Eis o artigo.
Após mais de quarenta anos de prática, me declaro insatisfeito com os métodos das cerca de quatro mil abreviações de vida às quais (ou que) eu assisti. Mas e a eutanásia em si? Não sou nem contra nem a favor. Ela existe.
As últimas leis – de 9 de junho de 1999, que visam garantir o direito ao acesso a cuidados paliativos; de 4 de março de 2002, relativas aos direitos dos doentes e à qualidade do sistema de saúde; e de 22 de abril de 2005, sobre os direitos dos doentes e a abreviação da vida – permitiram progressos, mas continuam insuficientes.
É particularmente o caso da última, votada pela Câmara por unanimidade depois de ser reduzida por emendas restritivas a um mínimo denominador comum. A mudança anunciada por nossos novos governantes deve melhorar uma situação que interessa a toda a população: nosso fim de vida. As raízes de minha reflexão se escoram nos três pilares da divisa republicana: liberdade, igualdade e fraternidade.
A liberdade é uma propriedade individual, na vida e na morte. O suicídio não é mais condenado na França, mas já foi e continua sendo em outros países, sendo proibido por certas religiões. Por que a eutanásia continua a ser ilegal em nosso país?
A linha da fronteira entre o que caracteriza eutanásia passiva e ativa, muitas vezes aplicada para separar o autorizado e o proibido, é difícil. A lei de 2005 permite a suspensão de reanimações em situação de dependência irreversível. Ela autoriza também que se ministrem sedativos segundo o princípio do duplo efeito em tratamentos paliativos (agora é possível aplicar um tratamento que pode abreviar a vida caso essa administração tenha por objetivo primeiro aliviar com a dor).
Sou testemunha de que, mesmo aplicados da maneira mais adequada, esses cuidados paliativos podem continuar insuficientes. Eles não se adaptam a todas as situações clínicas que levam a pedidos de eutanásia ou de suicídio assistido.
De alguns anos para cá, a porcentagem de franceses a favor da legalização dessas práticas vem crescendo a cada pesquisa de opinião feita; agora, é amplamente majoritária. Os lobbies religiosos se baseiam no princípio “não matarás” para se oporem. Esse mandamento, justificado, que protege a vida social, tem por objetivo proibir o assassinato, mas leis estatais e leis divinas não condenam a legítima defesa, as consequências de guerras possivelmente religiosas, ou, em certos países, a pena de morte.
Um dogma não pode passar à frente da liberdade de uma escolha pessoal, contanto que esta seja ou possa ter sido expressa de maneira pensada. Ninguém deveria se permitir julgar o outro em sua escolha de abreviar sua vida caso esta respeite a lei coletiva. Em nosso país, a lei laica separa os poderes das Igrejas e do Estado.
A igualdade pertence aos direitos do homem e do cidadão desde a Revolução Francesa. Esses direitos à igualdade atualmente não são respeitados na França para aquilo que diz respeito ao final de nossas vidas. Sem falar das desigualdades de equipamentos em matéria de cuidados paliativos dependendo das regiões, é injusto que somente pacientes ricos possam atualmente ir até a Suíça para ter um suicídio assistido em estabelecimentos particulares deLausanne ou Zurique. O custo era de cerca de 6 mil euros em 2008!
Diante da morte, na prática não somos iguais. Alguns sofrerão, outros não. Alguns entendem que o sofrimento é redenção; outros não querem passar por ele. Alguns afirmam que toda vida humana continua digna de respeito incondicional, qualquer que seja o grau de sua alteração física ou mental; outros não aceitam esses declínios. Essa recusa talvez possa ser expressa de maneira definitiva em situação patológica irreversível e insuportável, ou de forma antecipada pela redação de uma preciosa declaração escrita antes do surgimento do problema letal. Todos têm razão, uma vez que é sua escolha consciente. Essa escolha é individual e não deve ser imposta aos outros, e cada um deve permanecer livre para agir de acordo com sua própria vontade e consciência. Deve ser aplicada respeitando um direito igualitário.
“Amai-vos uns aos outros!” Vamos praticar esse esplêndido espírito de fraternidade até o final da vida. Por que é criminoso dar alívio ao próximo? Claro, os centros de cuidados paliativos cumprem suas tarefas com competência, mas continuam insuficientes tanto em termos de quantidade quanto de qualidade. Os médicos ocupam uma posição-chave no debate sobre o acompanhamento do doente em estado terminal, mas, como sua formação primeira visa a busca da cura, são muitos os que se opõem à prática da eutanásia.
No entanto, na Bélgica e na Holanda há muitos médicos que assumem essa responsabilidade – mais de mil casos por ano na Holanda, agora; logo, não se trata de uma situação excepcional, como afirmam certos políticos que querem evitar essa questão! Nesses países, os médicos que realizam essas mortes assistidas as sentem como positivas, devido ao habitual reconhecimento manifestado pelos pacientes e suas famílias.
Na França, assim como para o aborto, é compreensível que certos médicos rejeitem a prática desses atos por razões morais.
Mas não sejamos daqueles que sabem sem ter praticado, daqueles que fogem da realidade da morte, que não entram no quarto dos agonizantes, que decidem a partir de seus escritórios sem jamais terem visitado um serviço de reanimação ou um hospital com doentes crônicos! Sejamos daqueles que respeitam o ser vivo em sua dignidade pela escolha de sua escolha quando seu fim não tem fim! Se essa escolha é a morte assistida, a comissão criada por nosso presidente deve emitir uma nova lei que permita a médicos designados e supervisionados efetuarem em paz um fraternal gesto de amor.
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