se
move sobre estes dois registros da identidade pessoal exprimíveis com as
perguntas: “como me sinto e o que sinto no interior” (quais sensações,
pensamentos, emoções me ocupam) e “como sou visto de fora” (que imagem o outro tem de mim).
A intensidade peculiar das
sensações internas que o adolescente percebe pode transformar a experiência do possuir
um corpo naquela de ser possuído pelo corpo. Ela pode então ser
acompanhada por uma penosa vivência de transparência, que muitas vezes faz o
jovem sentir-se em perigo e o pressiona a tomar distância do próprio corpo.Se
isso ocorre, se o adolescente renuncia por alguma razão ao próprio sentir, é
obrigado a investir preferentemente na própria imagem para individualizar-se e
termina por reconhecer-se somente através das mensagens que o exterior lhe
reenvia.
Falar do corpo a propósito de
adolescência é necessário, portanto,não somente como referência obrigatória às
convulsões fisiológicas, mas como momento construtivo do ser- no- mundo:
sensações e pensamentos, ação e consciência juntos, fundamento da possibilidade
de relação. O corpo é o centro da problemática adolescente não somente por ser
teatro de exuberantes mudanças de forma, mas também pelo fato de que com o seu
chamamento prepotente, pede uma escuta que se diferencia de toda a história
precedente do indivíduo. Em torno a essa relação com o corpo, pode-se organizar
todo o campo da experiência e se podem fundar as novas relações: ou mesmo
quando isso é negado ou distorcido, é a própria consciência da pessoa e a sua
possibilidade de encontrar os outros a ser questionada.
Corpo como fronteira
As transformações fisiológicas,
com o irromper das pulsões sexuais, intensificam as sensações internas: estas
são dificilmente decifráveis em termos de sentido, não se transformam sempre em
pensamento e seguidamente são vividas como não conteníveis . A pele, fronteira por excelência entre interno e
externo e local onde pousa o olhar do outro, torna-se um elemento de extrema
importância, investido de fortes valências afetivas e objeto de atenções
particulares.A pele se transforma visivelmente, está em movimento, se recobre
de pêlos, de espinhas, talvez não seja mais confiável.
Assim também a roupa, escolhida
com um cuidado muitas vezes obsessivo, termina desempenhando também uma função
de conter as pressões misteriosas e indecifráveis do interior. Deverá ser
“pessoal”, “original”, “consumida”, “vivida” no limite do sujo. Deverá ter
traços de história, ser uma segunda pele. O cuidado com a roupa, com os
acessórios, com a maquiagem desempenha o papel de limite auxiliar além de
mensagem para o reconhecimento externo. Salienta de modo mais evidente a
importância atribuída à aparência., mas exprima indubitavelmente uma constante
preocupação de conter dentro de si o intenso sentir.
O sentimento da vergonha e do
enrubescer tão freqüente nesta idade, acompanhado pela penosa vivência de “ser
transparente”, ser lido por dentro, estar aberto demais, portanto, assinala uma
dificuldade de sentir a fronteira-pele e de integrar o fechamento e o
limite.Este processo estrutura-se lentamente através o entrelaçar das duas
experiências fundamentais do sentir-se e do ser visto. O adolescente passa
muito tempo a contemplar a própria imagem no espelho, a escrutar
quotidianamente, muitas vezes com preocupada atenção cada mínima variação dos
sinais, das cores, dos contornos.O que procura realmente? Como muitos anos
antes, quando descobriu a própria imagem refletida, re-percorre o mistério da
própria identidade.Estar ali onde se sente e saber que existe um espetáculo de
si mesmo: reconhecer-se na aparência visual do espelho, mas permanecer ancorado
onde o corpo está de verdade, com sua espessura, com a sua tridimensionalidade
e a sua capacidade de sentir. Agora como antes, aquilo que renova o
conhecimento possibilita também a alienação.
A freqüente preocupação com que
o adolescente vive pela forma do próprio corpo pode também alcançar níveis
patológicos (dismorfofobia)
.A rapidez das transformações, de fato, cria instabilidade e põem em crise
continuamente as seguranças atingidas, especialmente quando a distância de si é
muito grande e está baseada principalmente sobre o recurso às definições
externas. As mudanças são muitas vezes percebidas como deformadoras. O
adolescente se sente sempre inadequado: muito gordo ou muito magro, alto ou
baixo demais. As assimetrias fisiológicas do rosto e dos membros, a vinda de
pêlos são consideradas anomalias.Freqüentemente se sente feio, mesmo que não
haja nenhuma comprovação objetiva desta feiúra.
Perder-se na imagem é fácil em
um mundo que celebra a aparência e o espetáculo. Os cuidados e a atenção com o
próprio aspecto podem tornar-se uma preocupação que procede da experiência do
corpo vivo.E já que é justamente a intensidade desta vida que assusta, é do
corpo que o adolescente quer ficar longe.Com a sua estranha lentidão, os seus
ritmos, as excitações, as necessidades, o cansaço, a raiva, o corpo é , de
qualquer modo, um chamamento ao aqui e agora da situação; decidir de ser aquele
corpo é uma escolha que entra em choque com o desejo de viver de modo sem
limites.A identidade corpórea se estrutura sobre uma precisa percepção do
limite e sobre a capacidade de suportar-lhe a frustração.
As dificuldades com as quais os
jovens enfrentam hoje a experiência da frustração é freqüente.Uma pedagogia que
nega à criança o encontro com a justa dor da espera e da privação produz
adolescentes ainda mais inseguros e temerosos.A adolescência é aprender o
limite e habituar-se ao corpo que se é.Sem esta aterrissagem não há prazer
possível, nem desejo, nem maravilha pela vida, mas somente tédio e incapacidade
de dar-lhe sentido .
A timidez, a vergonha, o
segredo.
A percepção de ter limites
físicos é portanto para os jovens um grande ordenador da crise adolescente.É a
possibilidade de sentir-se protegidos do aumento das sensações e do pensamento
e da inquietante impressão de ser engolidos por isto tudo. Um corpo fechado e
finito em si é também a garantia de que aquilo que se agita dentro não poderá
ser visto do exterior.Esta é a idade do segredo, tornado possível somente pela
certeza de que o que está dentro é invisível e inacessível ao outro, pelo menos
até que intervenha alguma decisão de dizê-lo.
Neste quadro pode-se
compreender o significado do enrubescer , do senso de vergonha, de pudor e de
timidez que caracteriza tão freqüentemente o adolescente nas relações. O olhar
externo, ao qual é assinalado um tão grande poder de definir a identidade, pode
ser vivido como opinião definitiva sobre a própria pessoa. Pela fragilidade do
limite que separa o mundo interior daquele exterior, o adolescente percebe o
risco que o olhar do outro tenha a capacidade de penetrar em seu mundo
convulsionado, de perceber-lhe a confusão e a periculosidade.Teme de ser visto
como é verdadeiramente e em particular corre o risco que seja descoberto pelo
adulto tudo o que se relaciona com as novas competências e sensações do corpo
sexuado que devem permanecer obsessivamente secretas.
O segredo é uma dimensão
particularmente importante que não tem unicamente o objetivo de esconder do
outro ou partilhar somente em uma restritíssima intimidade o próprio saber, mas
que representa uma verdadeira e própria garantia de solidez para poder-se
manter junto. Neste sentido deve ser lido, como já se viu, o mutismo e o
silêncio do adolescente, que constituem quase sempre um grande problema para o
adulto e são acompanhados, especialmente nos pais, por vivências de frustração
e por um sentimento profundo de perda.
Além do fato óbvio de que às
vezes o mutismo pode exprimir uma condição de dificuldade, deve ser entendido
que nasce neste período uma verdadeira e própria necessidade de não falar
ou melhor, de não dizer tudo e que não deve ser banalizado nem
transformado em problema.
O reconhecimento do direito de
calar autoriza uma distância que pode ser entendida como necessidade vital de
sobrevivência e pode ser resolvida utilmente por um adulto, ao invés de
perguntas invasoras, com uma palavra sobre si, sobre os próprios estados de
ânimo, sobre as variações do próprio humor que, no espelhamento, autorizam os
jovens a deixar existir no seu interior aquilo que sentem, como fato normal da
vida.
No pólo oposto da reserva e do
retiro, podemos encontrar o exibicionismo, como intenso desejo e prazer de ser
visto. Também esta atitude, aparentemente polar à precedente, se funda em uma
clara separação do dentro do que está fora, do sentir da imagem externa de si
mesmos. O adolescente assume aqui a idéia de uma impenetrabilidade de seu corpo
e portanto, da impossibilidade para o outro, de tomar contato com o que se move
dentro dele.O objetivo é o de manter distante do teatro do encontro, as
dimensões dos sentimentos, das emoções, das sensações, e de ser identificado
unicamente pelas qualidades exteriores da beleza ou presteza física, da força e
do poder de controle.
Considera-se unanimemente que a
capacidade de intimidade e reserva, como também da possibilidade de estar só
represente uma etapa evolutiva em direção a uma organização mais madura; assim
como no contrário, quando a incapacidade de estar sós, de ter segredos e a
tendência de viver a separação como abandono, manifestem modalidades menos
evoluídas no processo de identificação. É sobre estas bases que na relação se
constrói a responsabilidade do contato e da comunicação, que sai assim do mundo
mágico da fusão e da empatia, para tornar-se escolha de troca e de co-divisão ,
reconhecimento da alteridade. O silêncio, às vezes obstinado, do adolescente
pode ser lido nesta chave como uma verificação da consistência da própria alteridade.
O cuidado de si
Durante da infância o cuidado
com o corpo está confiado à mãe e geralmente
é de responsabilidade dos pais.Em um percurso que habitualmente é muito
progressivo, esta responsabilidade passa do adulto à criança até chegar, para o
adolescente, a ser totalmente sob seu encargo. Normalmente, o prolongamento da
responsabilidade materna ou dos pais sobre as questões referentes ao cuidado do
corpo é considerado um fato intrusivo, vivido com incômodo pelo adolescente e,
caso seja aceito em uma relação de cumplicidade e conluio, é certamente sinal
de patologia.
O cuidado com o corpo como
objeto pertencente a si, exprime bem o senso de dignidade que o adolescente
atribui à própria pessoa. Esta capacidade de tomar cuidado de si se baseia
sobre a boa percepção de si, das próprias sensações internas e do valor
atribuído à própria imagem. A qualidade do cuidado representa portanto um fato
muito indicativo da integridade psicofísica da pessoa.
Paradoxalmente, porém, a esta
incipiente tomada de encargo da própria pessoa corresponde uma relação com o
corpo na qual proximidade e distância, atenção e esquecimento se mesclam de
modo contraditório. Assim como a desarmonia física exprime, às vezes de modo
clamoroso, a mudança das formas, também na relação com o corpo os adolescentes
revelam desequilíbrio que muitas vezes desconcertam os adultos.
Os jovens não falam
espontaneamente de seu corpo.Mas este fala por eles através do modo de
apresentar-se, que vai do vestuário aos comportamentos, muitas vezes exibidos
de modo provocador: maquiagens pesadas e extravagantes, roupas de gosto
discutível, sinais, tatuagens, brincos. Esta exibição vem acompanhada porém de
uma escassa desenvoltura, às vezes uma verdadeira e própria resistência à
exibição pessoal e um profundo desconforto de descobrir o próprio corpo.Esta
oscilação entre exibicionismo e pudor, entre provocação e resistência é um
elemento característico da relação ambivalente que os jovens empreendem com seu
corpo. Os sinais de idade que o corpo revela e que determinam a sua percepção
estética são o difícil termo de confronto com a imagem de si.
Um exemplo comum é representado
pelos problemas ligados à acne, que os adolescentes dificilmente declaram de
início, mas que são muitas vezes fonte de profundo desconforto psicológico e
até mesmo de severas depressões.
Os problemas estéticos têm
particular importância nesta idade e se estendem a todo o corpo: parecem
transpor as próprias fronteiras físicas para atacar muitos aspectos da
realidade psicológica e social dos jovens. Em alguns casos, quando a imagem de
si enche de dados negativos reais ou imaginários, a recusa do corpo chega a
exercer fortes condicionamentos e auto-limitações de tipo funcional: rapazes
que não saem nunca de casa, moças que não comem nunca ou que, inversamente,
comem sempre.
Um dos dados mais importantes
diz respeito hoje à presença de excesso de peso e obesidade, seguidamente
derivados de uma alimentação desordenada e inadequada, que mescla as múltiplas
e sedutoras ofertas de comida industrializada divulgadas pela mídia. Além
disso, também em relação ao peso existe um comportamento que oscila entre ânsia
e negação: por exemplo,à preocupação declarada pode corresponder a resistência
a pesar-se, ou diante de desequilíbrios visíveis pode corresponder o silêncio e
a recusa de pedir conselhos. Real ou presumido, o problema do peso se liga à
imagem de si e muitos adolescentes não se amam, se vêem gordos demais ou
excessivamente magros, fazem as dietas mais estranhas e fantasiosas,
contribuindo , deste modo, a criar em seu corpo desequilíbrios efetivos.
As tendências nesta direção são
alimentadas pelos modelos culturais que favorecem estereótipos de corpos
perfeitos e sempre em forma. Ao contrário, com dramática evidência, impõem-se
às sociedades avançadas contemporâneas os problemas contrapostos da obesidade e
da anorexia (explícita ou latente), que atacam de modo particular a
adolescência. Estas testemunham um entrelaçamento entre os hábitos alimentares
de uma sociedade opulenta e a pressão dos modelos culturais que valorizam uma beleza
corpórea abstrata e desencarnada. Os jovens combinam em seu comportamento a
falta de limites e de regras de uma sociedade onde consumir o máximo possível
tornou-se um dever, junto ao imperativo de adequar-se a cânones estéticos
completamente distantes da sua efetiva realidade psicofísica.
Dificuldades de natureza
relacional e psicológica encontram naturalmente no consumo alimentar ou em suas
restrições uma via de expressão.Na relação com o corpo, a percepção dos jovens
não encontra sempre um interlocutor adequado no paradigma médico dominante.De
fato, enquanto que os jovens pareçam privilegiar uma imagem do corpo como
invólucro, centrada em características externes a serem exibidas ou escondidas,
na cultura médica prevalece ainda uma definição do corpo anatômico, relacionada
com desequilíbrios naturais e intervenções corretivas.A prescrição médica,
talvez legítima no plano técnico, leva em escassa conta os significados
simbólicos e afetivos que a forma, as dimensões, as aparências do corpo têm
nesta delicada fase do crescimento.
Sinais de alarme.
A imagem dominante dos jovens
como fundamentalmente sãos, dotados portanto de vigor e vitalidade física nem
sempre corresponde à realidade da adolescência mas sociedades urbanas
contemporâneas. As pesquisas mostram muito mais a imagem de uma adolescência
urbana inclinada a manifestar através da doença física uma certa fragilidade;
mas é também uma adolescência que aparece circundada de um excesso de cuidados
e contemporaneamente de muita desatenção, aquela que permite que os problemas
de uma certa gravidade se tornem visíveis somente quando se torna mais difícil
trata-los.
Sem chegar à doença verdadeira
e própria, um campo significativo de experiência é, para este propósito, aquele
da relação entre os jovens com os sinais do corpo que se manifestam através do
mal-estar físico.No que se refere aos sintomas e aos pequenos males do corpo,
os adolescentes parecem ter um limitado espaço de elaboração que não passa
sempre através do caminho das palavras, mas se exprime, às vezes através da
indicação direta, o ato. Aquele dos adolescentes se assemelha ao gesto da mão
que se leva ao lugar da origem de uma dor.Esta prioridade do gesto poderia ser
lida unicamente como sinal, como a indicação de que o incômodo é tão forte de
calar todo o discurso, ou que, de qualquer forma, não existem palavras para
nomeá-lo. Mas ao invés de considerá-la como uma prevalência do não-verbal sobre
o verbal, esta ausência de palavras pode ser referida ao surgimento de uma real
incompetência.
No silêncio dos jovens não se
manifesta, portanto, somente um vazio lexical, que se esgota na denominação
faltante, mas ele pode ao contrário constituir o sinal de uma verdadeira e
própria ausência de cognições a tudo o que se refere ao eixo saúde- doença.
Revela uma incapacidade de entrever e instaurar nexos entre comportamento
precedente e estado conseqüente. Tudo o que acontece ao corpo, tudo o que se
refere ao bem-estar ou ao mal-estar acontece independentemente de seu agir e
fora do campo de sua direta responsabilidade: os jovens não sabem ainda ou
sabem confusamente poder orientar a sua saúde, com base nos comportamentos e
nas escolhas que fazem.Talvez saibam-no mentalmente, talvez têm disso uma noção
intelectiva, mas o corpo não é ainda profundamente deles.
Não é infreqüente que se manifeste então uma
desproporção entre sintoma e reação, até mesmo uma incongruência que se pode
atribuir simultaneamente à ignorância de si e ao medo. O distúrbio é sempre
inesperado e o seu decurso é vivido pelos jovens como uma incursão a
solidificar com intervenções extraordinárias de emergência. A doença, junto com
as suas múltiplas manifestações, nunca é reconduzida aos comportamentos
ordinários da vida quotidiana, aos hábitos malsãos o às circunstâncias
desfavoráveis; é mais o acidente inexplicável ao qual não é possível conceder
legitimidade e que não pode, por isso ser enfrentada com os recursos
ordinários.
Os adolescentes já superaram a
idade pediátrica e estão portanto situados além da tutela e da orientação que a
família podia garantir em precedência, sem todavia ter ainda estabelecido um
caminho autônomo para a relação direta com o médico. Vivendo a delicada fase de
suspensão, na passagem do pediatra ao médico de confiança, os adolescentes
ainda não são capazes de assumir a responsabilidade do controle de si e da
individuação do próprio estado de saúde ou de doença.
A relação com o corpo se
manifesta então através principalmente de um sintoma físico, que muito
raramente cria a ocasião para ocupar-se de si além do distúrbio.Os adolescentes
são, desse modo, o espelho da cultura de nosso tempo e a solução para a dor é
procurada exclusivamente no medicamento.Os jovens de hoje não suportam os
pequenos males e sofrem de uma alta intolerância à dor, como se a quota de
sofrimento físico não tratável fosse um sinal de falta de proteção por parte do
mundo adulto.Esta atitude leva a um difundido e precoce consumo de analgésicos,
sobretudo entre as moças, no que se refere às dores menstruais.Mais geralmente,
parece que a experiência da dor revele uma fragilidade tão radicada a fim de
requerer de qualquer modo uma contribuição externa como única via de resolução.
O fármaco, seja por hábitos familiares e sociais, como pela efetiva experiência
de tratamentos sintomáticos eficazes, mesmo que limitados, termina por ser o
mediador mais fácil, tão externo a ponto de não requerer a operação mínima de
sua assunção, e ao mesmo tempo, tão central a ponto de excluir uma participação
e uma responsabilidade direta, na idéia de dor e na elaboração de seu
significado. O recurso ao fármaco, sustentado pela cultura circunstante,
acoberta e afasta a relação com um corpo mantido à distância.
Os distúrbios físicos e os
mal-estares ordinários mesclam para os jovens problemas do corpo e dimensões
psicológicas, afetivas e relacionais.Por exemplo, a dor de cabeça é um
distúrbio recorrente entre os estudantes.Problema somático, associado ao
estresse ou aos abusos, pretexto comum porque culturalmente aceito e difícil de
submeter a verificações objetivas, a dor de cabeça parece representar o sintoma
mais difundido e mais emblemático da condição estudantil.Nele se concentram
todas as valências simbólicas do incômodo psicológico que toma lugar no corpo,
todas as exigências de simulação e evasão para subtrair-se aos vínculos da
instituição escolar, todas as tensões das provas, do juízo , da avaliação aos
quais o estudo e também a competição submetem os alunos.
Os distúrbios físicos dos
jovens têm andamento cíclico ou sazonal e assinalam as variações de seu
comportamento, as oscilações de suas vidas de relação, às pontas de excesso e
de retiro.O mal-estar é freqüentemente sinal de desregramento ou de ânsias, de
problemas afetivos ou de dificuldades familiares ou escolares.Para os de sexo
masculino, o corpo fala habitualmente através de um distúrbio mais
circunscrito, uma dor bem precisa, enquanto que da parte das mulheres é mais
freqüente um mal-estar difuso. Os primeiros tenderão mais facilmente a dizer:
“tenho uma dor aqui”, as segundas expressarão de preferência um mais genérico
“me sinto mal”.
Os adolescentes estão raramente
cientes do nexo entre sintomas e o eventual incômodo psicológico e relacional
que está em seu bojo. O que se manifesta é freqüentemente uma patologia diversiva, que os jovens custam a
ligar às suas raízes emocionais ou comportamentais.Muitas vezes a tarefa do
adulto (pai, educador, médico) é justamente aquela de ajudar os jovens a
individuar este nexo. O sintoma como distúrbio real é quase um nível de denominação,
aquele que os jovens são capazes de atingir de modo imediato.Atrás e além deste
nível de expressão de incômodo é possível tecer às vezes um outro discurso.O
acolhimento do sintoma e daquilo em que ele implica por parte dos adultos pode
permitir, em alguns casos, que o adolescente reflita sobre o estilo de vida,
sobre hábitos alimentares e mais geralmente sobre todos aqueles comportamentos
ínfimos que considera de escassa significação, mas que têm um lugar preciso na
constituição do problema.
Abusos alimentares, fumo,
bebida, falta de sono, são às vezes os excessos com os quais os adolescentes se
medem em suas provas de crescimento. Nas relações interpessoais, a insegurança,
a necessidade de confirmações, a ânsia de consecução podem produzir tensões muito
fortes. Raramente os jovens conseguem ver os nexos entre os estado de mal-estar
e as circunstâncias, o sintoma fica desconexo do antes e do depois, não é
colocado em relação com os fatos ocorridos.
O espaço destes nexos que
faltam pode ser ocupado pela relação com o adulto, que têm então,a função de
substituí-los.Atrás do sintoma há muitas vezes um estado de falta caracterizado
por uma pobreza de orientações e pela dificuldade de atribuir significados. O
sintoma físico é nos jovens também um indicador da necessidade de falar, de
encontrar acolhimento e escuta em relação a incertezas e interrogações próprias
do esforço que vivenciam.O sintoma aparece, em muitos casos, como o primeiro
degrau de uma escada, o evento que os jovens vivem como contável e tratável,
atrás do qual e a partir do qual é porém possível proceder.O mal-estar físico
funciona então como canal e como apelo ao mesmo tempo, o primeiro passo no
processo de aproximação, cujo êxito depende, em grande parte, da capacidade do
adulto de acompanhar o percurso.
O pedido explícito de ajuda
para um mal-estar que se manifesta sempre como solicitação de fármacos ou de
uma intervenção direta de tipo resolutivo: esta é a resposta mais habitual que
os jovens prefiguram. Na associação agora já quase automática sintoma-fármaco
se reflete, como se disse, uma tendência cultural difundida, da qual o consumo
anormal de fármacos sintomáticos é o indicador mais evidente.Mas de modo mais
sutil, ela testemunha a presença de um limite de tolerância da dor muito baixo
e de uma incapacidade de enfrentar o distúrbio. O primeiro sintoma é para o
adolescente já doença, por uma espécie de amplificação hipocondríaca da ameaça,
em parte própria da idade, em parte alimentada por uma tendência de nossa
cultura a mandar para longe o sintoma antes ainda que se modifique ou que tenha
sido efetivamente interpretado. A expectativa do fármaco torna-se assim tão
explícita e urgente que muitas vezes deixa pouco espaço a intervenções mais
cautas e impede de considerar elementos diversos daqueles contidos na
declaração do mal-estar e no pedido de uma solução farmacológica.
Longe do limite.
Acontece seguidamente durante a
adolescência que o corpo seja não somente momentaneamente e prudentemente
mantido à distância, mas que seja até mesmo negado, odiado e alvo de ataques
que o deixam em perigo.
Distúrbios como a anorexia, a
bulimia, as doenças psicossomáticas como também a necessidade de colocar-se em
condições de risco físico e de perigo real com uma atitude de desafio, o
exercício da violência sobre os outros ou sobre si mesmos (uso de drogas,
álcool, a disposição de sofrer acidentes, de buscar cicatrizes, tatuagens)
representam os exemplos mais gritantes de um encontro com o corpo não
resolvido.Em modo mais tênue, um certo desleixo, a falta de cuidado como o
próprio aspecto, que contrasta com o excesso de cuidado e se alterna e este, a
negligência no tocante à qualidade da alimentação e do sono, o escasso respeito
às normas higiênicas elementares, são fenômenos de mesma ordem, mesmo que de
menor teor patológico.
Esta particular relação com si
próprios, que tem todos os caracteres do desafio e da colocação à
prova, reconduz a um fato central da adolescência que diz respeito ao corpo
de modo evidente, isto é, a descoberta e a assunção da mortalidade. A morte e o
morrer, próprio e dos outros, entra em cena como possibilidade real, concreta,
como fato de necessidade biológico, polar ao nascer, confiado inteiramente ao
acaso e por isso desprovido de um controle possível. Fato último, dificilmente
representável em uma ordem simbólica laicizada, que tem hoje poucas palavras
para nomeá-lo e que é reconduzido a um sentido somente com muito esforço. Não
se morre por uma razão , depois não há nada, a morte é um fim e nada mais, é o
silêncio, a ausência de palavras possíveis, é a experiência da impotência muda,
raivosa ou depressiva.
É conhecida a intensidade
emotiva com a qual os jovens podem chegar a viver esta idade, a experiência da
morte de um pai, de um avô, de um irmão. Particularmente perturbadora, pela
facilidade de identificações possíveis, pode ser a morte de um amigo, que às vezes induz também
a tentativas de suicídio e ao torturante perguntar-se o porquê, como isso pôde
acontecer, por que justamente ele?
O sentimento de perda de controle
sobre si e sobre a vida pode ser total e minar a delicada e ainda frágil
construção da identidade.Em sentido lato, a morte não diz respeito somente à finitude da carne, mas leva à
idéia da irreversibilidade do tempo linear da própria existência, à
fragilidade, à solidão e através da assunção do sentido de limite, à
interdependência como necessidade inalienável da presença do outro para
estabelecer relações de intercâmbio.
A temática do suicídio, que
representa, por sua dramaticidade, o parâmetro
de toda esta área de relação com o “corpo mortal”, foi recentemente
objeto de estudos e reflexões, estimuladas também por um aumento de suicídios,
justamente em idade adolescente, executados aparentemente sem motivos externos
que pudessem justificá-los.
A motivação ao suicídio é
relacionada por muitos autores à falência do processo de separação, à presença de opiniões pejorativas
sobre o próprio corpo, a uma falta de diferenciação entre fantasia e realidade
e a um defeito de representação mental do corpo.Certamente, a intensidade das
sensações internas que não podem ser elaboradas e transformadas com a ajuda dos
dados cognitivos e de representações, torna-se subjetivamente impossível de conter e ameaça ultrapassar os limites da
própria pessoa.
Buscar a morte tem como
objetivo fazer calar o corpo, manter sob controle a vida interna que se
assinala através sensações das quais não se compreende o sentido e o código.O
corpo não é vivido como pertencente a si, mas como uma coisa separada da qual
se pode desfazer.
A morte é fantasiada como a
obtenção de uma paz completa, um paraíso disponível, que realiza o desejo de
viver de modo compensatório, sem tensões, sem medo do presente e do futuro, sem
faltas e sem desilusões. O suicida se move em um horizonte que recusa o limite
e a perda e mantém pensamentos onipotentes sobre si mesmo.Normalmente fantasia
uma sorte de sobrevivência à morte, na qual poderá ser testemunha do próprio
fim, ao lado dos sobreviventes que o chorarão.
É mesmo para continuar a fazer
este mundo mágico e onipotente viver que o adolescente suicida recorre à
extrema decisão de fazer morrer o corpo: este representa de fato aquela parte separada de si mesmo em que, ao
contrário, habita o tempo, o espaço, a experiência e portanto a frustração e a
dor.
buscado em: cooperação.sem.mando
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