(este é um escrito rabiscado lá nos idos de não lembro quando e se chamava "CADEIRINHA
DE PENSAR - um castigo a ser pensado-"... já tem um tempo que a alexandra amaral me provocou a retomar o escrito, mas a coisa ficou pelos cantos... recentemente, uma pessoa que me é bem próxima, descrevia o "criativo" castigo imputado à sua sapeca menininha... então, não pude mais deixar para depois a coisa... assimassim, dei uma leve revisada na junção das palavras)
Conta
a História da Filosofia que, lá pelo século IV, antes da Era Cristã, portanto
há mais ou menos dois mil e quatrocentos anos, o filósofo grego Aristóteles
ensinava e fazia filosofia com seus discípulos, passeando... o sistema
filosófico de Aristóteles é conhecido pelo nome de peripatetismo; a doutrina
peripatética – peri, do prefixo grego
que significa à volta de, e patético que se refere àquilo que toca a
alma, que comove, que provoca enternecimento... veja-se que patético nada tem a
ver com parvo, tolo ou idiota.
Mas
contou-me, também, um passarinho - que nada conhece da História da Filosofia
... -e, às vezes é bom ter a capacidade de se comunicar com pássaros, porque
eles vêem coisas que nós não temos a capacidade de ver – que, em algumas
escolas públicas de nosso município, que em muitas cabeças de gentes que educam
em casa ou na escola, fizeram moer os grãos de milho e agora os alunos ficam de
castigo sobre a farinha, como se isso mudasse o teor ou o terror do método
educacional baseado na resignação, na culpa e no castigo ... destaco que os
grãos moídos constituem apenas uma metáfora para ilustrar o que o dito
passarinho cochichou ao meu ouvido, que alguns educadores iluminados criaram
uma variação dos bárbaros castigos, instituindo a “cadeirinha de pensar”! E
essa dita aí vigora mundo a fora ... e isso há muito tempo, eu é que não sabia,
pois sofro, muitas vezes, de uma desinformação constrangedora!
Poderíamos
encerrar o texto na frase acima, pois só o nome do democrático castigo já dá o que pensar para o resto da vida... mas
façamos disso um breve problematização.
A
Idade Média foi genuína na condenação àqueles que pensavam para além do limite
permitido pela Igreja; por bem pouca ousadia queimou muita gente nas fogueiras
emanadas da lenha vinda da própria árvore do conhecimento... aquela que quanto
mais queima, mais faz arder a chama viva daquele corpo que, ao virar cinzas,
irá sustentar as consistentes teias das referências da história e dos
movimentos do mundo e das coisas do mundo.
Ao
ser informada sobre a “cadeirinha de pensar”, juro, pensei que fosse um lugar
nobre para o exercício da filosofia entre as crianças... atividade esta que não
sei se seria possível... criança ainda não é feita de certezas e verdades
absolutas... criança produz questionamentos, interrogações e problematizações que
são próprias à sua inserção/ à sua entrada na absurda complexidade do mundo... criança
é feita de curiosidade... criança nos surpreende com seus amplos, intensos e
singelos questionamentos sobre coisas que o mundo dos adultos já transformou
numa compreensão demasiado complexa.
Mas,
surpresa: a “cadeirinha de pensar” seria mesmo um lugar nobre para aplicação do
nobre castigo de pensar!
E,
surpresa, também, há aqueles que entendem o dito ato de encaminhar, à
“cadeirinha de pensar”, aquelas crianças que por uma ou outra situação cometem
deslizes entre as padronizadas normas do dito bom comportamento –bom comportamento
normalizador, feito de palavrinhas mágicas, de pensamentos bonzinhos, de
pensamentos dicotômicos– tipo conversar, brigar com os colegas, questionar a
professora, problematizar a metodologia conteudista, entre vários outros deslizes/deslizamentos-,
como uma forma de fazer com que, democrática e participativamente, o aluno se
retome em seu deslizar... e, uma última surpresa: há muitos pais que adotam o
mesmo fascinante método, contando –também fascinados- que o filho de tantos
aninhos já sabe que, quando comete um deslize, deve ir para a “cadeirinha de
pensar”.
Pergunto,
então, que condições de produção de subjetividades e singularidades estamos agenciando
em nossas escolas, com nossas crianças, para que possam problematizar e
modificar o lugar histórico a que o próprio homem relegou o ser humano, ou
seja, o lugar de objeto e de recurso disponível à retroalimentação
capitalística do mercado? Como se modula esse sujeito/essa gente cujo castigo
seja pensar? Que educador é esse que se põe a agir de forma “politicamente
correta” ao suprimir o cerceamento da liberdade física, substituindo essa
barbárie pela do cerceamento da liberdade psicológica? Que investimento subjetivo
fazem os pais, que utilizam a metodologia resignativa “cadeirinha de pensar”,
em seus filhos quando lhes imputam a pena do pensar? Pensar, então, não é uma
ação permanente, contínua e cotidiana? Pensar é um castigo para aqueles que
saem da linha do não pensar? Pensar é um castigo para quem cai fora do caminhãzinho
da normalização?
Habituamo-nos
à resignação porque, além da igreja, ao longo da história, muito bem nos ter
ensinado isso, preferimos a vitimização do lugar de objeto/ do lugar de quem
não pode produzir movimentos porque tem medo de lidar com o incômodo dos
movimentos... preferimos fazer com que nossos filhos e alunos perpetuem o lugar
de objeto para que não perturbem o cômodo lugar de objetos que ocupamos...
quando fazemos com que nossas crianças pensem por castigo, negamo-lhes a
possibilidade de que pensem pelo prazer de fazer disso a produção do
conhecimento e da autonomia ética e política/ negamo-lhes a possibilidade de se
apaixonarem pela vida e de se encantarem pelas invenções!
E
deixo, para reflexão, palavras que iluminam a sombridade das minhas mal
traçadas linhas ... “Não importa com que
faixa etária trabalhe o educador ou a educadora. O nosso é um trabalho
realizado com gente, miúda, jovem ou adulta, mas gente em permanente processo
de busca. Gente formando-se, mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando,
mas, porque gente, capaz de negar os valores, de distorcer-se, de recuar, de
transgredir. (...) Se não posso, de um lado, estimular os sonhos impossíveis,
não devo, de outro, a quem sonha o direito de sonhar. Lido com gente e não com
coisas”(Paulo Freire) e “Ah viver é
tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver
parece ter sono e não poder dormir – viver é incômodo. Não se pode viver nu nem
de corpo nem de espírito” (Clarice Lispector).
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