domingo, 22 de julho de 2012

o acolhimento e a placa


por Luis Tavares
Caminhando distraído pelos corredores do hospital, deparei com a plaquinha sobre a sala e nela a palavra: Acolhimento.
Interessante, pensei.
Olhei por alto e identifiquei elementos convidativos: uma decoração leve, gravuras, um clima ameno...
Que bom, pensei.
Há 30 anos atrás eu não poderia supor que nesse terceiro milênio da era cristã o acolhimento fosse valorizado, tornando-se um setor de uma instituição hospitalar.
Mas se tornou.
Afastei-me da sala feliz com essa constatação e fui para o repouso dos médicos.
E comecei a pensar.
O acolhimento foi parar na placa.
Palavras geralmente quando viram placas precisam ser reinventadas.
Foi assim com a palavra hospital, que quando livre, tinha a ver com hospitalidade. Virou placa, precisou da ajuda da palavra acolhimento.
Mas hospitalidade já traz em seu seio o significado do acolhimento. O problema é virar placa.
Acolhimento virou placa.
Revejo a palavra acolhimento nos seus dias de liberdade.
Não morava em placas nem em manuais nem era objeto de cursos de capacitação.
Acolhimento era livre e universal.
Nasceu no coração do homem como filha tímida do amor.
Irmã da simpatia e da boa vontade, cresceu e se espalhou por todos os labirintos da vida na terra.
Acolher tornou-se um diferencial na medida em que a sociedade foi se tornando industrial e incompassiva.
Aqueles que não se adaptavam ou se cansavam da modernidade e sem conforto com impessoalidade buscavam no acolhimento e proteção.
Então acolhimento no inicio era assim: sem regras nem limites. Entrega sem obstáculos. Criava vínculos sem culpas. Amenizava dores sem qualquer estratégia estabelecida além daquela ligada ao querer bem.
Acolhimento livre era assim: sorriso farto, largo, pão sobre a mesa, divisão de cobertor ainda que curto e da agua restante ainda que pouca.
Passaram se séculos até que aquela outra palavra, hospital, corresse em seu socorro por sentir-se desgastada e sem forças.
Foi quando trouxeram acolhimento para a placa.
E palavras quando vem para placas, vem acompanhadas de manuais de utilização.
E o acolhimento não fugiu à regra.
Assim que foi encarcerada na placa para ser distribuída por ai, estabeleceram-se parâmetros muito estranhos para aquela que vivia livre e no coração dos homens de boa vontade: quem acolheria, como acolheria, com que regras, depois de que cursos, usando que evidencias, objetivando que resultados?
Acolhimento foi se tornando uma palavra achatada e tornando-se propriedade de capacitados.
Deixou de rir alto e abraçar forte. Parou de andar descalça e de servir resto de café frio. Parou de contar piadas. Saias curtas? Nem pensar. Da placa em diante, tornou-se didática e normatizada, bem comportada e politicamente correta, adequada e universalmente adaptável ao ambiente industrial.
O homem moderno, acostumado a suas prisões sociais e comportamentais, habituou-se a aprisionar tudo à sua volta. Aprisionou pensamentos, ideias, pessoas, convenções, normas, comportamentos, nomes e palavras.
A palavra aprisionada perde sabor e cor, perde textura e força, mas como um suco engarrafado ganha possibilidade de ser distribuída em massa com alcance maior que o suco da fruta colhida no pé.
Vida que segue.
A palavra costurada na placa já não me causa estranheza ou admiração.
Percebo-a tão morna e triste quanto necessária.
Quem sabe um dia, quando a vida for alforriada pela verdade que liberta, as palavras escapem das placas e tornem a viver livres e respiradouras de vida no coração do homem.
Que assim seja.

Nenhum comentário:

Postar um comentário