domingo, 17 de março de 2013

Sem vergonha, sem culpa – e sem dominação


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Contemporâneos e sofisticados, todos aceitamos, racionalmente, a sexualidade. Mas para conectar ato sexual e liberdade, é preciso quebrar certas couraças
Por Katia Marko, editora da coluna Outro Viver | Imagem: Pablo PicassoA Alvorada, 1965
Nos últimos anos tenho me ocupado bastante em buscar uma consciência corporal, pois acredito que é através do corpo que experimentamos o mundo. Após doze anos de terapia bioenergética, percebo que meu corpo mudou muito. Mas, ainda assim, não são raras as vezes que identifico tensões que limitam minha capacidade de sentir. Em uma das sessões de terapia que realizamos todas as quartas-feiras na Comunidade Osho Rachana, me dei conta do quanto a repressão vivida na infância e na adolescência insiste em limitar o movimento da minha pelve.
A técnica utilizada consiste simplesmente em respirar profundamente na região pélvica. O objetivo é acessar conteúdos emocionais inconscientes aprisionados no corpo e liberar a energia. Durante o exercício, memórias do passado bloqueavam o meu movimento. Porém, o mais difícil foi aceitar o quanto utilizo o sexo como descarga ou como forma de dominação. Falando assim, pode parecer estranho. Mas cada vez mais compreendo e vejo em mim e nos outros o abismo que estabelecemos entre o sexo e o coração. Na verdade, não somos ensinados a amar em liberdade. Por isso, a prioridade é possuir o outro e não o amor. E isso está intimamente relacionado com a incapacidade de percepção do corpo.
Os exercícios de bioenergética foram criados por Alexander Lowen, baseados na teoria das couraças musculares de Wilhelm Reich. Segundo ele, tudo o que vivemos e sentimos é registrado não só na nossa memória mental, mas também no corpo através de tensões musculares crônicas: as couraças musculares. Estas acabam impedindo o fluxo energético, limitando a expressão emocional e movimentos espontâneos. “À medida que as couraças vão se estabelecendo, a conexão mente-corpo diminui, limitando a autopercepção e dificultando o convívio com os outros e com o mundo. Esta situação é reforçada pelo estilo de vida moderno. A predominância da mecanização limita nossos movimentos e formas de expressão, nos afastando cada vez mais do corpo.”
O ato sexual é uma grande oportunidade para lidar com os bloqueios criados desde o início da nossa sexualidade. O terapeuta Prem Milan, fundador da nossa comunidade, explica que todas as frustrações, os medos e as culpas sexuais que experimentamos durante nossa vida ficaram gravadas no corpo, especialmente na região pélvica. “A incapacidade de respirar plena e profundamente é uma das grandes responsáveis pelo fracasso em conseguir uma satisfação sexual plena. A raiva e a dor da frustração sexual da adolescência estão hoje na nossa pelve. Nós fomos criados para ter muito medo do prazer, porque muitas e muitas vezes fomos punidos em situações de prazer. É só relembrar a infância…”
Lowen escreve no livro “Alegria, a entrega ao corpo e à vida” que foi o fascínio da alegria e do êxtase sexual que o levaram até Reich e à terapia com ele. “A entrega ao corpo envolve uma entrega à sexualidade, que eu pressentia estar na raiz de meus mais profundos medos de rejeição e humilhação. No nível consciente, não me sentia culpado por minha sexualidade. Como adulto moderno e sofisticado, podia aceitá-la como algo natural e positivo. Mas, no nível corporal, sentia-me conduzido por um desejo que nunca se satisfazia profundamente. Eu era um indivíduo tipicamente narcisista, que parece livre em seu comportamento sexual, mas cuja liberdade é externa, não interna, uma liberdade para agir, mas não para sentir.”
É bastante interessante o depoimento de Lowen. Ele continua dizendo que como a maioria dos indivíduos de nossa cultura, sua pelve estava imobilizada por tensões musculares crônicas e era incapaz de movimentar-se livre e espontaneamente no clímax do ato sexual. “Quando finalmente livrei-me dessas tensões no decorrer de minha terapia com Reich e minha pelve começou a movimentar-se, em harmonia com a minha respiração, senti a mesma alegria que deve sentir alguém ao ser libertado da prisão. Tensões musculares crônicas em diferentes partes do corpo constituem a prisão que impede a livre expressão do espírito de um indivíduo.”
A sexualidade é, com certeza, o fruto proibido em nossa cultura. Praticamente todas as pessoas sofrem de alguma dose de culpa ou vergonha por suas fantasias e sensações sexuais. Com isso, não nos entregamos plenamente ao amor. Segundo Lowen, a liberdade interior corresponde a estar livre da culpa, vergonha e constrangimento. “A liberdade interior manifesta-se na graciosidade do corpo, em sua suavidade e vitalidade.”
Desbloquear o corpo das tensões musculares crônicas possibilita acessarmos novas dimensões do nosso ser. Prem Milan explica no seu livro Por que você mente e eu acredito? que podemos ser vistos em três aspectos: o animal, o humano e o espiritual. Como animais, buscamos nossa sobrevivência, o poder, expressamos as emoções vitais, vivemos a sexualidade. “E onde começa nossa humanidade? É justamente no coração, na capacidade de amar, de nos entregar, de nos relacionar, de conectar a sexualidade com o amor, de nos derreter no outro. Do amor, inevitavelmente, somos projetados para o campo espiritual. O coração se abre e há espaço para muito mais. Uma vez nesse estado de preenchimento, começa a transbordar sabedoria, o amor pela vida, pela natureza, pelas pessoas, pelo planeta. Essa é a espiritualidade real.”

Katia Marko é jornalista, terapeuta bioenergética e uma pessoa em busca de si mesma.

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