domingo, 17 de março de 2013

Energia: a saudável opção do lixo


am4 O lixo que vira energia

Pouquíssimo conhecida, geração de eletricidade a partir da queima de resíduos pode reduzir em 88% volumes de detritos — mas precisa eliminar emissões tóxicas
Por André Trigueiro, no Envolverde
A demanda por energia no mundo cresce de forma tão preocupante quanto o volume de lixo. Harmonizar de forma inteligente essas curvas de crescimento constitui um dos grandes desafios tecnológicos da atualidade. Essa é a razão pela qual vem crescendo rapidamente o número de países que investem no aproveitamento energético do lixo. São basicamente duas as rotas tecnológicas empregadas para alcançar esse objetivo: a queima direta dos resíduos (waste-to-energy) ou a queima do biogás produzido a partir da decomposição da matéria orgânica do lixo.
Existem hoje no mundo aproximadamente 1,5 mil usinas térmicas que queimam o lixo para gerar energia ou calor. O Japão, o bloco europeu, a China e os Estados Unidos lideram o ranking. No Brasil, não há térmicas com esse perfil em operação, embora alguns municípios estejam bastante interessados no assunto. A tecnologia é cara e o custo do megawatt-hora bastante elevado em relação à energia convencional. A vantagem é a transformação do lixo queimado a aproximadamente 12% de seu tamanho original em cinzas, que podem ser usadas (se forem inertes) como base de asfalto ou matéria-prima para a construção civil. Sem uma política pública que estimule essa fonte de energia com a redução de impostos e outros incentivos, ela continuará desprestigiada e marginal.
Ainda não está completamente superada a polêmica envolvendo a emissão de substâncias cancerígenas — dioxinas e furanos — que seriam liberadas a partir da queima do lixo. Nos países em que a combustão dos resíduos foi autorizada, o entendimento é de que a queima acima de 900º C eliminaria o risco de contaminação. Em alguns desses países, onde a consciência ecológica é maior — Alemanha, por exemplo — foram exigidas novas tecnologias que assegurassem a qualidade dos gases emitidos.
No Brasil — onde a disponibilidade de terra torna a opção pelos aterros menos complicada do que na maioria dos países desenvolvidos –, a exploração energética do lixo tem sido possível a partir da queima do gás do lixo, também chamado de biogás. A matéria orgânica descartada como lixo (especialmente restos de comida, podas de árvore e restos de animais e vegetais) leva aproximadamente seis meses para se transformar em metano, um gás combustível que agrava o efeito estufa. A simples queima do metano, sem nenhum aproveitamento energético, já assegura um benefício ambiental por transformar CH4 (metano) em CO2 (dióxido de carbono). O metano é de 20 a 23 vezes mais danoso para a atmosfera do que o dióxido de carbono.Na lógica do empreendedor, o retorno do capital investido se dá por duas vias: a emissão de créditos de carbono (quando uma certificadora da ONU mede a quantidade de metano queimado e converte esse número em papel com valor de mercado para os países ricos signatários do Protocolo de Kyoto que assumiram o compromisso de reduzirem suas emissões) e a venda de energia elétrica.
São Paulo (a cidade mais populosa e com o maior volume concentrado de lixo do país) largou na frente em 2004, instalando a primeira usina de biogás do país no aterro Bandeirantes. Depois, instalou a segunda no Aterro São João. Juntos, esses dois aterros (que já não recebem mais lixo) respondem por mais de 2% de toda a energia elétrica consumida na maior cidade do país. Em três leilões, foram vendidos mais de R$ 70 milhões de créditos de carbono, dos quais 50%, por contrato, ficaram com a Prefeitura. Uma receita extra, de onde muitos jamais esperavam receber um dia qualquer centavo.
Do outro lado da Via Dutra, no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o gigantesco Aterro de Gramacho (que até ser encerrado em junho do ano passado ostentava o título nada honroso de maior aterro de lixo da América Latina) hospeda uma empresa privada que investiu mais de R$ 250 milhões para poder explorar o biogás acumulado em quase 35 anos de lançamentos diários dos resíduos do Rio de Janeiro e de boa parte da Região Metropolitana. Por contrato, a empresa se comprometeu a fornecer para a Refinaria Duque de Caxias (da Petrobras) 70 milhões de m³ de biogás por dia pelos próximos 15 anos. Esse volume de gás, que seria suficiente para abastecer todas as residências e todos os estabelecimentos comerciais do Estado do Rio, vai suprir 10% da demanda energética da Reduc. O biogás será retirado com a ajuda de 300 poços (260 já foram instalados) que bombearão o combustível até uma estação de tratamento construída no próprio aterro. Ali o gás será limpo, seco e bombeado através de um gasoduto de 6 km de extensão até a refinaria (pelo menos 1,2 km de tubulações passarão debaixo de áreas de mangue e rios). A operação será iniciada ainda neste primeiro semestre.
Num país que gera 182.728 toneladas de lixo por dia, dá pra imaginar o que isso significa em termos de energia? Pelas contas do Ministério do Meio Ambiente, considerando apenas os 56 maiores aterros do país, o biogás acumulado seria suficiente para abastecer de energia elétrica (311 MW/h) uma população equivalente à do município do Rio de Janeiro (5,6 milhões). O cenário para 2020 aponta uma produção ainda maior de energia (421 MW/h) , suficiente para abastecer quase 8,8 milhões de pessoas, a população de Pernambuco.
Em outro estudo lançado esta semana pela Abrelpe (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) se deteve na análise de 22 aterros sanitários que já manifestaram interesse explorar o gás do lixo. Segundo o “Atlas Brasileiro de Emissões de GEE (gases de efeito estufa) e Potencial Energético na Destinação de Resíduos Sólidos”, o biogás estocado nesses aterros (280 MW/h) poderia abastecer 1,5 milhão de pessoas. Para isso, seriam necessários investimentos de aproximadamente R$ 1 bilhão. Até 2039, esse potencial poderá chegar a 500 MW/h, o suficiente para abastecer 3,2 milhões de pessoas, o equivalente à população do Rio Grande do Norte.
Embora o Brasil necessite importar dos Estados Unidos a microturbina que transforma o biogás em energia elétrica, aproximadamente 80% das instalações contam com equipamentos fabricados no Brasil. É consenso entre os especialistas do setor que o Brasil deveria estimular o aproveitamento energético do lixo com uma política pública específica, que desonerasse os custos e estimulasse novos investimentos.
Em um país onde a produção monumental de lixo gera enormes impactos socioambientais, a geração de energia elétrica a partir dos resíduos é uma ideia que merece atenção, investimentos e um ambiente de negócios favorável à inclusão do biogás em nossa matriz energética.

André Trigueiro é jornalista com pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ, autor do livroMundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.

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